Na última vez que tentei assistir a “The Rainmaker”, dormi nos primeiros 20 minutos. Não foi ruim a ponto de me entediar e entregar aos braços de Morfeu, foi apenas um grande infortúnio. Poucos dias depois, talvez no seguinte, o filme foi removido do catálogo do Netflix e ficou fora por um bom tempo. Foi só agora em minha viagem aos Estados Unidos que pude retificar o deslize de deixar passar um trabalho pouco comentado de Francis Ford Coppola. E valeu a pena, no geral. Foi bom para matar a curiosidade, bom o bastante em termos de competência e apenas um pouco infeliz que não seja um de seus melhores, o que talvez explique sua popularidade modesta.
Existem advogados demais por aí. Rudy Baylor (Matt Damon) sabe muito bem disso e, mesmo assim, não se deixa desmotivar, segue o caminho em direção à carreira dos seus sonhos. Com tantos aproveitadores, incompetentes e mentirosos no ramo, ele busca manter sua integridade e fazer aquilo que deveria ser a meta de todo profissional: respeitar e aplicar a lei para que a justiça seja feita para opressores e oprimidos. Mas não é fácil. Seu começo de carreira o leva a trabalhar com os mesmos indivíduos questionáveis a quem sempre se opôs. Sua alternativa é buscar fazer o melhor com o que tem quando um caso promissor aparece: uma família cujo filho sofre de leucemia e tem tratamento negado pelo seguro.
“The Rainmaker” é um drama de tribunal. Pode soar chato para alguns por ser, bem, mais um filme de advogado, embora acredite que a reputação do gênero em Hollywood está longe de ser negativa porque os exemplos mais fortes ainda tomam a frente. Vários envelheceram muito bem porque o estilo, a dinâmica argumentativa, continua mais ou menos igual e o clímax dentro da corte continua funcionando como o tenso momento em que tudo pode acontecer. Há ainda um diferencial aqui a ser encontrado na premissa básica: o protagonista está apenas se tornando advogado. Aliás, ele começa o filme na faculdade. Quão incrível é isso? Não muito se você é um estudante de direito na vida real porque, então, provavelmente sabe como se portam vários dos vaidosos futuros advogados. Em termos de enredo, é uma mudança bem interessante nas mãos de John Grisham, que escreveu o livro original, e de Coppola, que assina o roteiro.
“Judgment at Nuremberg” é um espetáculo de argumentação inflamada de ambos os lados; da acusação buscando elucidar as atrocidades do regime nazista para descer o martelo da justiça sobre a cabeça dos réus e da defesa tentando ajustar a punição para algo proporcional e direcionado. São os melhores juristas soltando faíscas num tribunal esperando para explodir. “The Rainmaker”, por outro lado, traz um novato e um ajudante dúbio enfrentando o maior caso de suas vidas. É a isca perfeita para criar uma situação de vira-lata superando grandes desafios, a situação improvável exaltando um sujeito comum. Felizmente, a história se mostra mais rica que isso ao não se entregar ao clichê e tratar seus personagens como aquilo que são, seres humanos falhos e, mais importante, pouco proficientes na tarefa que abraçam. Eles erram, gaguejam e se perdem como talvez um estudante faria num júri simulado de faculdade. Ou melhor, com o nervosismo de alguém que se importa substituindo a arrogância freqüentemente vista nos mais experientes.
As atuações sustentam a boa escrita e trazem aos personagens a naturalidade por trás de suas características definitivas, camuflando-as por trás das camadas de personalidade e trazendo a realidade um pouco mais próxima da história, especialmente para aqueles que consideram os famosos dramas de tribunal como uma fantasia de universitários. Parece que a tensão já não é mais algo tão cinematográfico e exclusivo para os personagens e situações criados especialmente para o cinema. Ela existe de uma forma diferente. Já não é um embate de gigantes, mas um que se apresenta desproporcional desde o começo. Entra Jon Voight como o tal advogado experiente em uma interpretação para fazer esquecer algumas de suas escolhas estranhas de papéis. Para quem nunca conseguiu esquecer que ele aceitou estrelar em “Superbabies: Baby Geniuses 2”, considerado um dos piores filmes de todos os tempos, foi uma ótima refrescada na memória para lembrar de coisas melhores como “Midnight Cowboy“. O resto do elenco não fica para trás e se coloca quase universalmente no patamar do bom gosto, do novato de Matt Damon ao sempre peculiar Danny DeVito e outros coadjuvantes menores em participações dignas de nota, incluindo Roy Scheider, Mickey Rourke e Teresa Wright em seu último filme.
Quase universalmente porque, bem, existe uma ovelha negra. E não no bom sentido de um elemento que se destaca do resto por ser ímpar em suas qualidades e não se misturar por isso. A subtrama romântica da história, além de ser a menos interessante também é a menos crível porque um dos atores envolvidos, Andrew Shue, entrega uma das piores atuações da história do Cinema em um filme cheio de ótimas performances. O que é um coadjuvante ruim entre personagens principais e outros coadjuvantes bons? Este é um exemplo de contraste ridiculamente alto e especialmente detrimentoso porque um elemento específico está tão abaixo dos outros que consegue por si destruir todas suas cenas. É até bizarro ver que os piores momentos da direção — poucos — acontecem também quando o tal infeliz está envolvido. “The Rainmaker” sofre como um todo porque um dos seus elementos, mesmo que pequeno, contamina da mesma forma que um alimento estragado deixa seu gosto em tudo que se come depois.
Ainda se esse fosse o único problema de “The Rainmaker”, talvez o impacto não fosse tão negativo. A trilha sonora também enfraquece e muito um dos lados de uma narrativa com duas faces: audiovisual. Ironicamente, o efeito fica ainda mais perceptível logo depois de assistir a “Wild Wild West“: um filme ruim melhorado pela sua ótima trilha sonora em contraposição a este filme bom piorado pela música. Chamá-la de pouco inspirada seria um elogio porque existem vários exemplos assim que ao menos cumprem sua função sem se destacar, seria algo medíocre ou funcional. A trilha sonora aqui é apenas ruim. Soa tosca, como se o compositor carecesse do tal ouvido musical para compor e apenas juntasse sons sem muito critério. Muito estranho porque é o mesmo Elmer Bernstein do faroeste de Will Smith o responsável aqui. Vai entender.