Um dos melhores filmes de James Bond. E é apenas o segundo lançado. Como pode isso antes mesmo de “Goldfinger“, amplamente tratado como o responsável por edificar a fórmula da série como é conhecida hoje? Seguindo as regras básicas. De fato muitas das qualidades mais icônicas da série vieram a aparecer nesse filme, o Aston Martin DB5 equipado com várias armas e apetrechos tecnológicos e os vilões caricatos e megalomaníacos. Antes disso era tudo mais simples. “From Russia with Love” evolui o que foi visto em “Dr. No” mantendo ainda uma abordagem mais contida do conceito de agente secreto, menos ação e cenas grandiosas e um foco maior na espionagem propriamente dita.
A SPECTRE busca vingança contra James Bond (Sean Connery) pela morte do satânico Dr. No em uma missão anterior. Seu plano envolve um estratégia para atrair Bond a uma armadilha, fazendo-o acreditar que uma agente soviética, Tatiana Romanova (Daniela Bianchi), deseja desertar para o ocidente em troca de um decodificador muito almejado pelo MI6. Rosa Klebb (Lotte Lenya), ex-agente da SMERSH e atual SPECTRE, manipula Tatiana a acreditar que está trabalhando para a inteligência soviética a fim de que ela seduza Bond, mas ele já fareja que há algo de errado com toda a situação e se deixa cair no plano inimigo propositalmente até conseguir o que deseja.
Há quem não goste muito de James Bond por causa do teor fantástico das histórias. Muitas trazem um vilão com alguma deformidade ou característica marcante e um plano de destruir, dominar a humanidade ou os dois. Junto disso há ainda os relógios laser, canetas explosivas, carros potentes e manobras impossíveis. Não há muito realismo, olhando por esse ponto de vista. Onde estão a espionagem, as tramas e o mistério? Antes do carro invisível houve um tempo de maior simplicidade, daquilo que constitui uma história de espião de fato em vez de um filme de ação. “From Russia with Love” traz moderação na parte de tecnologia, pouca dependência dela para desenvolver o enredo e a própria ação. Garrotes e pistolas no lugar de carros de controle remoto. Não que haja problema com isso, pois o que 007 se tornou nos anos seguintes continuou excelente.
A questão é que deu muito certo aqui, assim como aconteceu com tantos outras obras de espionagem. Por esse motivo, “From Russia with Love” se tornou uma referência dentro da própria série. É um dos melhores e também uma demonstração que o simples funciona. Assim, acabou se tornando uma tática da própria produção retornar ao básico quando a ambição e excentricidade extrapolavam os limites. Aconteceu quando 007 foi ao espaço em “Moonraker” e retornou ao básico em “For Your Eyes Only“; mais tarde, “Die Another Day” trouxe Madonna, carro invisível e surfe na tsunami de gelo, então a série sofreu reboot e voltou mais realista com Daniel Craig em “Casino Royale“. Há um motivo para existir um segundo padrão de qualidade dentro de uma mesma série. Ele nasce aqui, numa história que traz uma trama complexa de espionagem em tempos de Guerra Fria, com uma organização tentando manipular dois lados um contra o outro e conseguir o que quer com a morte de James Bond, enviando um assassino dedicado a isso.
Mesmo assim, não é como se “From Russia with Love” fosse tão diferente do resto da série, sem nenhuma conexão com o resto dos filmes. Ainda há bastante margem para avaliar esse como um filme da série, basta analisar aspectos simples, porém funcionais, como os antagonistas apresentados: Red Grant (Robert Shaw) até hoje é reconhecido como um dos capangas mais marcantes, sendo essencialmente um agente treinado para matar James Bond e um muito capaz em sua função; Rosa Klebb tem um pouco menos destaque, mas ainda tem seu espaço querido. Eis o padrão de vilão principal e capanga, nesse caso com o segundo se sobressaindo por conta de uma longa e excelente cena de luta perto do clímax. Clássico mano-a-mano em um espaço fechado, sem truques e soluções fáceis.
O próprio James Bond está em ainda melhor forma que no anterior. “Dr. No” sofre de alguns problemas de início de série por soar raso e simples demais, como se o conceito ainda não tivesse alcançado seu potencial. Sean Connery, por outro lado, não pode ser culpado disso e chega a ser um dos pontos mais altos da experiência por criar James Bond no ato, já trazendo uma versão satisfatória do personagem que veio a ser amado. “From Russia with Love” consegue elevar isso ainda mais, assim como faz com praticamente todos os elementos de antes. A única exceção seria o vilão de Joseph Wiseman, mais bem interpretado e marcante que os apresentados aqui.
Tal evolução vai bem mais além do que ter uma música-tema cantada por Matt Monro, uma sequência de créditos estilizada ou a estréia de Q ou algum outro elemento recorrente, a obra por si é mais sofisticada, mais bem trabalhada em todos os sentidos, de enredo a personagens secundários. O roteiro traz equilíbrio entre ação e momentos mais contidos, apenas o bastante para agitar o tom para não ficar tempo demais em uma coisa só; os tiroteiros, assassinatos e explosões que tiram o centro do protagonista e dificultam sua vida enquanto animam a experiência para o espectador. Daniela Bianchi, a segunda Bondgirl oficial, não é das melhores atrizes — até porque é dublada — porém pode se gabar de ter função dentro da história além de ser bonita, algo que ela é e muito. Ali Kerim Bey (Pedro Armendáriz), por sua vez, já não tem esse problema e é um destaque em ambos escrita de personagem e interpretação em uma série que costuma não se importar muito com grandes performances.
Talvez a única crítica possível seria o ritmo não ser dos mais dinâmicos. Talvez por ser um dos que tem menos ação, a história pode parecer um pouco devagar na progressão de um conceito que já não é dos mais simples. Como não é só James Bond contra o vilão, o foco recai mais sobre uma trama de manipulação que pode soar confusa se não se prestar atenção, especialmente a parte envolvendo motivações e objetivos. Todavia, confesso que essa impressão de lentidão havia sido bem pior na primeira vez que assisti. Nessa revisita, “From Russia with Love” provou apenas ser de fato um dos mais competentes filmes do Agente 007, um que conserva sua reputação até hoje, mesmo depois de 22 novos lançamentos. Eis que em apenas três anos 007 fez sua estréia e se lançou para o estrelato, subiu muito o padrão e estabeleceu uma referência com esse segundo filme e firmou um padrão seguido no ano seguinte. Não é à toa que dão tão certo com uma sequência de acertos assim.