Se o hiato de seis anos não foi o suficiente, que tal outros sete para quebrar o próprio recorde? Depois do fracasso patético de “Hellraiser: Revelations“, os direitos da série foram renovados para a Dimension Films, que novamente se encontrava numa posição de ter que fazer mais um filme em algum momento, já que a vontade de continuar financiando produções tinha se esvaído. No entanto, existia uma pessoa no planeta que, apesar de tudo, queria muito dirigir seu próprio “Hellraiser”, alguém que esperou por esse momento por mais de 25 anos. Essa pessoa era Gary J. Tunnicliffe, o responsável pela maquiagem e efeitos práticos desde “Hellraiser III: Hell on Earth” e que teve sua chance agora com “Hellraiser: Judgment”.
Sua vontade de dirigir um filme da série vinha de muito antes, desde quando ele tinha seus 19 anos. Sua oportunidade veio num momento ruim, ironicamente, quando o ponto mais baixo possível havia sido atingido e o interesse pelo nome era pouco entre os fãs e entre os executivos, que já não priorizavam uma produção “Hellraiser” fazia anos já. E para quem pensa que havia uma chance maior de sucesso por ser um projeto de paixão para o diretor, é bom lembrar que o roteiro do anterior, aquele mesmo anterior horroroso, também é de sua autoria. Felizmente, “Hellraiser: Judgment” consegue ser consideravelmente melhor.
Conforme o mundo se torna mais conectado e globalizado, as paixões e os desejos humanos também mudam, tornando mais difícil para os demônios usarem os mesmos métodos antigos para atraírem suas vítimas, aqueles que buscam prazeres ocultos e inimagináveis sob conceitos mundanos. Isso se torna um problema especialmente para Pinhead (Paul T. Taylor) e o Auditor (Gary J. Tunnifcliffe) conseguirem mais almas. Enquanto isso, na Terra, três detetives investigam os assassinatos cometidos pelo Preceptor, que baseia seus atos nos Dez Mandamentos.
Uma premissa como essa automaticamente “Hellraiser: Inferno”: o envolvimento direto da polícia numa investigação e um assassino misterioso cujos crimes passam longe do ordinário e fazem os policiais darem voltas. A diferença é a presença imediata de um personagem novo, o Auditor, interpretador pelo próprio diretor. Seu visual, proveniente de um projeto de renovação de design de Pinhead que nunca saiu do papel, já chama a atenção, assim como suas primeira cenas indicam que “Hellraiser: Judgment” tem novas ideias. Já não é mais alguém encontrando o cubo, vivendo um inferno pessoal infinito ou passando por qualquer outra coisa com uma breve aparição dos Cenobites no final. A mudança é clara, e finalmente há um tom de novidade que há tempos não se via na série.
Gary J. Tunnicliffe claramente queria muito fazer esse filme. Não é só por ter lido as histórias de bastidores de como “Hellraiser: Judgment” veio a nascer, fica claro que esse era um projeto de paixão porque parece que alguém finalmente se deu ao trabalho de pensar em criar algo original para a série. Os últimos lançamentos trouxeram algo novo, claro, e consigo a sensação completamente oposta de um retrabalho e de uma adaptação preguiçosa, no caso do quinto ao oitavo, ou de um projeto precário como o nono. Além de novos personagens, há uma expansão de universo que não acontecia desde “Hellraiser IV: Bloodline“, dessa vez trabalhando mais o lado sobrenatural do universo e as maquinações invisíveis do inferno para além de aparecer em um momento-chave para uma morte sangrenta.
E por incrível que pareça, são boas ideias. Tunnicliffe impressiona por finalmente trazer algo que não faça o espectador revirar os olhos em desgosto pela falta de qualidade ou pela pura incoerência de não parecer algo saído da série. Só há um problema: o filme não é bom. Expandir o universo, trazer novos personagens, bons designs e ter uma premissa interessante não significa que o resultado é bom. Infelizmente, “Hellraiser: Judgment” é praguejado por ambos um orçamento baixíssimo e uma execução frequentemente pobre, o que é visto nas atuações de um elenco que não consegue evitar passar a impressão de um filme barato. São inconvincentes e exageradas, principalmente as performances que deveriam ser de gente normal, como os policiais. Até o roteiro com seus conceitos curiosos acaba não tendo justiça na forma como sua história é contada e apresentada. É um clássico caso em que a descrição é melhor que a execução, quando a lista de melhorias, que pesa ainda mais na falta de qualidade recente, parece melhor no papel.
Talvez “Hellraiser: Judgment” poderia ter funcionado com outro diretor, com mais dinheiro, e uma renovação do roteiro para aparar as partes mais grosseiras, talvez até alguma contribuição externa para ajudar a filtrar melhor o que é bom e o que não é. É triste pensar que ao mesmo tempo que há um ar de frescor muito bem-vindo, ainda não é o suficiente para uma obra de qualidade. Há muita coisa a ser elogiada aqui e ainda mais a ser criticado porque a prática se apresenta bem diferente, provando o ditado sobre um diretor bom salvar um roteiro ruim e um diretor ruim arruinar um roteiro bom. Nem mesmo o ator novo de Pinhead, muito superior ao usado em “Hellraiser: Revelations“, ameniza a situação, então serve como certo consolo ele ao menos honrar melhor o legado de Doug Bradley.