Existem filmes de comédia aos montes. Talvez seja o gênero que mais produza trabalhos genéricos e desimaginativos anualmente sem que a maior parte do público perceba a quantidade monstra. Aliás, é um gênero-muleta para vários artistas do estilo rostinho bonito, que fazem um filme a cada ano ou dois para se manter no mercado, mesmo que seja completamente óbvio qual o final da história só de ler o título no pôster. Entretanto, são poucos os exemplos do gênero acompanhados pelo elogio sincero de uma obra respeitável e bem realizada, algo que não seja apenas entretenimento leve e descerebrado para matar uma hora e meia do tempo, e sim um trabalho digno de ser chamado de engraçado e competente. Chega a ser estranho atribuir palavras tão rebuscadas a uma palhaçada completa como “Blazing Saddles”, que nem leva si mesmo a sério. E seria estranho mesmo se não fosse apropriadíssimo.
A expansão não se interrompe por nada. O movimento em direção ao Oeste Americano traz a construção de uma ferrovia para perto da cidade de Rock Ridge, porém um desvio se faz necessário e não há outro jeito além de fazer os trilhos passarem pela cidade. A única solução encontrada por Hedley Lamarr (Harvey Korman) é agredir, matar e expulsar todos os habitantes do lugar, o que leva muitos a fugirem e o xerife a ser baleado. Um novo deve ser escolhido e Hedley novamente influencia o processo ao convencer o governador a nomear Bart (Cleavon Little) para a posição. O único problema é que o rapaz é negro e a população com certeza não o aceitará, encaixando perfeitamente nos planos do facínora de dominar a cidade.
Qual o sentido disso tudo? Nenhum. Alguns elementos são familiares e já foram vistos em outros faroestes. A idéia de uma ferrovia em direção ao oeste servindo como centro de interesse econômico é assunto de ambos “Era uma Vez no Oeste” e “Johnny Guitar“. Nos dois casos, a expansão da ferrovia atrai os olhares gananciosos sobre pessoas inocentes que se encontram no caminho até o dinheiro, situação que eventualmente traz conflitos brutais entre as duas partes. Mas é claro que nesses casos existe uma preocupação com os detalhes. Por exemplo, os personagens ameaçados previram que uma construção naquele local traria lucro no futuro, o mesmo lucro que os magnatas não querem dividir. “Blazing Saddles” é ridiculamente mais absurdo que isso: uma cidade inteira está no caminho dos trilhos que por algum motivo não podem ser desviados, então a única solução é expulsar todos os habitantes da cidade.
Mas não seriam essas as pessoas que gastariam seu dinheiro e participariam da economia em ascensão de uma cidade conectada com a rede de trens? A cidade passa a valer mais, mas quem serão as pessoas a aproveitar isso? Novamente, “Blazing Saddles” é diferente. Já no começo do filme há uma cena em que se descobre que os trilhos foram interrompidos por areia movediça. Um dos capatazes brancos fala para mandarem dois cavalos para checar a situação, ao que o chefe responde que eles não podem desperdiçar cavalos, então eles mandam dois trabalhadores negros. Isso já diz uma coisa ou outra sobre o ponto de vista dos autores em relação ao tratamento étnico no Faroeste. Raramente se via um negro ocupando uma posição relevante no gênero. O papel de Woody Strode em “The Man Who Shot Liberty Valance” é um exemplo clássico: o passivo ajudante na fazenda do protagonista.
O racismo gritante é um dos maiores temas da obra. E quando se fala gritante, é realmente berrando no limite dos pulmões e faltando pouco para estourar as cordas vocais; não como um grito de guerra movido pela paixão de instigar mudança, é mais como um grito em que a voz falha e o timbre fica comicamente fininho até que seja impossível levar a sério. Faz sentido, já que “Blazing Saddles” não se posiciona como algo sério em nenhum momento, chega a parecer uma grande piada da parte de artistas querendo nada mais do que se divertir um pouco. É como se alguém pegasse um modelo de história de faroeste e, cena por cena, desse um toque para deixá-las engraçadas de alguma forma. Às vezes é alguma besteira como bater a cabeça na janela e às vezes é partir para o absurdo e nocautear cavalos com um murro porque, bem, por que não?
Poderia dar muito errado porque simplesmente engraçar cenas não é lá uma idéia muito genial. Entretanto, é sucesso possível de forma simples se os responsáveis pela injeção de humor forem engraçados. É como contar uma piada, realmente, basta dar certo para dar certo, a chance é igual para o sucesso e o fracasso. “Blazing Saddles” felizmente consegue se superar a cada momento conforme surpreende por de fato tornar tudo motivo de piada! Os focos principais da sátira permanecem os mesmos até o final — o faroeste e o racismo — ao passo que todo o resto é ajustado de forma que nunca seja apenas um elemento banal, sempre há a maquiagem da comédia transformando o menor dos personagens em um possível avatar do riso. É até difícil citar todas as formas porque há muitas. Dizer que há um sentimento de progressão e construção do humor nas cenas de uma seqüência não seria errado, assim como citar exemplos pequenos e pontuais também não seria. A existência da comédia é ampla e dominante, nunca se limita a poucos artifícios.
Isso sem contar os momentos em que “Blazing Saddles” faz o impensável e chega em níveis que facilmente podem ser imaginados como incômodos para muita gente. Sobre estes momentos é melhor não falar porque o choque é como quando alguém abaixa as calças do coleguinha na escola sem aviso, não há nem como imaginar de onde diabos os roteiristas tiraram algumas idéias e menos ainda como conseguem se safar com elas. No geral, não diria que esta é uma comédia com um fundo sério e um comentário oculto sob a máscara do humor; assim como também não quer dizer que é uma coleção de bobagens sem conexão lógica. Há um objeto bem definido de interesse cômico e uma narrativa relativamente coerente na base de tudo. Conhecedores do Faroeste talvez apreciem a obra melhor, mas, de qualquer forma, seu potencial de entretenimento não se limita este público. Com tantas gracinhas, dificilmente alguma não conquista o espectador.