Qual o esforço necessário para alcançar um sonho? Se perguntarem para mim, esta é uma das perguntas mais importantes na minha vida. O tempo não espera nem perdoa ninguém. Há gente que sabe disso e corre contra o tempo para não ficar para trás, porém permanece a questão: este esforço investido é o bastante? No mínimo, é um dilema capaz de ressaltar as piores faces da insegurança na forma de uma infinidade de fatores complicantes e situações hipotéticas dominadas pelo fracasso. Em outras palavras, horas e horas de angústia e ansiedade. “Hoop Dreams” é um documentário sobre basquete e as pessoas que sonham em torná-lo sua vida. Elas vivem e respiram suas ambições, dizem estar dispostas a abrir mão do que precisar para alcançá-las, só não sabem se chegarão onde querem.
“Hoop Dreams” acompanha a vida de dois garotos com algo em comum: Arthur Agee e William Gates ambos querem ser jogadores da NBA e ver seus nomes brilharem nos grandes times do país. Eles tentam seguir os passos de gigantes como Isiah Thomas todos os dias quando vão para a escola, onde tenam colocar em prática suas ambições e mostrar que realmente têm o necessário para chegar onde desejam. Mas as coisas não são fáceis ou claras dessa forma. O esporte não caminha sozinho, ainda depende de desempenho escolar, condições financeiras e diversas outras variáveis que se colocam entre os garotos e seus sonhos. Seus difíceis trajetos são acompanhados aqui.
Meu interesse por “Hoop Dreams” não surgiu de uma paixão pessoal pelo basquete. Não foi como aconteceu com “Beautiful Dreamer” ou “Eat That Question“. Por gostar de The Beach Boys e de Frank Zappa, foi natural buscar documentários que poderiam trazer informações novas sobre artistas a quem eu escuto há anos. Steve James, o diretor, havia me chamado a atenção previamente com “Life Itself“, filme sobre a vida de Roger Ebert. E foi uma excelente introdução ao seu trabalho, cujo carinho pela obra foi visível na história contada sobre uma das maiores personalidades da crítica cinematográfica. O interesse aumentou significativamente quando descobri que James havia dirigido “Hoop Dreams”. Mesmo o basquete não estando entre meus esportes preferidos, pensei que poderia extrair algo mais da experiência pelo diretor ser muito competente. Foi exatamente o que aconteceu. Não pensei tanto no esporte, o assunto primário da obra, mas no fenômeno naturalmente humano por trás dele.
Ao contrário do que pode-se pensar, “Hoop Dreams” não aborda o esporte como um todo ou o cotidiano de quem já está bem estabelecido nele. As figuras centrais são dois adolescentes da periferia de Chicago, garotos que jogam basquete na escola enquanto se preocupam com a prova de matemática na terça e a de literatura na sexta. Minha surpresa foi ver que o escopo, seguindo essa premissa, foi mais de encontro ao que eu buscava do que o esperado, ou seja, há muita coisa além do basquete. Em primeiro lugar, o fenômeno de sonhar com algo e centrar a vida em torno disto tem um espaço gigantesco na história, fazendo jus ao título do filme — “Sonhos da Cesta” na tradução literal. Adicionalmente, o longa abre ainda mais espaço para a parte fora das quadras e como isso influencia o que acontece dentro delas. Este é um recorte da vida como ela é, sem eliminar pedaços normalmente tratados como desnecessários porque, especialmente neste caso, os detalhes são tão essenciais quanto o que é considerado como assunto principal. Jogar basquete é mais do que uma questão de jogar basquete.
O documentário é uma criatura própria. Havia pensado em dizer que uma de suas características é ser mais pungente que a ficção por mostrar imagens não fabricadas de antemão, porém repensei ao perceber que uma particularidade de gênero não define juízo de valor. Alguns dramas são muito mais potentes que documentários, fazem o espectador pensar na realidade à despeito de não usarem-na como matéria prima. Pensando em dramas de qualidade, foi apenas natural ver os sucessos de “Hoop Dreams” e lembrar de “The Corner” e “The Wire“, trabalhos ficcionais que tratam de assuntos similares com maestria. Existem diferenças, certamente. Enquanto estas duas últimas dão mais atenção à relação das drogas, do crime e da lei com os personagens, o documentário de Steve James trata estes dois assuntos como algumas das várias dificuldades entre os jovens e seus sonhos de jogar entre gigantes. As três obras se aproximam, por sua vez, ao mostrar um incrível sentimento de fidedignidade na representação da vida, expondo perspectivas sobre um ambiente praguejado pelo crime e pela ameaça do fracasso. A grande diferença é que Arthur Agee e William Gates conhecem a própria realidade e tentam esquivar-se dela; tentam afirmar que não são presas de seu ambiente e enxergam no basquete uma possibilidade de ser mais do que um traficante esperando sua sorte acabar.
E, claro, não há como deixar de lado o basquete. Para a grande sorte dos envolvidos na produção, as 250 horas de gravações renderam uma história impressionante por si, independente do sucesso dos temas paralelos explorados. Não tenho dúvida de que o aspecto social da obra é elementar para seu sucesso, só não esperava ficar tão preso ao que o trajeto profissional dos garotos tinha para mostrar. O responsável por isso? O destino e suas ironias. “Hoop Dreams” passa a impressão de que está começando cair na usualidade em vários momentos, às vezes fazendo exatamente isso e tirando parte da graça da experiência. Num dado momento, por exemplo, comecei a pensar que a obra tomaria um caminho óbvio. Tratando de dois garotos, pensei que aproveitariam a oportunidade para levianamente separá-los como história de sucesso e história de fracasso. Foi um grande engano, no mínimo. O que segue é uma verdadeira demonstração do poder de uma narrativa envolvendo altos e baixos na vida de seus personagens, a qual manipula o tempo de tela e o destaque sobre cada indivíduo perfeitamente para não ficar monótona ou previsível. Não bastasse a falta de condições financeiras, os obstáculos escolares e as dificuldades naturais de chegar ao topo, ainda há os problemas típicos do esporte: concorrência, lesões, treinadores, campeonatos etc.
Essa soma de obstáculos cria uma amálgama muito mais complexa do que entrar em quadra e ganhar o jogo; converter esforço em resultados e concretizar uma ambição com uma história de sucesso. “Hoop Dreams” tem várias doses de realidade em sua fórmula, nenhuma vez caindo no clichê ou em pré-concepções baratas. Mas o grande efeito que ele teve em mim foi um tanto particular, não menos efetivo por isso. Mesmo se dando mal repetidamente e enfrentando chances mínimas, os personagens afirmam que vão dar o máximo de si para chegar onde querem e falam sério. Eu acreditei neles quando comentaram sobre os sacrifícios necessários, pelo menos. Será o bastante? Como este ótimo documentário mostra, só há uma certeza: o caminho é árduo. Talvez realmente seja impossível saber quanto esforço é necessário para alcançar o sucesso.