Se não lembrava de quase nada de “Matrix“, o mais marcante da trilogia, quem dirá das continuações. Novamente foi uma segunda primeira vez, preenchendo as lacunas de tudo que vem antes da sequência na rodovia e depois dela, ou seja, o filme inteiro. O consenso dita que as sequências do original não o igualam e que dentre elas o segundo é um tanto melhor que o terceiro. Até o momento, já que ainda não revi esse último, devo concordar em parte. “The Matrix Reloaded” é um pouco pior que seu predecessor mesmo, inserindo mais ação para preencher os espaços sem narrativa que acabaram sendo jogados para o terceiro.
Neo (Keanu Reeves) descobre suas capacidades extraordinárias como O Escolhido da profecia, aquele que vai salvar a humanidade de sua escravidão invisível. Ele é o primeiro e único a conseguir derrotar o Agente Smith (Hugo Weaving) e tem habilidades que nem mesmo seus similares possuem dentro da Matrix. A luta ainda está longe de terminar em Zion, onde o resto da humanidade desperta se desespera ao receber a informação de que o exército das máquinas irá investir contra eles em 72 horas. Morpheus (Laurence Fishburne) tenta se agarrar à crença que Neo cumprirá seu destino, mas o resto da resistência não compartilha da mesma fé.
Há quem diga que “The Matrix” tinha uma história bem fechada, sem necessidade de continuidade para ilustrar aonde o final eventualmente levaria. Ou ainda mais longe, há os que dizem que não havia planos para mais, porém o dinheiro falou mais alto e não uma, mas duas seqüências foram feitas. O que é verdade, de certa forma. Provavelmente se considerava a idéia de destinos para a história, até porque o final do primeiro não fecha completamente todas as possibilidades, como narrar o final da guerra e amarrar todas as pontas. Existia uma margem ali, talvez para mais um filme fechar a história. Como “The Matrix Reloaded” mostra, havia muita margem para cortes em seus 138 minutos.
A idéia era que houvesse só uma continuação mesmo. E uma das grandes. Ela dividida em dois longas-metragens a serem lançados com poucos meses entre eles, algo a que a Warner Bros. se opôs por inviabilidade comercial e depois sugeriu que houvesse um ano de espaço até chegar eventualmente num meio termo de 6 meses. Mesmo assim, foram dois filmes no mesmo ano. Estranho? “The Matrix” foi desenvolvido ao longo de 5 anos; os outros dois, em cerca de dois. Quando alguém pergunta o motivo de as seqüências não funcionarem tão bem, há mais de uma resposta. Mas nada disso importa muito no que se trata da obra e seus méritos individuais, seja ela dividida em duas ou não, são apenas fatos adjuntos que esclarecem a situação em torno de algumas características de “The Matrix Reloaded”.
Tudo isso poderia ser descartável se não houvesse alguma ligação com o produto de fato. O conteúdo é afetado diretamente pelas circunstâncias. Uma das primeiras coisas que se nota em “The Matrix Reloaded” são as prioridades de um filme que, teoricamente, deveria reintroduzir o espectador ao universo e ao que é importante naquele momento na narrativa. Depois de uma cena de ação exageradamente explosiva, há uma rave envolvendo mais de 1000 figurantes e que parece nunca acabar seguida de uma cena de sexo bizarramente longa entre Neo e Trinity (Carrie-Anne Moss). Essas são as prioridades iniciais. Qual seria a intenção? Mostrar o que está em risco e pode sumir para sempre quando as máquinas atacarem em 72 horas? Pois é, aparentemente a ameaça de obliteração não é suficiente, então foi necessário uma cena de festa eletrônica de amor livre e semi-nudez para reforçar o ponto.
E isso é só o começo do que eventualmente se mostra um roteiro com pouca história para todo seu tempo de duração. Nem é preciso avaliar em retrospecto, fica evidente pela demora para avançar a narrativa que, no fim, ela é feita de poucos eventos realmente importantes. Assim, o ritmo sofre e por vezes parece não haver razão para certas cenas. A única que pode se extrair é que são cenas de ação e elas são auto-explicativas. Normalmente é assim em filmes do gênero, o que não muda o fato de “The Matrix Reloaded” claramente usá-las para preencher seu vácuo narrativo.
Ao que parece, usou-se a filosofia de pensar em grandes cenas de ação e construir o roteiro em volta disso. Com o sucesso do primeiro, o orçamento mais que dobrou para criar as grandes seqüências. Problemas de história à parte, elas são muito, muito boas, e salvam o filme de ser pior. As poucas lembranças que sobraram com certeza envolvem os momentos de adrenalina no limite: a luta contra os clones de Smith, a seqüência inteira da rodovia, a luta no chateau, os gêmeos albinos… Assim parece pouco, mas esses mesmos trechos compõem a maior parte de “The Matrix Reloaded”. Ou ao menos aparenta. Algumas delas são ligadas a outras cenas de ação menores e acabam parecendo uma coisa só. Não saberia dizer, por exemplo, quanto tempo dura a perseguição da rodovia, mas de lembrança parece extremamente longa com tudo o que acontece em torno disso.
É comum encontrar opiniões dizendo que as continuações de “The Matrix” são todas problemáticas e ruins. O problema maior aqui é essencial, tem a ver com a natureza do projeto e a visão por trás dele. Claramente não é apenas continuar a história do original e mostrar como continua a luta dos humanos em Zion contra as máquinas escravizadoras. Todo o tempo que se gasta com raves, cenas de ação e enrolações diversas mostra que se estava buscando desculpas para justificar uma duração de longa-metragem e não deixar ninguém reclamar da divisão em duas partes. Sendo justo, mesmo com tudo isso, a ação de “The Matrix Reloaded” consegue superar a de seu predecessor, escalando o nível de ambição, complexidade e destruição gratuita de acordo com o orçamento maior. Pode ser mais raso e pior como um todo, mas ainda é um filme de ação superior em todos os sentidos.