A situação não vai bem na paróquia do Padre Fitzgibbon (Barry Fitzgerald). Com a hipoteca perigosamente perto de ser executada e a igreja inteira sob o risco de ser desmanchada, tudo parece perdido quando ainda existe uma lista de outros problemas praguejando a paróquia e a comunidade em torno dela. Já faz 45 anos que Fitzgibbon está no comando do lugar — 46 em outubro — sem precisar da ajuda de ninguém e quando o jovem Padre O’Malley (Bing Crosby) chega para fazer isso, não é recebido de braços abertos. De estilo contemporâneo e humor leve, a geração nova bate cabeça com a velha tentando restaurar a comunidade à boa forma. “Going My Way” é, afinal, uma história de padre.
Finalmente assistir a “Going My Way” prova uma coisa: definitivamente não foi o melhor filme de seu ano. A grande polêmica envolve a esnobação de todos as indicações de “Double Indemnity” a favor da concorrência, enquanto os piores dos calos são as derrotas nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro. Basicamente, os três prêmios que coroariam com justiça as maiores conquistas da obra de Billy Wilder, mas foi a obra de Leo McCarey que levou esses três prêmios e outros quatro, além de mais três indicações. É o Oscar demonstrando que seu rol de controvérsias desde 1945 causa furor no público e até mesmo em gente da indústria. Incomodado com as sucessivas derrotas, Wilder deixou o pé no caminho para McCarey tropeçar quando este foi buscar o grande prêmio da noite. Mas também não é como se este fosse o maior absurdo de todos os tempos, o filme está longe de ser ruim.
“Going My Way” tem qualidades notáveis e, no geral, é um filme muito bom. A principal razão para isso é a interação entre os dois protagonistas, o padre jovem e o padre velho, dois personagens de naturezas diferentes na mesma vocação tentando fazer a mesma coisa de jeitos diferentes. Primeiramente, Bing Crosby aproveita o papel e absolutamente todas as oportunidades que este lhe dá; em nenhum aspecto o ator decepciona ou dá a impressão de que poderia ter se saído melhor. É realmente como dizem, pois parece que o papel foi escrito sob medida para ele mesmo sem ter visto outros trabalhos seus e sem conhecer sua persona para afirmar que, sim, seu jeito se encaixa perfeitamente no personagem. Tudo que é jogado para Crosby é rebatido com graça e sem esforço, com a naturalidade de um homem cheio de confiança que não precisa se afirmar para ninguém.
Não é fantástico? A simples possibilidade de uma pessoa ter confiança em si e não sair proclamando isso em monólogos prepotentes já é algo de se admirar numa pessoa. É o que se poderia chamar de humildade, algo difícil de nutrir e demonstrar quando existem motivos para orgulho, neste caso sendo algo diferente dessa qualidade bondosa vista em padres. Bing Crosby é um cara suave como o termo em inglês denota. Cortês, gentil, afável, de fala mansa e um temperamento de outro mundo. Parece que há 90 anos de experiência de vida em 30, toda a calma de quem lidou com esse e aquele problema uma centena de vezes. É o tipo de personagem que exige domínio e segurança do próprio ator para transmitir de volta essa segurança para a audiência. Não há como fingir confiança na frente da câmera e nem se fosse possível isso seria necessário, já que o ator se mostra à altura das demandas do papel.
Basta ver que ele até canta durante o filme. Tudo bem, pode soar menos impressionante quando se leva em conta que Crosby cimentou sua reputação na música antes de fazer carreira no cinema, porém não deixa de ser um mérito trazer para o cinema esse talento vocal. “Going My Way” não chega a ser um musical como normalmente se imagina, ele traz ao menos meia dúzia de cenas com música, todas encaixadas na história do jeito normal. Em outras palavras, a realidade não entra em pause para os personagens cantarem e dançarem, eles realmente apresentam uma canção ou participam de um coral, por exemplo. Só é curioso que a melhor música do filme seja uma apresentada em alternativa à música-título e, além disso, que foi justamente ela a indicada e a vencedora do Oscar. Apenas uma coincidência incomum, considerando que normalmente o tema principal acaba sendo nomeado.
O enredo de “Going My Way” é simples e sem muita ambição de alcançar grandes coisas. O Padre mais jovem chega para ajudar a resolver os problemas da comunidade e é isso que acontece no filme inteiro. Situações diferentes exigem a tal versatilidade de Bing Crosby e além disso também há algo impossível de não mencionar: sua relação com o Padre residente, o velho Fitzgibbon. Barry Fitzgerald é quase tão impressionante quanto seu parceiro de cena, mostrando ser a teimosia inflexível cheia de pormenores chatos e o exato oposto de O’Malley. Seja pelo forte sotaque irlandês e o orgulho inchado, Fitzgerald nem precisa se esforçar para conquistar a simpatia do espectador por exalar carisma em todas suas cenas.
Mas nem o enredo, nem esses personagens parecem grande coisa em uma primeira vista. É um conjunto pouco instigante, que, não obstante, mostra-se genuinamente engraçado em cada nova situação envolvendo o velho cabeça dura e o jovem cheio de ginga e esperteza. No lugar de piadas e tiradas características da comédia, encontra-se cenas muito bem-humoradas que se caracterizam assim naturalmente, sem tentar engajar o riso diretamente. O único problema facilmente identificável na obra como um todo é o momento mais agravante do clímax, aquele que era para fazer o coração do espectador doer justamente quando tudo parecia tranqüilo. Ele simplesmente passa muito rápido, não dá tempo para o espectador sentir de verdade o impacto do evento antes que a imagem dissolva para preto e continue em frente.
Mesmo sendo um filme merecedor de méritos, principalmente no campo da escrita e interpretação dos personagens, “Going My Way” poderia ter ficado sem os grandes prêmios. Por melhor que o Padre O’Malley seja, ele não é nenhum Walter Ness nem o Padre Fitzgibbon é uma Phyllis Dietrichson. Talvez as coisas aconteceram como aconteceram pelo enorme sucesso de “Going My Way” ou porque o gênero Noir ainda estava se popularizando entre o grande público. Nunca oficializar-se-á tal informação, mas é difícil não pensar que a esnobada gigante de “Double Indemnity” foi remediada com a vitória de “The Lost Weekend” no ano seguinte. Já naquela época essa prática curiosa acontecia.