Com a série do Demolidor estreando no Netflix para uma recepção extremamente positiva, um dilema mostrou-se recorrente: Tudo bem, a série é excelente mesmo, mas e o filme de 2003? Era tão ruim assim? Mais de uma década após seu lançamento, época em que os filmes de super-herói não estavam tão em alta, este longa mostra algumas poucas características positivas contra uma extensa coleção de fiascos e falhas.
Quanto à origem do personagem, esta foi mantida fiel ao que foi previamente estabelecido no quadrinho. Filho de um boxeador de segunda categoria, Matt Murdock (Ben Affleck) acaba perdendo a visão quando substâncias químicas espirram em seus olhos em um acidente. Embora trágico, o acidente não apresenta apenas um prejuízo, pois apesar da visão ter sido perdida seus outros sentidos tornam-se extremamente aguçados. Quando seu pai é assassinado por recusar-se a perder uma luta, Matt jura vingança e passa a combater o crime na Cozinha do Inferno em Nova York.
Tão logo que a origem é bem introduzida, com exceção de algumas desnecessárias cenas ridículas, o filme já começa a descarrilhar. Começando pela imediata descaracterização do personagem, onde Murdock abusa de seu poder como Demolidor para vingar-se de um réu que o mesmo falhou em condenar. Não bastasse isso, o suposto super-herói ataca o réu em um lugar público, quebrando os ossos de todos no local como se isso não fosse problema. A idéia que o filme estabelece com essa sequência, e que se estende pelo resto do filme, é que todas as cenas não estão nem aí para a construção do protagonista como alguém minimamente fiel ao quadrinho ou à proposta geral de ser um super-herói. O que é feito aqui é simplesmente um estupro da moralidade de ser um um herói, fazendo das sequências apenas um veículo de transmissão de um espetáculo barato.
Embora lançado nos Anos 2000, pode-se notar aqui um tratamento “Batman de Adam West” bem Anos 60, ou seja, apenas um entretenimento extremamente descompromissado. Uma luta entre dois personagens importantes da história do Demolidor não tem nenhum valor semântico, está ali pra simplesmente para tentar ser fantástica. Isso remete à representação extremamente bizarra das cenas de ação, que nem tenta tornar as coisas minimamente críveis, mesmo falando de um filme de herói. Existe um certo limite para quão aceitável as coisas vistas são, e ver um ser humano saltando mais de 5 metros de altura ou aterrissando sem danos após pular de um prédio não se enquadram nesse limite. Seja na representação das cenas, onde uma física bizarra é acoplada a uma computação gráfica risível, ou na caracterização de seus personagens, este filme falha miseravelmente ao tentar recriar o sensacionalismo comum aos super-heróis.
A impressão que tive ao ver este filme é que os heróis e vilões são retratados como se os poderes deles fossem dados a uma criança da audiência. Que garoto de 8 anos não sairia por aí se exibindo se ele tivesse super pulo ou reflexos ultra-aguçados? O que se vê neste desastre de filme é que ninguém liga para o que estão fazendo, tal como acontece nas lutas onde não se ecnontram movimentos condizentes com o que alguém em combate faria. Exemplo disso é quando o Demolidor, detentor de uma personalidade de playboy a la Tony Stark pré-Robert Downey Jr., luta contra Elektra (Jennifer Garner) em um playground infantil sem nenhum motivo se não ferrar com este já ridículo longa-metragem. Some essa representação ridícula a atuações de quinta categoria, personalidades exageradas, e músicas populares da época inseridas de maneira infeliz, que já se tem uma boa idéia da bomba em mãos.
Quando uma das únicas cenas boas de um filme de super-herói é um beijo na chuva, idéia emprestada de outro filme de herói, sabe-se que tem algo muito errado. Para não falar que esta é a única coisa positiva, pode-se dizer que o uniforme do Demolidor é bem legal, certamente melhor que o avermelhado do seriado; e que Michael Clarke Duncan está bem como o Rei do Crime, que embora um pouco caricato encaixa-se melhor que o resto do elenco por não ser tão estuprado pelo roteiro. Finalmente, este mostra-se um forte candidato a pior filme de herói da história, com direito a um caixão cheio de água servindo de cama para o Demolidor e Evanescence tocando em certo momento.