Bem, parece que todo mundo voltou a descobrir que Godzilla existe. O japonês, pelo menos, considerando que o americano e seu MonsterVerse têm recebido atenção desde o lançamento original em 2014. Já o japonês teve um hiato de 12 anos entre “Godzilla: Final Wars” e “Shin Godzilla” e uma trilogia de longas-metragens de animação no Netflix até “Godzilla Minus One” ser lançado pouco antes do aniversário de 70 anos do personagem. E foi só com ele que houve uma atenção internacional renovada, de pessoas que nunca viram nenhum dos filmes japoneses estarem indo aos cinemas para ver o motivo de tanto alarde. Melhor ainda, indo aos cinemas! Uma produção da Toho recebendo lançamento em IMAX e no circuito comercial, indo além e conseguindo uma indicação ao Oscar por melhores efeitos especiais. Gostando ou não de “Godzilla Minus One”, algo foi reconhecido aqui.
A história volta para os últimos anos da Segunda Guerra Mundial e acompanha Kōichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), um piloto kamikaze que finge ter problemas no avião para retornar à base e abortar sua missão suicida. Ao retornar, uma lendária criatura parecida com um dinossauro chamada Godzilla ataca a base e causa várias mortes porque o piloto não consegui agir em tempo para atacar a criatura. Anos se passam e Kōichi é consumido pela culpa, vivendo nas ruínas de sua casa em Tóquio em vergonha. Mas quando a mesma criatura reaparece maior e mais perigosa para ameaçar um Japão em reconstrução, como a nação irá se unir para tentar repelir essa ameaça?
Há formas e formas de escrever sobre esse filme. Uma delas é pensar nele como parte de uma franquia maior que já tentou de tudo e tem pontos formulares facilmente reconhecíveis e comparáveis. A outra seria avaliar a obra como uma entidade individual a abrindo apenas algumas margens para comparação. Como “Godzilla Minus One” se porta mais como uma obra ambiciosa e isolada do que uma continuação mais superficial, acredito que o segundo caso seja mais válido. Não vou comparar minúcias de design entre “Shin Godzilla“, este e “Godzilla Millenium“, e ao mesmo tempo não posso deixar de comentar sobre o assunto. Não haveria como ter sucesso sem um monstro bem desenhado, e a produção acertou muito nessa versão do Rei dos Monstro, criando algo que lembra o original em todos os elementos clássicos e parece ameaçador sem cair na galhofa. Ele tem presença: basta olhar para ele e suas escamas não naturais, meio chamuscadas de queimadura radioativa, para sentir que o personagem tem peso.
Felizmente, algo conservado dos melhores filmes da série é utilizar o personagem com parcimônia, nunca o deixando tempo demais em tela para sustentar um sentimento de ameaça e de tensão. Godzilla não luta contra Mothra ou King Ghidorah, por ser o vilão e uma ameaça inédita para um mundo desacostumado com monstros, algumas táticas são usadas para efeito muito positivo. Um monstro gigante obviamente se movimenta rápido debaixo da água, então a idéia de um colosso chegar na costa e derrubar uma cidade sem tempo algum para as pessoas se prepararem funciona como forma de instigar certo desespero. E a graça aqui é também ver que, na verdade, não há nada que ninguém pudesse fazer. O Japão mal resistiu à Segunda Guerra Mundial, sofrendo bombardeios e um ataque nuclear, o que faria contra um dinossauro radioativo gigante sendo que as cidades nem reconstruídas estão?
“Godzilla Minus One” consegue encontrar nos detalhes a margem para se destacar. Destruir a cidade sempre foi um dos prazeres secundários de assistir a série, desde o original. Com o tempo, ambas a fantasia de monstro e as miniaturas da cidade melhoraram, tornando a destruição ainda mais realista e, nas mãos certas, mais impactante. É diferente ver Godzilla batendo contra as pirâmides de Gizé nos filmes americanos e ver um prédio desmoronando aqui. Há mais peso nas ações e na destruição aqui. Primeiramente porque os efeitos especiais por trás das rajadas atômicas do monstro fazem um estrago. É mais do que ver o ataque clássico da criatura pelo valor de ser fã, a devastação é sentida num nível mais profundo quando as imagens exploram desde o macro até o micro, como os seres humanos sendo arrasados como insetos quando a rajada vem. Segundamente, destruir o Japão é como chutar o cachorro morto. Não há uma força de defesa contra kaiju e armas feitas contra ameaças do tipo. As pessoas estão reconstruindo suas casas com o pouco dinheiro que sobra, morando em barracos sem telhado e pisando nos escombros da cidade todos os dias.
Minha crítica é só a repetição. “Godzilla Minus One” é uma reimaginação do “Godzilla” original e seus temas principais, colocando novamente a criatura como uma incontrolável força da natureza e como antagonista. É o monstro contra o Japão novamente, que deve arranjar alguma solução criativa para derrotá-lo, pois armas comuns não têm efeito nenhum nele. Sendo justo, os arcos de personagem diferem muito do original e de outras reimaginações, com a história humana sendo até mais chamativa em termos de novidade do que a outra parte já conhecida. Por ver de novo outra história de como a humanidade é agente da própria ruína e criadora dos próprios demônios. Há diferenças, claro, e focos maiores aqui do que o kaiju apenas representar a ameaça nuclear que assombrou o Japão no pós-guerra e o próprio ser literalmente produto de uma mutação causada por testes com armas nucleares, então a crítica está mais para uma falta de surpresa, essa última sobrando para quem não acompanhou o resto da série.
Demorou quase 70 anos, porém Hollywood finalmente reconheceu o valor de “Godzilla”. A única indicação de “Godzilla Minus One” para o Oscar de “Melhores Efeitos Especiais” foi também a primeira que a série recebeu em toda sua história, além de ser a primeira vitória. Claro, isso não é dizer que todos os anteriores mereciam o mesmo nível de atenção porque há muitas facetas por trás da série, de aventuras infantis no estilo de “Star Wars Holiday Special” até blockbusters de porrada de monstro e filmes mais sérios como esse. Embora este ainda não seja meu Godzilla favorito, ele consegue se destacar facilmente entre os mais competentes dos mais de 30 da série.