É bem comum escutar gente falando da qualidade questionável dos vencedores do Oscar, especialmente os que levam o de Melhor Filme. As indignações estão por aí há décadas: na Hollywood Clássica de 1945, com “Going My Way” superando “Double Indemnity” em várias categorias; em 1980, quando “Kramer vs. Kramer” ganhou de “Apocalypse Now”; ou a vitória de “Shakespeare in Love” sobre “Saving Private Ryan” em 1999. A mais recente foi “Moonlight“, um filme apenas decente, ganhar da obra-prima musical “La La Land“. Fui dormir abatido naquela noite, mas não tanto perto do absurdo de “From Here to Eternity” ser tão premiado quanto foi em 1954. Seis décadas não amenizam o fato de um filme regular como esse ganhar tantos prêmios.
Robert E. Lee Prewitt (Montgomery Clift) é um soldado recém chegado no Quartel de Schofield, no Havaí. Para sua infelicidade, logo descobrem sua reputação como um grande boxeador peso médio, a qual ele tenta esconder por ter parado de lutar. Não obstante, o Comandante permanece resoluto em tentar convencer Prewitt a mudar de idéia, tornando sua vida um inferno até que consiga isso. Uma vitória no boxe pode significar uma promoção para o Comandante, que passa mais tempo alimentando suas fantasias do que trabalhando. Por consequência, suas funções acabam ficando a cargo do Sargento Milton Warden (Burt Lancaster), que começa a se envolver com a esposa de seu superior.
Tudo bem, “From Here to Eternity” não é péssimo como minha indignação pode sugerir. É apenas uma grande decepção por ser tão raso e ainda ter reputação de Clássico da Era de Ouro de Hollywood, vencedor de vários prêmios. Alguma coisa não bate; qualidade não condiz com a fama. Pior, haviam outros indicados melhores na competição. “Shane“, um Faroeste amplamente amado, era um deles. Não está entre meus favoritos do gênero, confesso, mas é um filme mais sólido e marcante que o vencedor. Para mim, mais qualidade já é argumento o bastante para justificar uma vitória. Contudo, havia outra obra ainda melhor na competição: “Roman Holiday”, de William Wyler. Pensar que “From Here to Eternity” superou esses dois longas numa disputa parece piada. Tirando algumas atuações, não há nada nele que supere ou chegue perto de rivalizar o sucesso de seus concorrentes.
Começa pelo fato do roteiro nunca sair de seu ponto de partida. Há três grandes núcleos: a dificuldade de Prewitt dentro do exército por não querer boxear; as relações pessoais de amor e amizade dele; e o romance do Sargento Warden com a esposa do Comandante. Surpreendentemente, dois destes desapontam por não terem um desenvolvimento notável, quem dirá satisfatório. Ao invés de tratar estes arcos como pontos de partida ou núcleos para a obra, eles não saem da estaca zero. Prewitt sofre abuso de autoridade do começo até perto do fim, com apenas uma variação de intensidade dessa punição. No começo, ela se resume aos superiores reclamarem de performance e darem os clássicos castigos de correr em volta do campo; depois muda para lavar a louça até derreter os dedos e agressão física. Mesmo que sejam penalidades diferentes, não deixam de ser faces de uma mesma coisa, voltinhas em torno de um mesmo conceito.
Já o sargento começa a história numa relação de amor e ódio com seu comandante. Por um lado, ele acha absurdo seu superior ser negligente e só se preocupar com a ascensão na carreira militar, aproveitando-se de Prewitt para seu benefício. Por outro, ele gosta muito do seu trabalho para reclamar de fazer mais do que deveria. Em sua concepção, fazer sua função e a dos outros alimenta seu próprio senso de competência e justifica seu desdém por oficiais, os quais ele considera um bando de presunçosos que usam suas patentes como escudo. Como um tipo de compensação extra, o Sargento busca conquistar a mulher do Comandante para si. Tudo certo, o palco perfeito para a execução de uma trama promissora. “From Here to Eternity” estampa em sua capa Burt Lancaster beijando Deborah Kerr apaixonadamente na areia. Uma imagem impactante e chamativa, do tipo que vende ingressos para o filme. Seria ótimo se a história soubesse como construir em torno dessa imagem, desenvolver um romance envolvente. O que se tem, entretanto, é um arco simplista e pouco natural, que não faz jus à aptidão de Lancaster no papel. Não só isso, pois, além de surgir do nada, a sequência ainda tem problemas na gravação das vozes dos atores, que soam muito como se tivessem sido gravadas em estúdio.
Tamanha artificialidade vêm de um roteiro pobre. É infeliz o fato de mudarem muito por conta de censura do Código Hays e do Exército Americano, como amenizações em coisas possivelmente difamatórias para o exército e mudanças no destino de personagens. Prejudica a obra, apesar de haver explicação. Inaceitável é absorver a maior parte do drama em forma de monólogos expositivos; longas falas acompanhando cada evento importante da trama. É o que acontece antes de alguém morrer, por exemplo, e até na cena do beijo na praia. Depois de uma demonstração incrível de atuações físicas, do movimento e contato dos corpos, há uma conversa tensa seguida de nada menos que um grande discurso para resolver tudo.
Sobra para o último dos arcos compensar um pouco as falhas dos outros. O único acerto definitivo de “From Here to Eternity” é na relação do protagonista com os outros personagens. Mérito para Montgomery Clift e sua interpretação, que transmite perfeitamente a tal atuação introspectiva frequentemente atribuída a ele. É através dele também que vários outros personagens têm a chance de transcender suas personalidades não tão atraentes por si. O próprio Frank Sinatra, embora continue sem merecer seu Oscar, melhora muito na companhia de Clift por tirá-lo de dentro de sua própria cabeça e mostrar um lado diferente da vida. Sinatra é ativo, conversador e está sempre buscando alguma coisa — álcool, normalmente — para levantar os ânimos reprimidos pela vida militar. Levando seu companheiro junto, ele se sai bem nos momentos alegres e ainda cria um contraste que realça as melhores qualidades de Clift. Suas palavras são poucas e, todavia, transmitem todo o conflito de um homem cheio de coisas na mente, ausente da menor necessidade do abuso externo que recebe. Dessa equação, quem se sai melhor é, sem dúvida, Montgomery Clift. Sinatra o ajuda, sim, mas fica bem claro quem deveria ter recebido o Oscar.
Na falta de uma história cativante, a grande surpresa de “From Here to Eternity” continua sendo seu número de premiações no Oscar de 1954. Foram oito no total: Melhor Fotografia em Preto e Branco, um prêmio aceitável; Melhor Atriz Coadjuvante para Donna Reed, também aceitável; Melhor Melhor Ator Coadjuvante para Frank Sinatra em uma atuação inconstante, claramente mais efetiva na euforia que no drama; Melhor Edição por um trabalho cheio de cortes secos; Melhor Som Gravado premiando um trabalho inconsistente; Melhor Direção para Fred Zinnemann sem uma razão convincente; Melhor Roteiro para uma história que desaponta no desenvolvimento da premissa e ainda mais na conclusão; e Melhor Filme para um todo cheio de decepções. E, claro, para completar o pacote, os dois atores que mais mereciam uma estatueta ficaram apenas com a indicação: Montgomery Clift e Burt Lancaster. Não é de hoje que a Academia erra em suas premiações, mas dificilmente erram tão feio como aqui.