Enfim chega o terceiro e mais infame filme da — atual — trilogia Matrix. Assim como o segundo filme, “The Matrix Reloaded“, lembrava de pouco a nada dele, talvez um pouco mais por ter uma recordação bem clara de o assistir numa sala de cinema. Isso e algumas cenas de tiroteio, humanos vestindo exoesqueletos armados com metralhadoras soltando tiros, tiros e tiros ao longo de um, dois, talvez cinco minutos sem parar. Mas é melhor deixar o cálculo de quantas balas o robô precisaria para outro momento, até porque essa não é a melhor série para procurar lógica. A surpresa foi ouvir falar tão mal de “The Matrix Revolutions” e encontrar, no final das contas, algo bem menos terrível do que sua má reputação até mesmo entre fãs.
As ações de Neo (Keanu Reeves) culminam em um momento crítico para a guerra entre as máquinas e os seres humanos. O tempo está acabando e Zion se prepara como pode para a investida de seus inimigos, já esperando uma derrota contra números muito maiores. Ao mesmo tempo, o Agente Smith (Hugo Weaving) aumenta sua presença no mundo digital enquanto busca também a destruição do mundo real. Neo se vê preso em um limbo digital depois de descobrir que tem poder sobre as máquinas fora da Matrix. Alguns humanos ainda acreditam que ele é a única salvação para a resistência, enquanto outros permanecem céticos, preferindo acreditar em sua capacidade de se defender como podem.
Tentando resumir o que sempre ouço sobre a trilogia, é mais ou menos assim: “O primeiro é o melhor; o segundo ainda é bom, mas bem mais fraco que o primeiro; e o terceiro é ruim”. Ainda não conheci alguém que diz que gosta mais do segundo ou do terceiro, é praticamente unânime que o primeiro é o melhor e bem comum que seja dito que deveria ter sido o único, sem continuações. Não vou longe a ponto de dizer que elas nunca deveriam ter existido, que elas mancharam e destruíram o nome da série, dando um exemplo perfeito de como estragar uma trilogia, ao contrário de outras grandes histórias que só se beneficiaram da extensão de seus universos. “The Matrix Revolutions” segue o exemplo de seu predecessor e peca quase nos mesmos pontos; não tanto pelo seu conteúdo, mas pela concepção básica de uma narrativa em duas partes.
A segunda já trazia uma essência diferenciada ao se apresentar como, principalmente, um filme de ação. A complexidade, escopo e orçamento das seqüências era priorizada, com uma obra imaginada em torno desses grandes momentos em que tudo explode, quebra e as pessoas morrem. Se isso é ou não uma boa filosofia narrativa, não há regra definida. Muitos filmes do gênero deram certo assim, e talvez “The Matrix Revolutions” e “The Matrix Reloaded” não sejam como muitos filmes. Aconteceu que, em termos de conteúdo, o segundo se mostrou muito mais vazio. Houve bons momentos de ação, ótimos até, junto de muita enrolação que exclamava a escassez de matéria na base de tudo. Então acabou que o segundo se resumiu à história que se passa na Matrix e o terceiro à que se passa fora dela.
Isso, é claro, é uma definição bastante rasa. Correta também. Quando chega a hora da conclusão do grande arco em “The Matrix Revolutions”, ele acaba se apresentando como o filme de Zion. Apenas a história humana, a que se passa no mundo real com máquinas reais, gente real, metralhadoras reais, robôs reais e tudo mais. É interessante? Sim, uma parte essencial da idéia que define a série. Só que ao invés de movimento e dinâmica entre os dois cenários, a surpresa de descobrir que há um mundo externo àquele que era considerado a única realidade, há uma apresentação muito mais mundana. Já não há mais a outra maravilha de voltar à Matrix e perceber quanto poder uma pessoa possui quando está consciente, de ver Neo fazendo coisas tidas como impossíveis por aqueles que vivem vidas banais e cegas dentro da realidade virtual. Esse é o mal das continuações, que ficaram com o trabalho de construir em cima disso sem deixar as idéias perderem o brilho. É exatamente isso que acontece quando se divide a história em duas partes, uma de Zion e uma da Matrix.
Por exemplo, enquanto o segundo parece gastar muito tempo no lado virtual, lembrando de Zion apenas no final; o terceiro faz o oposto e passa muito tempo na cidade humana com alguns trechos na Matrix. Nessa divisão, quem sofre mais é “The Matrix Revolutions”, pois no fim das contas a ação exagerada do mundo virtual ainda é melhor entretenimento do que tiroteios infindáveis. No entanto, os acontecimentos importantes estão na terceira parte. Isso não se pode negar e acaba sendo um de seus méritos redentores. A história finalmente vai para frente depois de passar um filme inteiro se arrastando ao máximo que seqüências gigantes de ação conseguem. A tal guerra de que tanto falavam finalmente chega. Acabou o tempo para táticas furtivas de usar bombas de pulso eletromagnético e se esconder das lulas-robô. Chega a hora de carregar os rifles, os canhões, as bazucas e vestir as armaduras gigantes para combater o inimigo diretamente.
Isso resulta, é claro, em um grande clímax. Dois, na verdade, um deles com Neo enfrentando a ameaça do Agente Smith na Matrix, que se tornou muito maior que o antagonista icônico de antes. O primeiro é John Woo flertando com ficção científica exagerada, pouca preocupação com ser crível e apelando para o entretenimento que se pode extrair do maior número de tiros e explosões no menor tempo. Sim, é muito exagerado. O outro é bem mais interessante. Diria até mais antecipado que a própria guerra por envolver figuras mais relacionáveis no herói e no vilão, uma batalha final com toda a dramaticidade que vem junto. Chuva e noite montando a atmosfera, um cenário amplo e pronto para ser destruído, exagero e música tensa para assegurar o espectador que, sim, aquele é o final de tudo. Tudo no estilo altamente explícito que “Matrix” sempre buscou manter.
No fim, tudo funciona um tanto melhor do que esperava depois de anos ouvindo a mesma reputação negativa sendo reforçada. Não é cinema de primeira, nem mesmo melhor que os dois anteriores, é o suficiente para uma experiência razoável. “The Matrix Revolutions” traz a conclusão da história e só. Longe do que se pode chamar de um final bombástico e marcante, com a carga de tensão de um duelo na sala do Imperador, está mais para algo que cumpre seu trabalho e só. Enquanto não se pode acusar de deixar as perguntas importantes sem resposta, também não é uma resolução excitante ou das mais satisfatórias. Ainda fica uma sensação de que faltava algo para dar um gosto especial à conclusão. Talvez por isso tenham decidido fazer um quarto filme.