Quando falam em Terrence Malick, a primeira coisa que me vem na cabeça é “A Árvore da Vida” e seu estilo de direção popularmente chamado de propaganda de perfume. Frases soltas com teor poético aliadas a imagens esteticamente impecáveis com um ar elegante e até um tanto onírico, como se fossem flashes de memória passando pela mente da pessoa com sua característica imperfeição na parte de linearidade e consistência. Há quem goste deste estilo; não sou destes. Por isso sempre me interessei mais pela promessa de filmes considerados mais tradicionais de Malick, como “Badlands” e “The Thin Red Line”, facilmente o mais comentado de sua carreira por ser seu primeiro projeto depois de um hiato de quase 20 anos sem dirigir nada.
Depois de passar um tempo como desertor, o Soldado Witt (Jim Caviezel) é capturado por uma patrulha da marinha e recolocado na linha de frente americana contra os japoneses. Junto com a Companhia C, ele e um grupo de outros soldados são acompanhados em sua campanha de invasão a uma ilha japonesa em posição estratégica para os americanos. Um de seus primeiros objetivos é capturar a qualquer custo uma colina dominada pelo inimigo, que está em posição de vantagem em relação aos invasores. Dos momentos iniciais de incerteza dentro das embarcações até a insanidade fatal do combate, é discutida e exposta toda a gama de sentimentos e significados constelados durante algo intenso como a guerra.
Este último trecho, em especial, pode dar um gosto ruim na boca daqueles que não apreciam o estilo de Terrence Malick, que se tornou mais acentuado nos seus filmes a partir de 2011. O modelo é mostrar imagens tradicionais ou capturadas de forma heterodoxa e juntá-las a narração de algum personagem falando sobre qualquer assunto que seja, contanto que a fala seja fraseada de forma poética e às vezes lidando diretamente com temas sobre existencialismo e transcendentalismo. Em suma, dificilmente é uma combinação de fácil compreensão nos poucos segundos que ocupa dentro de uma narrativa de um longa-metragem. Por vezes, uma simples frase poderia colocar a pessoa para pensar por um tempo razoável. A reflexão de um personagem sobre algum evento de sua vida, exacerbada e aprofundada para além do superficial pelo roteirista, torna tudo ainda mais difícil porque tal ponderação deve ser relacionada a tantas outras e considerada como um todo dentro de uma narrativa.
Quem achar que é uma empreitada praticamente fadada ao fracasso, como andar de moto em pista com gelo, provavelmente tem razão ou, no mínimo, um bom palpite. Inesperadamente, “The Thin Red Line” traz uma parte deste modelo peculiar na apresentação de sua história relativamente simples da Segunda Guerra. Em comparação com “O Resgate do Soldado Ryan”, com quem competiu diretamente no Oscar de 1999, este é um conto consideravelmente mais contido. Sem a sensação de odisséia e jornada hercúlea por todos os tipos de perigo para encontrar um mísero soldado raso no meio de um conflito que mata milhares por vez, “The Thin Red Line” prefere abordar o mesmo evento histórico através de uma batalha um tanto mais pontual. Forças americanas tentam dominar uma ilha e passam a maior parte do tempo sofrendo para conquistar um morro cheio de grama — com vários japoneses acampados com metralhadoras só esperando a oportunidade de causar baixas, é claro.
Por incrível que pareça, a quantidade de conteúdo que Malick consegue extrair de um evento relativamente banal como a conquista de um pequeno pedaço de território é impressionante. Tudo porque, no caso de “The Thin Red Line”, o tom é estabelecido desde o começo e a narrativa visual segue um caminho mais tradicional, sem funcionar como fator de confusão na cabeça do espectador. Podendo acompanhar as imagens que prezam pela continuidade e fluidez, a anterior se conectando com a próxima sem qualquer quebra no fluxo de atenção, o espectador tem a chance de ouvir trechos breves de narração e conectá-los mais facilmente ao que é exibido. A infame desconexão entre pensamento e sentimento proporcionada por uma narrativa mal concebida não acontece e, assim, é muito mais fácil associar tal fala a tal grupo de temas trabalhados pela história.
Aquilo que poderia parecer estranho caso destacado do contexto geral, como uma câmera deslizando pelo chão em meio à grama alta ao lado de soldados agachados, passa a ser ligado organicamente aos momentos em que se pondera sobre a natureza em geral. Deste tema abrangente, outros seguem: natureza como um organismo vivo, natureza humana, homem contra natureza, a visão do homem sobre a natureza, entre outros. É uma ampla gama de pontos que poderia muito bem tomar um bom tempo de pensamento por si, mas que aqui se complementam em prol de um questionamento mais geral e palpável, facilmente relacionável com o material fornecido pela história. Afinal de contas, não é durante a guerra que algumas facetas humanas marcam presença mais claramente? Afinal de contas, é um ambiente constantemente estressante, que exige das pessoas um comportamento atípico e muitas vezes as modifica para a vida toda, mesmo quando se está na segurança de cobertores quentes e não é mais necessário prezar pela sobrevivência.
“The Thin Red Line” não está tão interessado nos eventos que acontecem durante uma guerra, aqueles concretos que normalmente são lembrados pelas pessoas e os livros de história — a queda de uma cidade, a detonação de uma bomba, um ataque suicida a um país neutro. Seu interesse é na experiência de fazer parte de uma guerra. Como é estar fora dela, como o protagonista no começo; enfrentar os momentos antes dela num barco cheio de gente que não sabe o que os aguarda; acompanhar os primeiros momentos de exploração, medo e incerteza; e, finalmente, o conflito propriamente dito, quando não há tempo para nada. Independentemente de questionamentos filosóficos, a experiência crua proporcionada por “The Thin Red Line” traz à superfície e para além da tela todos os sentimentos enfrentados pelo amplo elenco. É possível sentir a paz de viver na tal realidade alternativa que aparece no começo tão bem quanto o medo inexistente em palavras, mas vivo em expressões e atitudes de um grupo inteiro de soldados que são cortejados pela morte constantemente.
Um exemplo comparável mais recente é “Dunkirk“, de Christopher Nolan. Nele, também é possível acompanhar um evento relativamente sem emoção, uma retirada — apesar de ser a maior de todas —, com um maior foco na experiência individual de um civil, de um soldado raso e de um aviador. Similarmente, ambos ele e “The Thin Red Line” contam com uma direção que não esquece da parte concreta dos eventos, demonstrando cenas de barbárie e frenesi com a imersão necessária para arrastar a audiência diretamente para dentro dos eventos demonstrados. O evento histórico em si pode ser uma nota de rodapé do evento como um todo; a vivência dele, por outro lado, ganha uma magnitude inesperada nas mãos de Terrence Malick.