O que aconteceu aqui? Eu não sei. Parece que em algum momento a Sony decidiu retornar ao começo dos Anos 2000 e trazer de volta a era em que filmes de super-herói eram especialmente desrespeitados. Hoje em dia há quem apenas não se interessa e outros que seguem o trem do ódio e acham tudo uma porcaria porque filmes da Marvel são horríveis e não são arte e não são entretenimento e são muito piores que o último melodrama romeno que saiu no Mubi. Em alguns casos devo dar razão para quem odeia o subgênero porque às vezes o erro é tão crasso que não há como defender. Quando a regra era “Daredevil“, “Catwoman”, “Elektra”, “Spawn” e “Batman & Robin”, é difícil defender mesmo. No caso de “Madame Web”, o povo tem razão mesmo.
Para começar, ainda não entendi o apelo de escolher um personagem secundário do universo do Homem-Aranha para criar uma produção milionária sobre. Tudo bem, basta pensar um pouco para ver que estão tentando capitalizar ao máximo em cima do repetido sucesso do Aranha de Tom Holland no MCU e do sucesso inexplicável de “Venom” na bilheteria. Eis que qualquer personagem minimamente conectado com o herói passa a se tornar uma possível forma de ganhar dinheiro. Mesmo assim, se existia uma chance ínfima de algum espectador desinformado conhecer o vampiro Morbius, ela cai para zero quando se trata de uma personagem de suporte que aparece de vez em nunca nos quadrinhos. Tudo por um trocado a mais.
Cassandra Webb (Dakota Johnson) é uma socorrista esnobe. Ela não liga muito para nada e só faz o seu trabalho como deveria, mantendo apenas uma amizade com Ben Parker (Adam Scott) e uma distância segura do resto do mundo, já que desde sempre viveu sem os pais. Um dia de trabalho que parecia ser como qualquer outro logo se torna uma questão de vida ou morte não para seus pacientes, mas para a própria Cassie quando ela passa por uma experiência de quase morte e acorda com uma sensação estranha. O que parecia um simples déjà vu na verdade se revela como uma habilidade única de ver o futuro.
Quando digo que a protagonista é esnobe e não liga muito para nada, não acredito que isso seja uma característica planejada na escrita, como se tivessem pensado nela como uma pessoa meio desprezível e com zero pontos de empatia. Uma coisa é não se conectar muito com pessoas ao seu redor, ser alguém autoabsorvida e inacessível para o externo porque por alguns vários motivos a vida a moldou dessa forma. Há muitos personagens introspectivos no cinema que também são claramente relacionáveis. Se é possível até se conectar de alguma forma com um assassino, um adúltero, um vilão imoral e até pessoas que claramente não foram criadas para serem boas, então deveria ser razoável se conectar com uma mulher órfã e solitária. Independentemente se a intenção era criar uma personagem distante da audiência ou se foi outra coisa que saiu errado, o resultado é o mesmo. “Madame Web” é uma estranho desde o começo.
O roteiro é um dos culpados. O que chama a atenção primeiro, por outro lado, é a atuação desastrosa de Dakota Johnson. Se posso atribuir os sentimentos esquisitos, principalmente sua inacessibilidade, a respeito da personagem a alguma coisa, seria à uma performance preguiçosa de uma atriz que a todo o momento parece não querer estar ali. Nunca parece que ela está se entregando ao papel ou se esforçando para tentar melhorá-lo de alguma forma, já que o roteiro não dá muito suporte ou oportunidade para Johnson brilhar. É como se cada segundo fosse tão ruim para ela quanto é para a audiência, que assiste a um filme sobre uma personagem secundária e meio obscura em que nem os atores fazem questão de trabalhar direito. Ela responde as frases de qualquer jeito nos diálogos e em vez de parecer alguém atípica, parece mais demonstrar descaso com seu papel. “Madame Web” não deve ser o melhor emprego de todos, mas ninguém era obrigado a aceitar também.
Como se não fosse o suficiente, a história inteira é uma grande bagunça. Ela passa a envolver um trio de jovens garotas perseguidas por um tipo de Homem-Aranha do mal que as quer mortas porque elas no futuro vão ser responsáveis pela sua morte. Como Cassandra tem seu dom de ver o futuro, cabe a ela usar seu poder para tentar tirar as garotas das situações que as matariam. Não é a melhor premissa nem a pior, o problema é como isso se traduz na tela. A trama leva o espectador de uma cena relativamente simples de mover pequenas peças para alterar o futuro até outra em que as adolescentes dançam Britney Spears em cima de uma mesa para desconhecidos; vai de uma dinâmica de gato e rato mal pensada a uma tentativa de tornar “Madame Web” um filme de ação de fato com cenas mais agitadas e falhar ainda mais feio.
Se falhar significa não demonstrar muita proficiência de estabelecer geografia e tomar decisões básicas — se esconder do perseguidor significa ir para uma floresta — então falhar feio é tentar tornar explosiva uma história que era para ser mais tensa e de suspense do que energizada, arrancar do vácuo a idéia carro roubado que a polícia nunca foi atrás e vê-lo arrebentar a porta de um restaurante, estabelecendo uma cena de crime que mais tarde é revisitada pela própria culpada, que aparentemente não sabe como a polícia funciona. Ou uma ambulância voadora. Ou fogos de artifício que funcionam como mísseis. Uma hora fica claro que ser apenas medíocre não é o suficiente, “Madame Web” tem que ser horrível, mudar as leis do universo e a função básicas de objetos para servir à trama. A maior surpresa é conseguir ser ainda pior que “Morbius” e “Venom“.