“Easter Parade” é um musical jukebox. Isso quer dizer que algumas de suas músicas não foram compostas especialmente para o filme e estrearam em outro lugar antes antes de serem compiladas nessa produção. Existem vários exemplos disso por aí, como “Mamma Mia!” se basear nas canções do “ABBA” para seus números e história e “Singin’ in the Rain” ter apenas duas composições originais junto de outras antigas de Arthur Freed. A maior semelhança é com esse segundo caso: há uma coletânea de composições da mesma pessoa, Irving Berlin, algumas já utilizadas e outras estreando. Um dos números, lançado várias vezes a partir de 1933, dá título ao longa e serve como inspiração para o enredo centrado no anual desfile de páscoa de Nova York. Para quem achar o título da obra estranho, essa é a explicação.
Uma das grandes atrações da Broadway é a dupla de dançarinos, e também amantes, Hewes e Hale. Seu reinado termina quando Nadine Hale (Ann Miller) comunica ao seu parceiro que recebeu uma proposta para seguir carreira solo e que pretende aceitá-la, deixando Don Hewes (Fred Astaire) devastado pela traição da moça. Sua idéia de dar a volta por cima é provar para si e para Nadine que consegue pegar qualquer garota e transformá-la numa dançarina incrível e até melhor do que ela. Don encontra sua chance quando conhece Hannah Brown (Judy Garland) num bar.
A vantagem de analisar esse filme mais de 70 anos depois de seu lançamento é ter um risco menor de julgá-lo pior por já conhecer as canções. É como se um musical saísse num futuro próximo com “City of Stars”, “The Greatest Show” e “I Dreamed a Dream” no repertório. As pessoas reconheceriam de onde elas saíram e talvez pensariam menos por não se tratar de conteúdo original. Também pode acontecer de conseguirem reutilizar o material inteligentemente se houver bom senso de não usar nada muito famoso, imagino, e se um músico competente retrabalhar as canções em função da visão da nova produção. Se este é ou não o caso de “Easter Parade”, devo dizer que as escolhas e as arranjos criam uma ilusão de unidade narrativa e coesão das boas, sem deixar aparente as costuras de sua colcha de retalhos. É uma bela colcha, de qualquer forma.
Mais fácil é dizer que “Easter Parade” alcança o grande mérito de não ter nenhuma música ruim. São 16 no total e em nenhum momento senti que “até que essa presta”, “é passável” ou “não é das melhores”. Existem destaques, claro. A questão é que os números marcantes se sobressaem dentre outros também muito competentes, digamos que se nivela por cima sem nenhum ponto baixo servindo de destaque negativo. Dos excelentes, o filme traz um já no começo com “Drum Crazy”: Fred Astaire à solta dentro de uma loja de brinquedos usando tudo ao seu redor como parte de sua coreografia, tambores, uma criança, brinquedos e sua bengala em um fluído número que mais parece ser improviso de quem sabe o que faz. Ainda é acompanhado de “We’re a Couple of Swells” e “Stepping Out With My Baby” dentre alguns que elevam esse bem acima do musical padrão.
São ocasiões que surpreendem com uma musiquinha simpática e divertida de acompanhar mesmo sem saber as letras, com um ritmo de fazer o pé bater no chão e uma dança acrescentando algo mais para prestar atenção. Isso descreve muita coisa, e o resto? O diferencial do bom para o extraordinário pode vir de muitas formas e, curiosamente, ele não vem através de um destaque tradicional usando duração, orçamento e escala, mas de uma simples questão de competência em “Easter Parade”. “Drum Crazy” é recheado de improviso aparente e é muito lúdico, em sintonia com o cenário de uma loja de brinquedos e todas as possibilidades de brincar com os objetos, naturalmente. É um ótimo exemplo da conexão entre os diferentes elementos envolvidos num número musical. O medley de Vaudeville é diferente em seu sucesso, simples na execução e fluído por acelerar também a narrativa e transportar o espectador de um ponto até outro rapidamente.
E esses são apenas os melhores. Todo o resto é muito bom e não deixa os ânimos esfriarem nenhuma vez sequer. Até parece às vezes que “Easter Parade” é feito só de música, pois eles começam e terminam espontaneamente, não dependem daquele momento invisível que anuncia o começo de mais uma sessão de cantoria como se vê em tantas obras. O espectador chega a ser pego de surpresa pelo início de alguns números porque eles surgem do nado e nem sempre esperam muito tempo depois do fim de outro. São 16 números para 103 minutos de filme, um a cada 6 minutos mais ou menos. Parece excessivo, mas funciona muito bem e nem de longe se parece com “Les Misérables” e sua cantoria ininterrupta, mostra como não existe uma só receita ou limites para o gênero Musical. Idéias não convencionais podem funcionar tão bem quanto as já conhecidas.
Só não dá para exagerar e dizer que “Easter Parade” é revolucionário em todas suas áreas. Ele ainda é um produto de sua época. Mesmo se entregando à uma seqüência enérgica de canções, há um toque de familiaridade ali. O mais evidente é a presença de um tema de romance, por exemplo, usado sempre que esse tema específico deve ser elicitado. Mais clássica que essa técnica, impossível. Ter muitos números atrapalha um pouco a história porque eles não são sempre narrativos. Os que a avançam, apenas dão continuidade à idéia simples do homem tornado vira-lata desejando reconquistar sua mulher usando outra e as reviravoltas de um quadrado amoroso. É menos complexo do que pode parecer.
“Easter Parade” é um tipo de entretenimento diferente. Para um musical do final dos Anos 40, ele depende mais de um espetáculo de fora de sua época cria seu estilo nas convenções do Vaudeville de micro-espetáculos variados diante de uma audiência. Uma época e uma arte diferente são evocados em uma história ambientada em 1912, 36 anos antes do lançamento desse longa-metragem. Seja lá qual foi o trabalho na criação de arranjos novos, coreografias, interpretações, letras, duração e organização para reutilizar material existente em um musical jukebox, o esforço é mais do que notável para colocar a única e acidental colaboração de Fred Astaire e Judy Garland como um dos grandes musicais de todos os tempos.