Parece que Martin Scorsese comprou definitivamente a ideia de fazer filmes com a duração de um Épico. Depois de superar “George Harrison: Living in the Material World” por 1 minuto com “The Irishman“, o diretor manteve a média perto das três horas e meia com “Killers of the Flower Moon”. Se o atrativo antes era reunir Joe Pesci com Robert De Niro e Al Pacino, agora a reunião de peso é entre Leonardo DiCaprio e De Niro, que não trabalhavam juntos desde 1993. A promessa era grande, o orçamento maior ainda, e o resultado é mais um grande acerto de Scorsese com aquele que pode ser o penúltimo filme de sua longa carreira; uma história baseada em um escândalo no começo do Século 20 envolvendo nativo-americanos e sua investigação de grande escala que envolveu o próprio J. Edgar Hoover e faz parte do nascimento do FBI.
Tudo começa com a chegada de Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) no Oklahoma. Recém retornado da Europa, onde lutava na Primeira Guerra Mundial, o jovem busca recomeçar a vida com o apoio de seu tio William King Hale (Robert De Niro), uma figura popular na região por seu dinheiro e influência. Ele logo começa a trabalhar como taxista e se torna ele mesmo conhecido entre os habitantes do Condado de Osage, caminho que o leva a se casar com uma nativo-americana bem abastada da região. Porém as intenções do homem branco na região não eram tão transparentes quanto Ernest achava e ele logo se vê envolvido em uma conspiração encabeçada pelo seu tio.
“Killers of the Flower Moon”, no final das contas, me lembrou “The Irishman” em mais do que a duração. A estética, o ritmo vagaroso, a quantidade de diálogos e o nível de espetáculo no tratamento do assunto — ou a falta disso — parecem estabelecer um certo estilo que o diretor adotou nos últimos anos, talvez desde “Silence” em 2016. Não que eles tenham muito a ver em muitos sentidos, apenas parece que o tato artístico de Scorsese tem mostrado uma tendência mesmo quando os assuntos não possuem conexão direta, embora todos os três sejam baseados em histórias reais. Há uma calma geral aqui. Mesmo em cenas em que há um pouco mais de ação, ainda se encontra certa distância do espetáculo, há uma frieza no tratamento dos eventos que evita representar personagens como heróis e vilões puros, assim como as mais extraordinárias situações possuem um quê de realismo e normalidade. Com isso, mais do que uma escolha estética arbitrária, há uma construção de argumento quando ela é aplicada ao enredo.
A história reconta um pedaço da história americana do começo do Século 20, num período após o infame Velho Oeste em que começou a existir lei nos Estados Unidos, mas ela não era aplicada com muito afinco. Claro, vale notar que a representação do Velho Oeste no cinema é um tanto mais emocionante, violenta e agitada do que a realidade, mas não deixa de ser um tempo em que a civilização urbana apenas caminhava e as estruturas básicas de uma sociedade moderna ainda não existiam. A diferença é que “Killers of the Flower Moon” é baseado em uma história real. Se algo parece absurdo aqui, é porque há uma chance razoável de isso ter acontecido de fato. A lei apenas meio que permitia porque não havia nenhum tipo de vigília ou policiamento de fato, as coisas só aconteciam até que saíam de uma margem ignorável e passavam a chamar muito a atenção. É essa a história da tragédia do povo Osage durante o período, quando sofrimento era permitido existir e ignorado por muito tempo como se não fosse nada.
É então que a abordagem de Scorsese se mostra tão eficiente, representando a tragédia pragmática com frieza, o crime sistematizado como apenas planos ordinários dos homens. Não é como se a conspiração que de fato acontecesse fosse tratada como tal, é quase como um senso comum em uma parcela daquela comunidade. E não como se os valores culturais fossem tão diferentes que não havia maldade pretendida, eram valores bastante ocidentais envolvendo gente que sabia muito bem o que estava fazendo. Só não há uma retratação dicotômica aqui ilustrando atitudes como más e personagens como vilões. As coisas são o que são, absurdas e criminosas como são.
Quanto aos dois astros que praticamente vendem “Killers of the Flower Moon” sozinhos, é um caso curioso porque nenhum deles apresenta o papel de suas vidas ou algo do gênero. Se por um lado é bom ver Robert De Niro em boa forma, levando o papel a sério e não apenas empurrando com a barriga como já aconteceu antes, este não é seu espetáculo. Sua performance é sólida, impecável, um trabalho profissional acima de tudo. O que falta aqui talvez fosse um papel que exaltasse mais o personagem e desse palco para o ator brilhar. Chamativo é o oposto do que se pode descrevê-lo: mesmo com execução competente, ainda não é o tipo de figura marcante que vai ser lembrada junto de Travis Bickle ou Vito Corleone. E algo parecido ainda pode ser dito de Leonardo DiCaprio. Ele consegue se destacar um pouco mais por ser o protagonista de fato, além de interpretar um personagem atípico. Também não é chamativo ou atraente, porém especialmente porque Ernest Burkhart é o oposto de qualquer estereótipo de herói: ele é mais comum do que os papéis mais relacionáveis e ordinários, ele é tão mundano que chega a ser burro. Parte da tragédia é acompanhar a índole fraca e a razão quase inexistente do personagem conforme ele participa dos eventos sem nunca de fato ser um jogador.
“Killers of the Flower Moon” ainda não me conquistou imediatamente. Mesmo sendo um excelente filme, quando me perguntaram se era um dos melhores da carreira de Martin Scorsese não pude responder que sim. Uma obra de conquistas ímpares, com certeza, as famosas três horas e meia que se justificam pela atenção aos detalhes, não indicam trechos cortáveis e não passam devagar. Ainda não diria que está entre os melhores do cineasta mas também não sei dizer exatamente o porquê. Não é pela presença de algum problema notável, certamente. Talvez entre os vários pontos altos de sua filmografia, este apenas brilhe um pouco menos. Não é por falta de boas performances, de uma premissa engajante, de eventos comoventes ou mesmo de outros aspectos artísticos como fotografia e trilha sonora. Com Rodrigo Prieto repetindo seus sucessos do passado, como “The Irishman” e “The Wolf of Wall Street”, e até Robbie Robertson contribuindo para uma trilha sonora atípica — e não menos incrível por isso — há muito para ser apreciado aqui.
1 comment
Nem mencionou a futura dona da estatueta em 2024 Lily Gladstone☹️