Sem querer dizer quais são as razões certas para gostar de um filme quando existem tantas, mas de vez em quando parece que as pessoas não enxergam a obra pelo que ela traz. As possibilidades são enormes quando o número de pessoas por trás de tantos aspectos de uma obra pode resultar em mais de um ponto de apreciação. Em outras palavras, um espectador pode se sentir atraído pela fotografia e efeitos especiais enquanto outro pode enxergar o efeito de uma Edição fluída em ritmo e narrativa. “Moonlight”, pelo que pude ler, não parece chamar tanto a atenção por ser um filme bom — o que ele é — mas pelos temas socialmente populares que ele traz.
A história de vida de um rapaz é contada em três momentos: infância, adolescência e vida adulta. Chiron (Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes) é um garoto tímido, que passa a maior parte do tempo calado e sem expor absolutamente nada do que se passa em sua cabeça. As pessoas falam com ele e ele apenas reage dissecando-as com seus grandes olhos. Entre o tráfico pesado da região que ele vive, uma mãe inapropriada e gente que não entende ele, o garoto torna-se uma pessoa diferente, mas nunca distante das mesmas influências que marcaram sua vida.
Como toda história sobre protagonistas introvertidos, “Moonlight” acaba tendo de tomar a sutileza como lema principal para transmitir a expressão de seu personagem e, eventualmente, os traços que marcam seu desenvolvimento. As maiores ferramentas para este propósito não poderiam ser outras que não o roteiro e as atuações. Ambas são capazes de imprimir os toques que a história requer para mostrar avanço, a forma o Chiron criança se diferencia do adolescente e do adulto. Mas mudança não é o único processo na vida de uma pessoa. No fundo, conserva-se a essência daquela personalidade, responsável por fazer cada um ser reconhecido como quem é, apesar dos efeitos que os anos têm. A divisão do roteiro em três partes — Little, Chiron e Black; nomes dados ao protagonista — chama atenção para o fato de Chiron ser uma pessoa diferente em cada um desses momentos. Nada que fuja da regra, apenas um reforço ao fato de que ele cresce como indivíduo ao mesmo tempo que três atores têm sucesso absoluto em superar todas as circunstâncias diferentes e interpretar a mesma pessoa.
Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes interpretam o protagonista em três épocas da vida. Como criança, ele é definido por seu tamanho pequeno e timidez notável comparado às outras crianças. Todos chamam ele de Little por essa ser a única característica que ele expõe, uma criança baixinha e fechada. Já como adolescente, ele começa a reagir ao mundo que passa por cima dele, além descobrir quem ele é de verdade. Sua versão adulta é o resultado de todos os fatores mostrados — ao menos no contexto do filme, pois a vida adulta não é limitante para o desenvolvimento humano.
“Moonlight” não é “Boyhood“. E exatamente por esse motivo, fica ainda mais evidente a eficácia do trio de atores na conservação de traços de personalidade e pequenos trejeitos vistos pela primeira vez no pequeno garoto. È até mais louvável dirigir atores diferentes como um mesmo personagem do que de estender a produção por anos a fio. Mesmo sendo fisicamente diferente, o típico olhar para dentro da alma das outras pessoas continua presente. Ele ainda é a mesma pessoa, apesar do que a vida fez com ele, e os atores fazem mais que um bom trabalho em mostrar isso.
No entanto, este é o único aspecto totalmente ausente de críticas. Mesmo sendo o carro chefe de “Moonlight”, não é o bastante para carregar um filme inteiro nas costas. O roteiro seria a segunda parte elementar para uma obra que se constrói principalmente por momentos simples, de eventos cotidianos e reflexão. Seria como o auto-conhecimento funciona para o espectador, os eventos da maçante vida diária que abrem portas para a contemplação; enquanto aqui eles constroem lentamente a personalidade do protagonista. O começo é cheio desses momentos: uma criança de comportamento peculiar encontra sua infância, que era pra ser simples, repleta de controvérsias. Algumas agradáveis, outras nem tanto. É impressionante como cenas tão humildes representam conflitos tão ardentes na mente introvertida de Chiron, o conforto paterno nos braços de um traficante e a convivência eternamente traumática com a mãe. Trocam os papéis, algo não está certo nessa equação familiar. Estas cenas criam uma promessa imensa, oportunidades para desenvolver as inconstâncias que forçam o protagonista a se adequar a um sistema inadequado, mas que, finalmente, deixam muito a desejar em sua conclusão. O modo como conduzem essas possibilidades termina raso e insuficiente. Ainda pior quando o espectador retraça o caminho que levou até o desfecho e vê que os trechos escolhidos não foram os melhores. Fica impressão de que o contexto é muito mais rico do que a parte escolhida como foco; e um desenvolvimento que poderia abordar questões existenciais incríveis fica apenas na superfície.
Outras obras, como “The Wire” e “The Corner“, apenas confirmam que o material explorado tem potencial; afinal de contas, elas mesmas contam suas história num contexto parecido. Mas tudo bem, uma obra fazer algo melhor que outra não tira os méritos dessa última. A falha de “Moonlight” é não desenvolver o que ele mesmo traz, nada a ver com não seguir o mesmo caminho de outros trabalhos. Isso só se torna uma questão relevante se a audiência estiver mesmo recomendando “Moonlight” por conta de seus temas. Se o problema era não ter histórias como essa, então isso nunca foi problema e este filme nunca foi inovador. Neste caso, vale a pena revisar a polêmica para ver que há no mínimo uma obra prima sobre o assunto.