É bom ver que finalmente estão saindo filmes americanos bons do Godzilla. Do tal Monsterverse inteiro, na verdade. Até mesmo o mais fraco dos quatro lançados, “Kong: Skull Island“, está bem acima do “Godzilla” de 1998, por exemplo, que até hoje é lembrado como uma adaptação das piores da história do cinema. Primeiro, o Rei dos Monstros estreou em uma história só sobre ele em 2014 no não surpreendentemente chamado “Godzilla“, então encarou monstros conhecidos de seu passado e manteve o nível de qualidade com “Godzilla: King of the Monsters“. Agora, com os dois maiores monstros bem estabelecidos, finalmente chega o confronto entre o Grande G e King Kong em “Godzilla vs. Kong”, mais um acerto para a conta da Legendary Pictures.
Anos se passam desde que Godzilla enfrentou King Ghidorah e Mothra, e o titã se mantém recluso nos oceanos. Mas algo faz com que ele volte à atividade e seus rompantes destrutivos, atacando algumas cidades sem motivo algum. A humanidade procura uma solução e decide usar outro titã contra ele: Kong, mantido numa instalação fechada sob observação dos humanos. O gorila gigante cresceu desde sua descoberta, mas será isso o suficiente para ele encarar o mais temido dos titãs? O plano é arriscado, a última saída para evitar que mais vidas sejam perdidas nas mãos de forças da natureza incontroláveis.
Quem conhece um pouco mais da história de Godzilla sabe que essa não é a primeira vez que ele e King Kong se enfrentam. Isso aconteceu em 1962, quando a Toho comprou os direitos para realizar filmes com o gorila gigante e um roteiro em que ele deveria enfrentar uma espécie de Frankenstein gigante. Pareceu ótima idéia apenas substituir Frankenstein por Godzilla sem alterar o roteiro, pelo jeito, e o resultado trouxe o monstro adquirindo poderes com eletricidade, agindo fora de personagem sem razão. Passou longe do esperado, um dos piores filmes japoneses do Grande G, então quando a Legendary Pictures anunciou planos de lançar “Godzilla vs. Kong” não houve muita empolgação de minha parte. Talvez do público, que mesmo assim estava preocupado com a lógica de tudo isso. O Godzilla americano era a maior de todas suas encarnações até então, um dinossauro gigante com rajada de radiação; Kong era um gorila com gigantismo e consideravelmente menor.
Francamente, era uma preocupação válida. “Kong: Skull Island” apresentou o macaco aparentemente bem menor do que Godzilla. Ele cresceria entre filmes? Uma solução se fazia necessária e, não surpreendentemente, o monstro apareceu maior em “Godzilla vs. Kong”. E esse é o primeiro quê de estranheza aqui. O fato de ele simplesmente crescer e, além disso, o estabelecimento de escala de um monstro em relação ao outro e ao cenário. Às vezes isso se perde, não havendo certeza completa se os dois estão próximos em tamanho, o tipo de confusão que não é interessante de haver em histórias com elementos irreais para evitar a bizarrice medonha de “Cats“. Felizmente, essa confusão não dura muito e acaba assim que é possível ver os dois de pé lado a lado. E quanto ao resto? Ainda é um dinossauro atômico contra um primata crescido.
Bem, qualquer preocupação sobre os monstros pode ser tranquilizada. Se há um ponto que “Godzilla vs. Kong” não erra, é na parte que interessa, a mais importante num filme desse tipo. O público vem para assistir monstros gigantes, cidades destruídas e agressividade colossal levemente gratuita, e encontra nada menos que isso em ótima forma, mantendo e talvez até subindo um pouco o nível estabelecido pelas produções anteriores da Legendary. Godzilla é mais poderoso, Kong é mais inteligente e ágil, mais próximo de um humano do que de um animal. Ele pode não ter uma rajada atômica como seu oponente, mas não é tão lento e possui seus próprios truques. As lutas são ótimas e exploram um importante equilíbrio de não deixar nenhum kaiju ter vantagem ou destaque demais a fim de não deixar os desfechos óbvios. A variedade que se encontra nas batalhas se expande também para a exploração dos cenários urbanos, que voltam a ser mais presentes do que em “Godzilla: King of the Monsters“. E não só isso, ainda há algumas surpresas muito interessantes para um filme supostamente direto ao ponto como esse.
E então há a parte humana da história, como sempre. É engraçado ver as pessoas reclamando de uma parcela do roteiro ser focada em humanos em meio ao conflito titânico, pois isso sempre fez parte da série, do primeiro filme em 1954 até todos os outros subseqüentes das Eras Showa, Heisei e Millenium. Acredito que sempre foi sabido que esses filmes, mesmo sendo de monstro, não são partidas de boxe. Não há como colocar 2 horas de porrada sem parar, é preciso de algo mais acontecendo, por mais tosco que seja. Claro, isso pode gerar resultados mais e menos agradáveis, dependendo de quão competente conseguem fazer essa subtrama. “Godzilla: King of the Monsters” pecou nesse aspecto, tanto por foco excessivo como por ser uma história bem mediana, deixando para compensar com a parte dos monstros. “Godzilla vs. Kong” não comete o mesmo erro. A história é melhor, ainda que extremamente viajada em sua tentativa de criar sentido numa mitologia de monstros gigantes vivendo no planeta Terra. Ao menos consegue ser bom entretenimento ao maior estilo de ficção científica dos Anos 50.
Não teria como ter usado muito mais porrada do que há aqui. Enquanto assistia, em nenhum momento senti falta da outra parte da trama, como se houvesse mais de um ou de outro. “Godzilla vs. Kong” funciona no equilíbrio que apresenta e se sai bem em ambos. Melhor na parte da destruição, claro, e também felizmente, pois é o principal atrativo. Para os mais intolerantes, a parte humana provavelmente será bem tolerável. Considerando todas as possibilidades e preocupações iniciais, é de se agradecer que o filme tenha saído dessa forma. Foi muito bom quando poderia ter sido ruim como sua contraparte de 1962 e o primeiro deslize das produções americanas.