Fazia bastante tempo que não havia tanta empolgação para um filme de herói. Talvez desde “Avengers: Endgame” que as pessoas não se empolgavam tanto por um novo lançamento, que não havia tanta especulação, rumores e quebra de recordes de bilheteria com pré-vendas esgotadas em pouco tempo e sessões extras abrindo em horários alternativos. E isso chegou em boa hora porque desde o último “Vingadores” que se fala muito em como os novos lançamentos não têm sido grande coisa: “Black Widow” foi apenas decente e não mais do que isso, “Eternals” teve a pior recepção do MCU de todos os tempos e apenas “Shang-Chi and the Legend of the Ten Rings” surpreendeu por ser tão bom, ainda que não tenha sido tão notado quanto merece. No fim das contas, todos estavam esperando mesmo por “Spider-Man: No Way Home” e tudo que ele supostamente prometia.
Digo supostamente porque ninguém sabia de muita coisa até praticamente o lançamento. Havia muita especulação, algumas notícias contraditórias e idéias mirabolantes sobre o que a história abordaria. O primeiro rumor foi o principal, no final das contas, e se mostrou verdadeiro, além de ser o ponto mais alto da obra quando chega o momento de satisfazer a curiosidade e finalmente sentir que toda a espera valeu a pena. Se existem filmes dependentes de empolgação, esse é um deles e faz toda a diferença. A bilheteria viu recordes serem quebrados, cinemas usando quase todas as salas para o mesmo filme e todo mundo falando sobre a mesma coisa. Foi um fenômeno em todos os sentidos, e só seria maior se talvez não fosse da Marvel, já que sempre há alguém que não gosta deles.
A parte irônica desse impacto todo foi que até mesmo alguns céticos foram finalmente convencidos a dar uma chance a essa terceira geração de Homem-Aranha. Um primo meu, por exemplo, havia se negado a assistir qualquer coisa do Tom Holland porque achava ele muito adolescente bobão, um herói quase criança e com uma entonação mais infantil. Ele deixou passar os dois primeiros, “Homecoming” e “Far From Home“, mas não conseguiu resistir à tentação de assistir ao terceiro quando ouviu os rumores. Ele precisava ver se valia a pena pelo menos pela parte nostálgica da história. Já outra pessoa chamaria isso de “fan service”: tão odiado por uns e suficiente para outros que só vão para o cinema em busca disso e, em muitos casos, até afirmam que salva filmes ruins. A noção é ridícula em todos os sentidos. Só porque alguma cena imita outra dos quadrinhos ou porque existe uma referência dedicada para os fãs mais ávidos, isso não muda o fato de que a obra ainda funciona como qualquer outra. Não seria o uniforme amarelo do Wolverine que salvaria “X-Men: The Final Stand”, por exemplo.
Mas por que tanto alvoroço, afinal? A grande promessa de “Spider-Man: No Way Home” era fazer com atores reais mais ou menos o que “Spider-Man: Into the Spiderverse” fez em sua história. De que forma isso poderia ser traduzido? Até piadas como múltiplos Tom Holland surgiram no tempo em que a Marvel deixou o público cozinhando até o lançamento. Trailers foram analisados quadro por quadro e algumas teorias foram se confirmando conforme os responsáveis davam deslizes — como o trailer brasileiro mostrando o lagarto apanhando do vento, um caso em que o modelo gráfico do herói foi retirado da cena. Nem mesmo o título dava muito a entender, exceto pela insistência do estúdio em fazer dessa a trilogia da casa. O único ponto de partida concreto da trama era a vida de Peter Parker (Tom Holland) depois de ter sua identidade revelada por Mysterio e J. Jonah Jameson para a cidade inteira. Numa tentativa de consertar tudo e impedir que seu alterego estrague ainda mais as vidas de seus amigos, Peter recorre ao Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) para alterar esse estado usando mágica, mas um problema no feitiço faz com que inimigos estranhos que parecem conhecer o Homem-Aranha apareçam do nada.
Críticos dessa proposta, ao invés de enxergar as possibilidades espetaculares, apontaram que “Spider-Man: No Way Home” não passa de uma versão empobrecida de “Spider-Man: Into the Spiderverse“. Eles tem razão no sentido de que, claro, seria muito estranho colocar o Porco Aranha, o Homem-Aranha Noir ou alguma versão alternativa, seja por questões práticas ou para evitar que copiem exatamente o que a animação já havia feito. A idéia aqui era melhor. Só não vou entrar a fundo para não exclamar as surpresas muito descaradamente, mesmo que a maior parte da audiência já deva ter assistido e saiba de tudo caso não tenha. Acho.
Há muito para falar do contexto em torno da obra, o que pode parecer que entra no caminho da opinião nesse texto por tirar a atenção do que eu acho sobre a obra. No entanto, não há como destacar uma coisa da outra, pelo menos não agora, ainda tão perto do lançamento. Quem sabe daqui uns meses ou anos algum espectador mais jovem que não viveu o Universo Cinemático Marvel neste ponto assistir sem expectativa nenhuma, embora eu acredite que ainda assim é difícil por conta dos últimos momentos de “Far From Home“. A questão é que “Spider-Man: No Way Home” parte de um ponto de apostas altas e não decepciona. Exceto pela computação gráfica em alguns momentos, mas é passável.
E talvez em alguns momentos pouco críveis de soluções fáceis para problemas grandes. Nada que seja um grande problema para a obra, não atrapalha em sentido nenhum sua essência como um filme de ação que traz vilões de cinco outros filmes do Homem-Aranha e consegue melhorar até mesmo os elementos do passado. Alfred Molina como o Doutor Octopus e Willem Dafoe como o Duende Verde superam o que haviam apresentado em 2002 e 2004, ambos atores mais refinados pelo tempo e mais conscientes de que é possível interpretar uma pessoa maligna sem torcer o bigode e rir com as mãos na barriga. Dafoe, em especial, chega a a ser perturbador nas transformações repentinas de personalidade do Duende, súbita sem parecer gratuita e assustadora de tão orgânica que é a micro-transição entre humores. Outros vilões não chegam a ter o mesmo impacto, talvez por não terem sido bem explorados antes. O Electro continua sendo um cara chato com força, o Lagarto não deixa de ser genérico e o Homem-Areia até faz bem com o pouco que tem. Estes deixam para compensar com sua presença nas várias cenas de ação, que, falando nisso, fazem as quase duas horas e meia de “Spider-Man: No Way Home” muito bem equilibradas, sem se tornar cansativa numa segunda vez assistindo, por exemplo.
E no fim das contas, tudo funciona. A Marvel consegue trazer o melhor filme do Homem-Aranha até o momento, acertando em praticamente tudo a que se propõe, de publicidade até conteúdo e de crítica até bilheteria. Tudo foi feito certinho, ao menos na questão logística de existir algum interesse pela obra, este ser cultivado e intensificado, a bilheteria ver resultados já na primeira semana e o circuito comercial se adaptando à obra para acompanhar seu sucesso. É o que todo cineasta sonha, imagino, com um detalhe de que a Disney tem dinheiro infinito para investir em todas as etapas desse processo, além de reputação e empolgação herdadas de muitos anos de filmes. De qualquer forma, “Spider-Man: No Way Home” é um acerto em todos os sentidos: nostálgico, competente por conta própria, equilibrado e ambicioso na medida certa por conseguir corresponder a expectativa que cria.