A história de “20th Century Women” acompanha uma casa em Santa Barbara, Califórnia. Jamie (Lucas Jade Zumann) é filho único, mora com sua mãe Dorothea (Annette Bening) e outros dois inquilinos que alugam quartos. É uma casa bem diversificada. Jamie tem 15 anos e está começando a aprender a viver, mas não sabe exatamente como fazer isso, perdido como todo adolescente crescendo num mundo em descoberta. Sua mãe percebe o que acontece e se preocupa, naturalmente. Seu desejo é criar o filho da melhor forma e teme não saber como fazer isso por ser de uma geração muito distante e tão diferente quanto possível, então decide pedir ajuda aos jovens que talvez o entendam melhor: Abbie Porter (Greta Gerwig), a fotógrafa que divide o apartamento, Julie Hamlin (Elle Fanning), amiga de infância, e William (Billy Crudup), o outro inquilino.
“20th Century Women” traz aquilo que se chama de “ensemble cast”, algo como elenco conjunto em português. Isso significa que, méritos individuais à parte, o elenco como um todo fala mais alto do que os personagens sozinhos. Essa é a história de Jamie, em teoria, parcialmente autobiográfica, com Dorothea baseada na mãe, Abbie na irmã e Jamie no próprio Mike Mills, subentende-se. É a vida em família, com mais destaque na unidade formada do que no próprio Jamie, que talvez seja o personagem menos interessante do filme. É um pouco injusto dizer isso, na verdade, ele está mais para um adolescente passivo e introvertido em fase de absorver o que o mundo tem para oferecer para só depois pensar no que fazer com a informação. Sua personalidade naturalmente o coloca numa posição de menor destaque, descendo para coadjuvante em sua própria história ao invés de roubar a cena como protagonista.
Assim, é possível pegar um pouco mais leve com ele, até porque não comete nenhum deslize que necessite ser perdoado. Trata-se de um protagonista passivo que funciona, ou melhor, uma das partes de um protagonismo multifacetado típico de uma minitrama. Também não há muita história. Um resumo objetivo descreveria “20th Century Women” como a convivência de um garoto com sua mãe mais velha, sua amiga de infância e duas pessoas que alugam quartos na casa. O mais próximo de um conflito central é a dificuldade da mãe em criar o filho, sendo mãe solteira e bem mais velha que ele. O resto do roteiro é feito de situações menores, às vezes pontuais, relacionadas a esse tema sem uma conexão muito causal. É outra forma de dizer que a trama não segue uma linha muito rígida, podendo até ser acusada de não ir a lugar algum.
Mas isso não é verdade. Filmes desse tipo, que de fato não vão a lugar nenhum, são inconclusivos e parecem um arranjo casual, arbitrário ou aleatório de cenas sem propósito, costumam ser fracos. Nunca poderia dizer isso de “20th Century Women”. Esse é um ótimo exemplo de história que consegue sobreviver à base de seus personagens e personalidades. São suas relações que movimentam a história, mesmo que nem sempre de um jeito tradicional, com cada cena sendo um ilustrativo do processo de amadurecimento de Jamie. O tratamento desse assunto se dá como na vida real, de forma indireta, sinuosa e intermitente, principalmente invisível. Caso tratado de forma muito procedural, pode parecer artificial, carente da naturalidade de partes de vivências distintas se unindo sem critério fixo.
A única indicação ao Oscar foi de Melhor Roteiro Original. Faz sentido. Para um roteiro tão solto, tem de ser excepcional para funcionar e não ser uma grande bagunça incoerente de poucas cenas interessantes, sem uma unidade grande exprimindo significado. “20th Century Women” usa para efeito máximo sua estrutura sutil para encaixar os temas naturalmente, evitando parecer que está tentando cumprir agenda. Acontece que falar de feminismo era cabível no final dos Anos 70 e calha de ser um assunto discutido atualmente. Faz sentido dentro da história, não está lá por estar e, de qualquer forma, isso é só uma parte pequena de uma história que fala do conflito geracional em escala maior e menor, por exemplo. Uma mulher que se torna mãe aos 40 anos e enxerga seu filho com os olhos de uma pessoa dessa idade, que nasceu em tempos com outros valores e outras prioridades, mas se vê presa na situação porque não é um relacionamento que pode ser dissolvido como a maioria. A comunhão é necessária ou, em último caso, uma aceitação das diferenças. É isso que une o roteiro tão maravilhosamente.
A única crítica que poderia fazer é sua insistência em repetir várias vezes que Dorothea é da época da Grande Depressão. Jamie deve falar isso pelo menos meia dúzia de vezes. Talvez fosse uma tentativa de mostrar como o filho sabe de pouco e compreende pouco a mãe ao reproduzir a mesma informação em diferentes ocasiões, simbolizando seu distanciamento. Faz sentido. Mas ainda soa excessivo, já que outras cenas ilustram perfeitamente bem como o entendimento entre os dois é confuso. As cenas de Annette Bening garantem que essa idéia seja transmitida sem erro, sendo ela um exemplo perfeito de personagem que transcende o próprio Jamie em termos de importância e atividade, provavelmente sendo mais protagonista do que ele. Por isso pensei dela quando li sobre a indicação ao Oscar. Antes de confirmar a informação, tinha certeza que era ela a indicada e bem que poderia ter sido, seria justíssimo.
Tudo isso me faz pensar em como deixei “20th Century Women” passar a ponto de sequer ter ouvido falar dele na época. A atenção da época devia estar direcionada quase totalmente a “La La Land” e “Moonlight” como os favoritos para o Oscar, com outros grandes filmes seguindo logo atrás e deixando pouco para um filme com apenas uma indicação na categoria de roteiro. Eis mais um item da série de esnobadas sem querer felizmente retificadas nos anos seguintes.