Há filmes que, sem motivo específico algum, passam a impressão de “acho que vou gostar disso”. Não por ser de um gênero tal, um tipo de história já conhecido ou dirigido por certo diretor. Com o caos instaurado pela pandemia no cenário do Cinema, ficou bem mais difícil se manter inteirado no que estava em alta, no que estava por vir e no que já estava em produção. “Sound of Metal” foi um que passou debaixo do radar e só foi surgir de novo quando começaram as indicações. Então, dentre os candidatos, bati o olho e achei que gostaria dele. Sem motivo. Talvez pelo pôster que clicou de alguma forma? Não sei. Houve uma certa atração inicial e, eventual e infelizmente, um pouco de decepção quando não gostei tanto assim.
Ruben (Riz Ahmed) é baterista num duo de Heavy Metal junto com sua namorada Lou (Olivia Cooke). Eles estão em tour, a música é alta e nunca para. É o estilo de vida que escolheram para si, um sonho para dois, mas a tranquilidade acaba quando Ruben percebe sua audição estranha em um dos shows. Antes que possa absorver a informação direito, ele descobre que quase toda sua audição já se foi e está próximo de perder o pouco que ainda resta. Isso o deixa sem chão, sem banda e sem a vida que sempre conheceu. Ruben luta para entender sua nova condição e o novo lugar no mundo em que é posto à força.
Gosto da idéia do filme. Se eu fosse um produtor ou alguém envolvido com financiamento, leria a sinopse e acharia uma ótima idéia pelo simples fato da ironia. Filmes sobre gente com deficiência ou algum tipo de síndrome estão por aí aos montes. Num primeiro momento, “Sound of Metal” não é sobre isso, e sim sobre um baterista de heavy metal que começa a perder a audição. Um musicista perdendo a audição. Quão irônico é isso? E trágico. É como um fotógrafo perder a visão, como um velocista ficar paraplégico. É a pior coisa que poderia acontecer para essas pessoas. Só por isso, minha atenção já está fisgada. E como essa idéia se desenvolve ao longo de 2 horas? As possibilidades se abrem. Não é exatamente como se espera. Não foi exatamente como eu esperava, isto é.
Isso é bom e ruim. Por um lado, frustra a expectativa por algo previsível e batido, sem surpresas. “Sound of Metal” traz sua premissa se concretizando sem muita demora, de forma que seja um ponto de partida para um grande resto de história ao invés de estendida como o enredo da obra inteira. Ruben perde sua audição rápido, não progressivamente. Se houve algum tipo de piora gradual, ela aconteceu antes do filme começar, pois depois apenas se vê a situação já em níveis críticos e em estado irreversível. É disso que o protagonista tem medo. Sua vida na música é mais do que um trabalho, é uma forma de estar presente na vida de sua mulher e construir algo com ela, além de preencher seus dias com algo de que ele se orgulha. E então, de uma hora para outra, nada mais de notas na caixa, pancadas no bumbo e o som dos pratos de ataque explodindo na música. Ele fica sem chão e tem de lidar com isso, de um jeito ou de outro. O que acontece em seguida, e na maior parte do resto da duração, é ele fazendo isso.
Eis que a história chega num ponto em que não é mais tão interessante quanto no começo. Isso pode ser uma afirmação totalmente subjetiva e facilmente questionada por qualquer outra pessoa que ache interessante sem nem precisar dar um motivo para isso. Afinal, o que é legal para um pode ser enfadonho para outra pessoa. O que acredito que sirva como uma justificativa para esse ponto de vista é uma perda de foco por parte do roteiro, ou melhor, uma mudança de cenário para explorar novos campos que nem sempre funciona. Parece que há um conflito, uma divisão do destaque entre a experiência sentimental de Ruben encarando sua nova condição, o ponto de vista individual sobre esse novo status, a questão social inerente e as decisões práticas envolvendo a surdez. Outro crítico pode citar todos esses aspectos e elogiar “Sound of Metal” como um excelente filme por tratar de todos eles numa mesma história, porém sinto que eles não trabalham em consonância numa narrativa coesa.
Por exemplo, o personagem de Paul Raci é um dos pontos altos da obra em geral, não só pela forma como seu personagem é escrito mas também por sua atuação, que ofusca até mesmo Riz Ahmed no papel de protagonista. Raci funciona como uma força que direciona a alguns pontos narrativos, o da reabilitação e das implicações sociais, em especial. Ele ser tão bem interpretado, por exemplo, chama a atenção pela performance ao mesmo tempo que ressalta o conflito temático, já que a reabilitação nunca soa como um tema orgânico dentro da história, embora seja lógico se pensado pelo senso comum. Ruben deveria buscar isso, mas tem outras idéias. Parece que “Sound of Metal” tem certa opinião sobre o que deve ser feito em casos como o de seu protagonista e projeta um julgamento moral em cima disso que não soa muito bem. Ele poderia existir dentro da obra de outras formas que não dessa, muito menos abusando de um pedaço de história pregressa pelo que parece conveniência em função desse tal julgamento.
O que não pode ser criticado, porém, é a Edição de Som transformando “Sound of Metal” numa experiência sonora. Pode parecer óbvio, sim, mas tem um valor especial por ir mais além do que a maioria das obras com personagens biologicamente funcionais. Há algo a ser explorado e sentido em primeira pessoa através da transposição da vivência sensorial de Ruben para o espectador. Não é à toa que houve Oscar para “Melhor Som”, o primeiro filme a vencer nessa nova categoria que combina as antigas “Edição de Som” e “Mixagem de Som”. Difícil dia para os trabalhadores dessas áreas específicas vendo uma simplificação da categoria por causa das pessoas que todo ano vinham perguntar a diferença entre as duas.