Esse último ano foi uma anomalia. E que grande novidade, que grande afirmação acertada sobre o estado atual do mundo. Ou melhor, apenas uma forma de começar o texto e dizer que “The Trial of the Chicago 7” passou quase completamente batido por mim esse ano. Sim, cheguei a ver os banners e os trailers em autoplay no Netflix praticamente me implorando para assistir. Talvez por birra, não assisti quando foi lançado em Setembro. Talvez se soubesse que Aaron Sorkin era diretor e roteirista, teria me animado um pouco mais e evitado que essa omissão perdurasse por vários meses. Não foi a pandemia que fez o ano anômalo, foi eu ter ignorado um filme do diretor. Aparentemente.
A Convenção Nacional Democrata de 1968 está para chegar em Chicago. Os protestos contra a Guerra do Vietnã prometem chegar junto. Por trás de tudo, um grupo organizando, liderando e direcionando os esforços para maximizarem suas vozes, indo diretamente contra os interesses das autoridades que pretendem silencioá-los a qualquer custo e usar de violência se for julgado necessário. Eventualmente é. Conflitos dominam as ruas e pessoas são presas. Sete pessoas numa corte, acusadas de conspiração e de incitarem a desordem. Um caso extenso e tortuoso que eventualmente captura a atenção de toda a nação para os 7 de Chicago.
Para quem se importa, é mais uma isca de Oscar em sua forma clássica. Mais uma história baseada em fatos, abordando um evento marcante da história dos Estados Unidos. Além disso, um que trata diretamente de direitos civis e manifestações anti-governo ou, mais especificamente, anti-guerra. Jovens brilhantes, mentes subversivas e corações no lugar certo se impondo contra injustiças e eventualmente sofrendo as conseqüências de enfrentar o sistema, o que acaba por expor ainda mais as falhas deste. Ao menos não é mais uma biografia. São sete em uma só. Um modelo conhecido, não o mais estereotipado de todos, e um bem-sucedido em sua tarefa de recontar as informações relevantes em uma história engajante. Se falta um pouco de originalidade no formato, há competência para cobrir isso em “The Trial of the Chicago 7”.
E ao mencionar competência, a surpresa é não começar com a escrita freqüentemente sublime de Aaron Sorkin, mas com as performances de um elenco que não deixa sua extensão incomum atrapalhar a avaliação da performance de grupo, da unidade dos sete acusados e dos juristas envolvidos. É muita gente em foco comparado aos números menores encontrados em outras produções. Há destaques? Claro. Dentro do próprio grupo de juristas, Mark Rylance se destaca como o advogado de postura tão despojada para alguém de argumentação tão refinada, uma antítese de personagem interpretada organicamente por um ator que as une em harmonia. Sacha Baron Cohen como um dos líderes Yippies é outro deles, trazendo mais uma personalidade da várias camadas, colorida até: a aparência clássica de um hippie, o humor que se espera do ator e um fundo de inteligência por trás da apresentação informal para não fazer dele um palhaço na corte. Há humor e há seriedade em “The Trial of the Chicago 7”.
Claro, tentar ignorar o papel do roteiro de Sorkin na construção dessas personalidades seria irracional. Sua direção idem. Há muito que palavras em papel podem fazer, e muito mais que ajustes de humano para humano, de diretor para ator, podem realizar na construção dos personagens eventualmente vistos. Há decisões espertas, talvez até convenientes? Sim. Sorkin não é novo em dramas de tribunal, Baron Cohen tem sua afinidade com a comédia e um papel de estudante de terninho e gravata não é o mais desafiador para Eddie Redmayne. Tudo se encaixa como uma luva em “The Trial of the Chicago 7”, o que não é um problema de forma alguma. Se as coisas funcionam, ótimo. Não se encontra o que se poderia chamar de audácia artística para quebrar paradigmas através de uma fuga dos padrões. Até porque não é imprescindível para qualidade. Por outro lado, a impressão de familiaridade vem como conseqüência, atrapalhando menos do que pode parecer, embora seja mais incômoda em um ponto crítico.
Não consigo gostar do final de “The Trial of the Chicago 7”. Se há um ponto que me desliga da experiência e me faz gostar um pouco menos, justamente onde mais importa, é nos momentos finais e tão importantes. Já perdi a conta de quantas vezes devo ter falado sobre deslizes no clímax e final serem ainda mais graves do que em outros trechos. Agora prefiro resumir que, na hora de voltar para casa, é o gosto que ainda está na boca que conta. É como comer a melhor refeição da vida e tomar um copo de leite azedo. O vômito é certo e o banquete saboroso de antes se torna uma pasta de matéria orgânica semi-digerida. Certo, esse filme não chega nem perto dessa analogia ridiculamente exagerada, mas, sim, possui algo em seu final que não contribui para uma impressão mais positiva.
Depois do que talvez seja o momento mais importante da história, a narrativa segue decrescente até os créditos rolarem. Isso não é dizer que todo filme precisa terminar com um estouro, uma cena intensa ou revelação surpresa nos últimos momentos. Existem abordagens diferentes para histórias diferentes. A impressão que “The Trial of the Chicago 7” deixa é de uma precipitação em encerrar a história, levando ao final seguro que se vê, exatamente igual ao de praticamente toda obra baseada em fatos: a tela subitamente dissolve para preto e um texto reconta o destino de cada um dos personagens nos próximos anos. “Abraham Lincoln foi assassinado duas semanas depois por John Wilkes Booth. Seu legado vive na alma do povo americano como um dos maiores presidentes da história da nação”. O que leva a essa impressão? Difícil apontar exatamente. As atuações ficam caricatas por um momento, falta um sentimento de grandeza, que talvez poderia vir com a música. O último ato de Tom Hayden, que deveria ser a afronta-mor em um festival de barbaridades, apresenta-se como uma atitude previsível. Talvez um pecado na direção de Sorkin?
Essa é a pedra no meu sapato aqui. É bem claro para mim que esse é o problema pontual com “The Trial of the Chicago 7” e que sem isso seria melhor. A nota com certeza aumentaria. Mas não é o fim do mundo também, sobram méritos aos montes para que esse ainda seja um dos melhores filmes do ano. Um ano bizarro, de fato, em que mal sei ranquear o que é bom ou ruim porque não sei o que saiu ao certo. De qualquer forma, é um bom filme, um que passou em branco quando lançado e amplamente divulgado pelo Netflix há alguns meses, e que agora teve seu esquecimento retificado.