Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um hacker que atua sob o pseudônimo de Neo na internet. Nada de extraordinário em nenhuma de suas vidas, seja no trabalho de escritório de dia ou atrás do computador à noite, até que um encontro fatídico finalmente o ajuda a entender as mensagens enigmáticas que vem recebendo faz tempo. Uma mulher chamada Trinity (Carrie-Anne Moss) revela que Morpheus (Laurence Fishburne) pode mostrar a verdade sobre as mensagens e mais: toda a realidade conhecida pelo mundo é falsa, uma grande simulação chamada Matrix criada por máquinas que escravizam uma humanidade cega para sua situação. Cabe ao pequeno grupo de despertos tentar reverter a situação e salvar a raça humana.
Fazia muito tempo que não via “The Matrix”, quase 20 anos. Esse é um daqueles raros exemplos que nunca revi nem trechos na televisão, no avião ou em algum outro lugar. Com certeza nunca sentei para assistir do começo ao fim desde a primeira vez que vi no ônibus escolar em 2001, no máximo 2002. O mesmo não vale para as continuações, as quais vi ambas no cinema quando saíram em 2003. O primeiro, unanimemente considerado o melhor da trilogia, foi deixado de lado por algum motivo, nunca pude entrar numa discussão sobre quão incrível ele era em comparação aos outros porque lembrava apenas das cenas mais famosas sem poder aprofundar. “Ah, esse é o filme com as pílulas azul e vermelha e com os tiros congelados no ar”. Mais ou menos isso.
Talvez quem tenha visto só uma vez há muito tempo passe por algo parecido. Depois de gostar bastante de primeira, revê após muito tempo e não encontra a mesma genialidade. Claro que para um rapazinho de 8 anos, tudo é muito fantástico em um filme como esse. Todo o pessoal do colégio falava de desviar dos tiros jogando as costas para trás, todos queriam óculos escuros pretos e falavam que estavam vivendo numa Matrix. Era impossível não escutar alguém falando a respeito. Mas é claro que a percepção de uma criança não é parâmetro, a maioria acharia “Star Wars: Episode I – The Phantom Menace” e “The Adventures of Sharkboy and Lavagirl 3-D” no mesmo nível. Hoje, quase 20 anos depois, foi um pouco mais difícil me impressionar com os motes filosóficos presentes aqui, por exemplo. São boas idéias, longe de serem de uma riqueza intelectual de fazer frente aos filmes mais inteligentes do mercado. A sociedade está cega, vive numa realidade alternativa sob o controle de um titereiro invisível desafiando a noção de livre arbítrio que as pessoas acham que tem e existe de fato, bastando acreditar e mudar a perspectiva. Novamente, há muito mais profundidade que a maior parte dos blockbusters e até de outros filmes ditos sérios, é mais que suficiente para criar uma história e universo cativantes, falta só a genialidade.
Outra coisa que pode parecer incômoda hoje em dia, até um pouco brega, é a estilização das cenas de ação, o que pode parecer absurdo criticar porque a identidade da obra praticamente nasceu disso. Criticar o bullet time — ação em slow motion com a câmera se movimentando em velocidade normal — e as acrobacias surreais seria como criticar a ação inteira abertamente. Não é esse o ponto. Apenas em algumas instâncias passa do limite e fica levemente ridículo, quando parece que “The Matrix” quer se exibir e vai longe demais em desafiar o impossível.
Por mais que saltar de um edifício e mergulhar por uma pequena janela no outro lado da rua soe exagerado, a ação é o grande atrativo até hoje. A logística da direção incrível da dupla Wachowski integra elementos distintos que juntos formam uma execução revolucionária em seu tempo, truques de câmera utilizados em conjunto com efeitos práticos e outras técnicas de subgêneros diversos unificados aqui. Num tiroteio, as pilastras esmigalham-se com saraivadas de tiros, os corpos voam em câmera lenta e os heróis caminham pelas paredes desviando dos projéteis e esgotando seus próprios pentes em segundos. Parece complexo. “The Matrix” teve a idéia simples de emprestar um pouco de vários gêneros populares: as tomadas em câmera lenta e os tiros infinitos de John Woo e “Hard Boiled“, os saltos infinitos com mil golpes desafiando a física do gênero de artes marciais e o Sci-Fi alimentando o enredo com ambientação, principalmente.
Quando se junta tudo, realmente surge algo complexo em mãos, elementos o bastante para criar uma bagunça incompreensível, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Não. “The Matrix” é um filme bonito de assistir. Belo mesmo. Não só pela fotografia remasterizada em alta definição que revela as imagens em nitidez plena e as nuances da colorização esverdeada, méritos da cinematografia de Bill Pope, mas também pela direção que deixa o espectador enxergar perfeitamente bem o que está acontecendo em cada cena, de onde um personagem pula e onde ele cai, os tiros abrindo buracos às centenas no cenário e a geografia de cada cena. É fácil apreciar estética e conteúdo, ver um filme que aspira à excentricidade de tomadas incomuns e possui a competência para torná-las possíveis.
Só não consigo deixar de pensar em como a música me incomodou. É de longe a pior parte de “The Matrix”, sem competição nesse aspecto. Consigo tolerar uma computação gráfica que envelheceu mal, as ondas deixadas no ar pelas balas, as lulas ou o destino do Agente Smith no final, mas é impossível ignorar a música ora clichê, ora cafona e quase sempre previsível, especialmente com ação tão excelente acompanhando as melodias. É como olhar para uma coisa e pensar que é muito bom e escutar outra coisa e pensar que é muito ruim. Não combina. Don Davis, o responsável, estraga parcialmente o sucesso das cenas complexas com trilhas que até encaixam nos eventos, só não de forma natural. São quase todas estereotípicas. O grande tiroteio da obra, provavelmente sua melhor seqüência de ação, traz uma dose orgásmica de adrenalina na forma de dois super-humanos num tiroteio contra uma dúzia de policiais e tiros demais para serem contados em um ambiente fechado. A música? Bateria em ritmo acelerado, sintetizador pesado criando um clima futurista que se esforça demais para deixar uma cena já fantástica ainda mais descolada. Estilo, estilo e estilo acima de tudo. É de se agradecer quem fez uma versão sem música no YouTube.
Devo dizer que esperava um pouco mais, depois de todos esses anos ouvindo as pessoas falarem que “The Matrix” é um filmaço, as listas colocando como um dos melhores de todos os tempos, os livros de cinema usando cenas como exemplos louváveis de técnica de cinema e o consenso universalmente positivo. Que não haja engano: ainda é um filme impressionante. Envelheceu mal em alguns aspectos pontuais, e sua reputação como fonte moderna de filosofia cinematográfica pintou uma imagem superestimada comparada ao que se encontra de fato. A música, em especial, é exatamente o que o público toleraria em 1999 e parece um produto de sua época que hoje beira o ridículo. Mesmo que não seja a obra-prima incrível de sua fama, ainda é um trabalho de influência inestimável no cinema comercial de Hollywood dos Anos 2000, cuja identidade de coturnos, sobretudos, óculos escuros e acrobacias em câmera lenta jamais será esquecida.