Hoje em dia é quase um clichê elogiar Christopher Nolan. Um amigo meu até insiste na piada sobre eu amar o diretor e não aceitar nenhuma crítica ou nota abaixo de 90, por exemplo. Todo exagero em nome do humor, mas ele tem um ponto: o cineasta realmente é um dos melhores e mais versáteis profissionais vindo de Hollywood nos últimos tempos. É um dos poucos que podem se gabar do mérito de as pessoas verem seu trabalho como “filmes do Nolan” em vez de assistir e só depois ir checar quem é o responsável. Seu nome chama as audiências e elas vêm para descobrir qual o mais recente território desbravado por ele. Já foi para o espaço, para a Segunda Guerra, para a Batcaverna e em “The Prestige” resgata uma época em que a mágica, não o cinema, tirava as pessoas de casa para ver um espetáculo.
A Londres do final do Século 19 é abalada pela rivalidade de dois grandes mágicos que competem pela atenção de um público cada vez mais exigente e cansado de ver os mesmos truques toda vez. Chega um ponto em que as possibilidades começam a se esgotar e os coelhos nas cartolas não têm a mesma graça, então aquele com o mais novo grande truque passa a dominar o mercado. Tudo começa com uma parceria que vira rixa: Robert Angier (Hugh Jackman) e Alfred Borden (Christian Bale) trabalham juntos até que uma tragédia os separa e dá início a uma competição artística que não se deixa impedir por moralidade ou razão.
A primeira coisa que me passou pela cabeça ao pensar na premissa aqui foi “O Gabinete do Dr. Caligari” e sua captura de uma época de maior inocência, de pessoas mais impressionáveis e de padrões críticos diferentes. Hoje é tempo de se impressionar por uma tela de cristal líquido que pode mostrar praticamente qualquer vídeo com poucos gestos, tempo em que a tecnologia é mais acessível e torna a realidade mais sem graça do que as possibilidades dos pixels. Os Anos 90 de dois séculos atrás sem dúvida eram diferentes. A mágica, o circo, o vaudeville e outras artes eram dominantes e espantosas, o público não conseguia evitar ficar impressionado ao ver um ginasta saltando de um trapézio para outro pela décima vez. Sair na rua e ver um show de variedades era considerado comum e divertido, uma vez que era muito mais do que qualquer tipo de entretenimento que o lar fornecia. “The Prestige” captura esse momento como a obra expressionista de 1920, tornando relevante de novo algo que hoje não tem a mesma graça.
Engraçado é ver isso com tanta nitidez. É automático imaginar cenas do passado em preto e branco e sépia, numa qualidade de imagem deteriorada e artefatos na imagem como cabelos, riscos e granulado. Alguns vão longe a ponto de imaginar que as pessoas viviam em preto e branco até os Anos 60, já que a maioria das fotografias daquele tempo era monocromática. Fica difícil imaginar algumas coisas. Ao pensar numa figura história como Charlie Chaplin ou Albert Einstein, como imaginar a pessoa como ela de fato era? Será que tinha bochechas rosadas? Será que tinha uma pele castigada pelo sol? Qual a cor real daqueles cabelos acinzentados? Ver isso no nível de detalhe de “The Prestige” até parece inapropriado, mas o trabalho feito aqui transmite uma confiança mais convincente do que outras obras de época que, igualmente, se apresentam numa resolução tão alta quanto. Exceto pelas pessoas míopes e com outros problemas de visão, a realidade era tão detalhada quanto parece aqui. Talvez não tão bela, mas isso é puro mérito da cinematografia e dos departamentos por trás da captura e criação das imagens.
Quanto à história, os irmãos Nolan, Christopher e Jonathan, conseguem criar algo que soa interessante ainda hoje. Quando nomes como Houdini soam como relíquias de museu e outros como Mister M parecem caricaturas, “The Prestige” consegue elevar a arte esquecida a um nível de relevância, ainda que temporária, perante uma audiência que passa a se importar novamente com o segredo por trás de truques de mágica. “Como ele faz isso?”, alguém pode perguntar. Bem, o filme respeita as regras da mágica e desperta a mesma dúvida ao mostrar apenas o necessário, aquilo que o público consegue enxergar e discernir da distância de seu assento, entregando pedaços de informação aqui e acolá para não parecer que está sendo desonesto.
Subitamente, já não se é mais um espectador de cinema. Compra-se a ilusão de estar vendo algo que é evidentemente um truque, mas um truque convincente o bastante para manter a atenção por aqueles breves momentos em que o senso crítico já não age mais com a mesma astúcia de sempre. Por um instante, acredita-se que o pombo realmente sumiu e surgiu em outro lugar do nada. Qual será o truque? Será que o pássaro passou por dentro da roupa e surgiu dentro do chapéu sem que ninguém notasse? Por um momento, não importa, resta apenas a maravilha de ver a mágica acontecer.
“The Prestige” explora mais que isso. É uma história sobre mágica e sobre pessoas, sobre dois artistas que vão além do amor pelo ofício e partem para a obsessão de provar que são tão bons quanto pensam que são. O entusiasmo passa para o campo da obstinação de querer ser superior a alguém, não só a si mesmo. A história, então, passa a ter uma dimensão a mais, uma esfera humana para além do espetáculo. Se este fosse um filme sobre futebol ou mágica, o tema da rivalidade se colocaria como um ponto à parte da caracterização e da ambientação. Com performances fortes fortes vindo de Hugh Jackman e Christian Bale, o embate se torna perfeitamente crível como algo entre dois seres humanos com metas conflitantes, maior do que o ofício que praticam. Uma rixa de ódio, de orgulho e de sangue até.
O ponto questionável para alguns é a grande virada, a reviravolta que “The Prestige” apresenta perto de seu final para explicar o tal grande truque do título. Não soa direito para todo mundo, estraga a experiência para alguns. Para mim, foi inesperado o bastante para poder ser aceito como uma virada válida, contrária ao esperado, mas que ainda poderia ter sido substituída por algo melhor. Talvez, como uma amiga comentou, por alguma maquinação verdadeiramente complexa a ponto de deixar o espectador estupefato diante de sua engenhosidade. A inclusão desse elemento específico pode quebrar a experiência inteira, ou uma parte considerável dela, por ir contra alguns preceitos estabelecidos anteriormente. Para mim, não foi a saída mais genial possível, apenas competente o bastante para sustentar o alto nível do resto da experiência.