Há muito tempo, quando a idéia de fazer a maratona “Hellraiser” estava muito distante ainda e eu não levava a sério, lembro que por algum motivo me deparei com “Hellraiser: Hellworld”. Talvez tenha sido na época do lançamento ainda ou perto disso, quando ainda era a estreia mais recente da série, mas de qualquer forma, lembro que haviam comentários em todo lugar sobre finalmente terem alcançado um ponto absurdo na falta de novas ideias: o mundo virtual. Depois de passar pelo inferno, pela cidade grande, pelo passado, pelo espaço sideral e até pelo mundo dos detetives corruptos. Faltava algo, e só poderia ser ir para o fenômeno crescente da internet e do mundo virtual. Mas de que diabos isso funcionaria?
Por muito tempo achei que, de alguma forma, tentaram recriar a dinâmica de evocar Cenobitas e sofrer as consequências, como de praxe, num mundo digital no estilo de um metaverso ou de algo com realidade virtual. Bem, ao menos nesse ponto o filme começa surpreendendo por não ser o primeiro e mais imbecil imaginado. A história gira em torno de um grupo de amigos jogadores de um MMORPG chamado Hellworld que perdeu um dos seus quando ele ficou obcecado pelo jogo e cometeu suicídio. Mas quando todos subitamente recebem um convite para uma festa temática do jogo numa mansão, os amigos se reúnem mais uma vez.
“Hellraiser: Hellworld” é um filme traiçoeiro. Há muitos que o consideram o pior de todos, um ponto muito baixo em uma série que tem alguns outros bons candidatos para essa posição. E nem posso culpar ninguém por achar isso, já que ruindade por ruindade não faz muita diferença já que todos perdem, principalmente quem decidiu gastar tempo até chegar no oitavo filme da série. No entanto, apesar de todas minhas preconcepções sobre a realidade virtual, a identidade visual com um aspecto que lembra Matrix e novamente algum tipo de simulação digital e os comentários negativos sobre a competência da obra, devo admitir que não foi tão ruim assim. Momentaneamente. O que é extremamente frustrante, porque se “Hellraiser: Deader” engana por deixar uma lembrança melhor do que suas competência real apenas porque é um pouco menos pior que “Hellraiser: Hellseeker“, aqui se encontra uma montanha russa de achar que não está tão ruim assim e depois ter certeza que está uma merda.
Por exemplo, o começo já é um desastre porque de todos os erros provenientes de decisões questionáveis e desesperadas a que as séries de Terror recorrem, se tornar autoconsciente demais é um problema. Não em termos metalinguísticos, como quando o humor é utilizado para tirar sarro dos próprios clichês de gênero e faz isso funcionar, como em “Friday the 13th Part VI: Jason Lives“. “Hellraiser: Hellworld” vai mais longe e faz com que os Cenobitas, o inferno, o submundo e todo o folclore da série seja de conhecimento público e, melhor ainda, convertido em um jogo online popular. É ridículo. É pior do que tirar sarro de si, é reconhecer formalmente a decadência e transformar aquilo que era para ser aterrorizante de alguma forma, demônios que retribuem gananciosos hedonísticos com um conceito diferente de prazer na forma de dor eterna, em uma desculpa pobre para supostamente enriquecer o enredo.
Mas em algum momento, passada a idiotice tremenda de cuspir no próprio legado, “Hellraiser: Hellworld” começa a se tornar mais interessante. Parece que pela primeira vez em muito tempo havia um pouco de coesão na história, por mais que esse fosse novamente outro exemplo de roteiro reciclado. Talvez o roteiro original fosse um pouco mais bem escrito que os últimos três? É possível que a estrutura mais próxima de um slasher tradicional tenha facilitado um trabalho de direção mais direto ao ponto e linear, ao contrário das tentativas de narrativa fragmentada de antes. Até chega um ponto em que comecei a acreditar que a experiência estava sendo boa ou, no mínimo, decente. A idéia de uma festa num lugar isolado e circunstâncias pouco confiáveis, além dos Cenobitas envolvidos de uma forma que não fica imediatamente clara, funciona como entretenimento muito melhor do que os anteriores.
Isso sem contar diversões secundárias como ver Henry Cavill com apenas 19 anos aqui. E em cenas extraordinárias como a que ele está sentado, fumando, recebendo sexo oral de uma garota e decide atender o celular para falar com sua amiga que está para ser assassinada. E de todas as formas ruins que isso poderia sair, “Hellraiser: Hellworld” desvia de várias balas e evita ser completamente detestável. O problema é que perto do fim, quando tudo parecia mais ou menos num nível aceitável de qualidade, tudo vai para o além. Uma decisão imbecil atrás da outra, começando com um roundhouse kick que vem do nada até a sequência de revelações absurdas no final que explicam muita coisa e estragam a expectativa que existia por uma explicação melhor. Por fim, esse consegue ser o filme que tem a menor participação relevante dos Cenobites até o momento. Depois do clímax, fica estupidamente claro que o roteiro mal foi adaptado, apenas escreveram uma cena a mais para acomodar os demônios.
O maior crime de “Hellraiser: Hellworld”, no fim das contas, é iludir o espectador. Há muitos que reclamaram de propaganda enganosa quando viram o pôster e acharam o mesmo que eu, que havia um fator digital mais proeminente na trama. O tal “Hellworld” era apenas o nome do jogo. Não que isso fosse uma boa ideia desde o começo, mas ao menos corresponderia a expectativa criada pelo material de divulgação. A pior decepção foi ver que em algum ponto o filme chega a funcionar bem, acerto que é jogado para o ar rapidamente com uma sequência de imbecilidades cujo propósito parece de realmente estragar qualquer coisa boa feita antes.