Saudosismo é besteira, dizem por aí. No entanto, é inegável dizer que o cinema como arte e como mercado muda constantemente, tem períodos e fases mais ou menos bem definidos em sua história. A divisão mais óbvia talvez seja a do Cinema Mudo, quando a sétima arte se adaptava completamente à falta de um elemento que é tomado como dado hoje em dia. Sem falas e som direto, as atuações eram predominantemente físicas e dependiam da comunicação corporal para transmitir qualquer idéia. Sendo assim, um musical como “Gigi” — ou qualquer outro, por sinal — era impossível neste molde. Foi só muitos anos depois que os musicais dominaram Hollywood, outra fase do cinema que passou por seu auge e queda como várias outras.
Sendo fã do gênero como um todo, é apenas natural buscar aqueles apontados como melhores, os mais premiados e os produzidos no período em que o gênero estava em alta, nas graças do público e da crítica como um todo. Até os Anos 60, o gênero aproveitou uma fase de sucesso que vinha desde os Anos 30, com produções sendo financeiramente e criticamente positivas e até mais premiadas do que em outros períodos. Houve 34 anos sem Oscars de Melhor Filme entre “Oliver!”, de 1968, e “Chicago”, de 2002. Hiato que iniciou outro por pouco não reduzido a 14 anos, quando “La La Land“, de 2016, quase levou a honra principal para casa. Fez sentido buscar um dos oito vencedores do grande prêmio e ver do que ele se tratava. “Gigi” foi o Melhor Filme em 1959 e levou outras oito estátuas junto, incluindo Melhor Diretor para Vincente Minelli e Melhor Roteiro Adaptado para Alan Jay Lerner.
A história é adaptada de um conto homônimo escrito por Colette e acompanha a vida de uma jovem garota chegando em sua puberdade. A jovem “Gigi” (Leslie Caron) é uma enérgica garota que não entende direito ou não concorda com muitas das regras que a maioria das pessoas está mais do que feliz em seguir. Sua mãe é uma das poucas mulheres que vai contra a maré, decidindo ser uma cantora e, ao mesmo tempo, ficando sem tempo para cuidar de sua filha, trabalho que fica a cargo da avó, a Madame Alvarez (Hermione Gingold). A vida da garota se resuma a ir para a escola e ser instruída pela Tia Alicia (Isabel Jeans) sobre como ser uma verdadeira dama e conquistar o coração de um rapaz que valha a pena, mas será que é isso que ela realmente quer?
Com exceção do grande prêmio, os outros dizem muito sobre “Gigi”, acertando ou errando. Mais lógico e previsível é o prêmio de Melhor Trilha Sonora. O esforço conjunto de Frederick Loewe na composição da música, de Alan Jay Lerner nas letras e de André Previn na adaptação para o cinema garante que o pilar central da experiência musical funcione e acabe por ser a melhor parte do filme, facilmente. Mesmo sem qualquer palavra cantada, a musicalidade de cada canção injeta com uma naturalidade cristalina os sentimentos que as letras reforçariam. Sua graciosidade acalenta o espectador em melodias características das trilhas sonoras da época e sue teor jovial, que não deixa de lembrar as famosas adaptações musicais da Disney dos contos de fada. É facilmente uma trilha sonora que poderia ser ouvida destacada da parte visual da obra e, ainda assim, evocar sentimentos palpáveis.
Olhando para o número total de músicas, há 15 delas; tirando uma reprise e a abertura inicial, sobram 13. No entanto, o que parece um número bem dosado para um filme de quase 2 horas pode impressionar o espectador quando este finalmente assistir a “Gigi” e perceber que as músicas não preenchem tão bem essa duração. Por quê? Grande parte delas são curtíssimas até mesmo para os padrões de músicas dos Anos 50 e 60, época em que a duração média era notavelmente menor que nas décadas seguintes. Praticamente todas as canções estão na faixa dos 2 minutos, com algumas mal podendo ser consideradas algo mais que um comentário musical por ficarem na marca de 1 minuto ou pouco mais que isso. Bizarramente, percebe-se a alta qualidade do produto em questão quando seu maior defeito é durar pouco. Não se pode reclamar da qualidade da música enquanto ela dura, apenas do relativo vácuo que ela deixa, o que não é totalmente sua culpa se não inserem outra coisa para preencher.
Existem outros musicais mais longos ou de duração similar que conseguem se sustentar tranqüilamente com o mesmo número de canções, portanto não há como apontar o dedo certeiramente para as curtas canções de “Gigi” e dizer que são elas as culpadas pela experiência um tanto rasa. A trilha sonora de fundo continua o bom trabalho das partes principais durante os trechos mais tradicionais da história, mas não diria que é o bastante para compensar o enredo notavelmente fraco. Tanto faz se é adaptação de um trabalho de uma escritora francesa famosa, o que fazem com seu conto aqui não soa exatamente como um bom indício da competência da obra original. Sinceramente espero que seja característica da adaptação ter mutilado a noção básica de progressão em uma narrativa, o simples processo de mostrar uma opinião, impressão ou qualidade pessoal mudar de um ponto até outro.
Não há como dizer que “Gigi” é mais do que uma história simples. É tosco tentar aprofundar esta historinha boba que não se leva a sério e até chega a ser um pouco flamboyant demais em sua celebração constante de sentimentos alegres. Mas tudo bem, não é um exagero que faz por merecer uma crucificação, é apenas o tom da obra em geral. O problema é quando o simples passa a ser simplista, quando os 115 minutos acabam e parece que o filme não teve muito a dizer e ainda não soube dizer direito esse pouco. Não tenho nenhuma objeção à moralidade incompatível com a atual porque não vem ao caso fazer uma análise moral da obra e criticá-la por isso, porém não há como ignorar que as transições são executadas mediocremente. Sem dar detalhes para não estragar a obra, basta dizer que o roteiro não sabe lidar com as noções de idade e maturidade da protagonista, principalmente. Ela e outros personagens mudam conforme as necessidades da história, longe de trilhar um caminho crível e longe de
“Gigi” tem algumas coisas perfeitamente no lugar. Canções como “I Remember It Well” são impossíveis de não guardar na memória por trazer a mesma esperteza no jogo de palavras que seria visto em “My Fair Lady” 6 anos depois, duas pessoas trocando fagulhas na forma de rimas e, assim, criando algo que funciona igualmente bem como música e interação entre personagens. Infelizmente, ela e outras duram pouco. Nem mesmo a direção de Vincente Minelli compensa a situação, não quando as oportunidades para orquestrar algo grandioso não chegam perto do que se vê em “An American in Paris“, no qual a própria Leslie Caron tem um papel bem mais interessante como dançarina além de atriz. Na falta disso, um pouco mais de música poderia ter evitado que tanta atenção recaísse sobre a história, de longe a pior parte do longa.