Quem diria que isso fosse acontecer? Quando começaram as movimentações no Twitter — um tempo antes de eu ser banido — pedindo pelo lançamento do corte de diretor de “Justice League“, ninguém sabia se tudo aquilo daria algum fruto, se não era uma ilusão de geeks desocupados em rede social ou se sequer existia essa tal versão. Com a pouca informação da época, poderia ser que houvesse alguns minutos não utilizados de filmagens e só. A quantidade de cenas gravadas ou deletadas não costuma ser o tipo de informação que os estúdios divulgam abertamente, não quando a existência de uma suposta versão alternativa pode acabar com o interesse da audiência de ver aquela que saía nos cinemas. Sendo inteligente, a Warner Bros. arranjou uma forma de lucrar duas vezes com o mesmo filme. Aliás, o mesmo não, agora se trata do Snydercut, ou melhor, “Zack Snyder’s Justice League”.
A premissa é exatamente a mesma do filme anterior. Superman (Henry Cavill) morre em um confronto contra a criatura chamada Apocalypse e é enterrado pelos seus colegas de uma equipe que durou pouco. A primeira colaboração dos maiores super heróis do mundo tem fim no mesmo dia em que começa. No entanto, uma nova ameaça na forma do temível Lobo da Estepe surge e força os heróis sobreviventes a colocarem as diferenças de lado e se juntarem para impedir o fim de tudo aquilo que se conhece. O vilão busca as Caixas Maternas e deixa uma trilha de cadáveres e destruição em seu caminho sem remorso para cumprir sua missão para um misterioso mestre.
Se posso dizer algo sobre toda a odisséia que foi lançar “Zack Snyder’s Justice League”, é que ela foi muito efetiva. Os fãs conseguiram o que queriam e o estúdio conseguiu realizar uma campanha de publicidade também muito eficiente, liberando pedaços de informação conforme a data de lançamento se aproximava. Um deles foi quantas horas de gravação não utilizadas seriam aproveitadas, depois que retrabalhariam alguns efeitos especiais, então que o formato seria 4:3 e finalmente que a duração seria 242 minutos ou 4 horas e 2 minutos. Sim. Para quem não aguentava mais filmes de super-herói, nem os comuns de 2 horas, nem os excepcionais de 3 horas, encarar uma obra com mais de 4 horas estava fora de cogitação. Nem mesmo “Gone with the Wind” chega nessa duração, o que Zack Snyder tinha na cabeça? Comparações à parte, é uma pergunta válida.
Há quem torça o nariz para filmes com 3 horas, alguns mais exigentes que acham que 2h30 já é demais e outros que não se importam, contanto que a história justifique tal indulgência. Mas 4 horas? É difícil de engolir num primeiro momento. Por ser uma versão alternativa com liberdades amplas para o diretor, foi permitido que esse fizesse o que queria na rara segunda chance de voltar a um projeto. Então por que guardar material nos servidores do estúdio? Para lançar cenas deletadas? Snyder quis aproveitar tudo o que podia e, ao que parece, aproveitou tudo mesmo. Tudo que poderia entrar, entrou, não apenas o que precisava. Bom para agradar os fãs que aceitam tudo, não muito bom para os que valorizam brevidade, objetividade e concisão.
O problema é quase inato: 4 horas e 2 minutos. Isso é muito tempo para qualquer coisa, seja pagando estacionamento no centro da cidade ou fazendo amor com uma pessoa maravilhosa. É 1/6 de um dia inteiro, meia noite de sono e quatro vezes o horário comercial de almoço. A questão é se há conteúdo para preencher todo esse tempo, e a resposta é sim, de certa forma. Cenas por cenas, é fácil transformar qualquer filme de 90 minutos em um Épico de mais de 3 horas, basta colocar tudo que foi filmado e estender os planos de forma que o ritmo fique bem vagaroso. Algo assim acontece em “Zack Snyder’s Justice League”, exceto que em um grau não tão exageradamente caricato.
Há mais que um punhado de cenas que passam a impressão de que poderiam ter ficado de fora com pouca ou nenhuma perda. A maioria delas é logo no começo. Batman viaja para uma região nórdica afastada para investigar os rumores sobre um tal homem dos mares, mais conhecido como Aquaman (Jason Momoa). Ele conversa com nativos até encontrar com o próprio indivíduo, então a sequência encerra com uma longa sessão de cantoria para o herói que volta aos mares. Por quê? Não sei. Talvez seria uma cena interessante para um trailer misterioso, pois no filme não agrega quase nada.
Já outras coisas adicionam e muito para a experiência. A versão que foi para os cinemas em 2017 é um tanto crua, usando apenas o essencial para funcionar como algo coerente e não deixar as pessoas sem entender nada; ao mesmo tempo, muda algumas cenas para que o novo enredo enxuto funcione. Praticamente tudo do que foi visto antes está aqui. Se não igual, no mínimo com uma roupagem diferente, a gradação de cor sendo um exemplo evidente. Sim, Snyder adora suas cenas acinzentadas e gosta ainda mais de câmera lenta. Mesmo sendo obsoleto repetir isso depois de tanto, fãs calcularam que cerca de 10% de “Zack Snyder’s Justice League” está em câmera lenta. É mais um excesso, mais uma indulgência em um projeto que já é um grande avatar de permissões e exageros a torto e direito. Mas tudo bem, isso é tolerável e até esperado de um diretor que fez fama por ser estilo acima de tudo.
As novidades mais relevantes, por assim dizer, se concentram mais na segunda metade de “Zack Snyder’s Justice League”. Há um vilão completamente novo na história e um aprofundamento dos objetivos do antagonista mais proeminente, Lobo da Estepe, o que deixa a história com um ar menos genérico e aleatório. Antes parecia que era um vilão que queria destruir o mundo e acabaria falhando porque sim, agora há um pouco mais de complexidade em seus motivos. Até mesmo a ação como um todo se beneficia de sequências estendidas e o tempo extra para desenvolver todos os estágios da ação, além de momentos de maior destaque para certos personagens. Flash (Ezra Miller) continua sendo um personagem tosco e bobão, um aspirante a comediante que não tem muita graça e possui uma sequência introdutória um tanto lamentável. Por outro lado, o holofote que antes era do Ciborgue (Ray Fisher) agora se volta também para a Mulher-Maravilha (Gal Gadot) e o Batman (Ben Affleck), que deixa de parecer tão inútil e indefeso nas batalhas como anteriormente.
É válido apontar que não detesto com toda minha energia vital a versão lançada em 2016 de “Justice League“. Não foram meia dúzia que acharam um filme muito medíocre e decepcionante, pois os fãs desgostosos fizeram questão de expressar seu descontentamento abertamente e com freqüência. Um amigo meu, em especial, encheu muito o saco por causa disso e até hoje fala que é um filme feito por uma criança com atraso cognitivo e uma das piores porcarias que viu na vida. Ele também é conhecido pelos seus exageros. Eu não acho um grande filme, muito bom, nem nada do gênero, é apenas decente; o produto da intervenção de um diretor externo para entregar um produto aceitável e dentro da expectativa surreal do estúdio e do tempo disponível. Com isso, tudo que é adicionado em “Zack Snyder’s Justice League”, para bem ou para mal, em geral agrega bem mais do que prejudica. Sem os extras desnecessários e as tais gordurinhas, seria algo ainda melhor do que foi nessa versão restaurada.