É sempre um grande prazer encontrar uma história que não se limita ao tempo entre o primeiro segundo e os créditos. O conflito familiar nutrido em longos, ocultos anos; possibilidades de futuro para os personagens a partir de seus estados no fim da trama… Há palavras não ditas e personalidades construídas fora de quadro. Numa ficção, isso é especialmente louvável, mas não é por isso que “Judgement at Nuremberg”, uma história baseada em eventos reais, perde seu brilho. A escolha de assunto revela outro mundo inteiro a ser explorado depois de um período repleto de conteúdo como a Segunda Guerra Mundial. Não bastassem evacuações gigantes, desembarques em território inimigo, catástrofes bélicas e holocaustos genocidas, ainda era necessário julgar os responsáveis.
Depois do fim da guerra, restou aos Aliados fazer algo em relação ao lado perdedor. A descoberta dos campos de concentração chocou as nações que não faziam idéia do que acontecia e demandou medidas apropriadas. Quatro juízes atuantes durante o regime nazista são julgados em um tribunal americano. De um lado, a promotoria liderada pelo determinado Coronel Lawson (Richard Widmark) quer provar que os alemães sabiam mais do que alegam e puní-los por isso. Contra ele, o Advogado de Defesa Hans Rolfe (Maximilian Schell) argumenta que os juízes não faziam as leis, apenas a executavam. Sem saber no que acreditar, o juiz-chefe Dan Haywood (Spencer Tracy) encontra-se num dilema por ver que a justiça não é feita de preto e branco como alguns acreditam.
Lembrando agora, acho que nunca me interessei por “Judgement at Nuremberg” no passado justamente pelo motivo que me faz gostar hoje. Ponderava sobre como alguém poderia realmente se interessar nas burocracias do pós-guerra sendo que toda a parte interessante já tinha acontecido. Na minha concepção, um campo de batalha povoado por cadáveres e com tiros ressoando dia e noite era incomparável com qualquer outra coisa que um tribunal poderia oferecer. Adicionalmente, os réus não eram oficiais de alto escalão ou os médicos que experimentaram em judeus — responsáveis de primeira mão — e sim juízes que trabalharam no período em que o Terceiro Reich esteve de pé. Hoje em dia, felizmente, minha visão mudou e pude abrir a mente para enxergar as coisas boas deste drama de tribunal. São contos diferentes feitos de elementos diferentes a fim de trabalhar temas diferentes. Não há como comparar objetivamente.
Além do fato de “Judgement at Nuremberg” ser baseado em fatos reais, notei uma grande inclinação à representar fidedignamente a realidade. Não me refiro apenas a uma verdade dramática construída pela competência do elenco na interpretação de seus papéis, mas a uma aparente busca pela realidade das coisas como elas aconteceram de fato. Um toque interessante da direção de Stanley Kramer apresenta as figuras principais falando suas línguas nativas antes dos atores tornarem o inglês a língua dominante. Contudo, esta transição não é arbitrária. Falar alemão no começo define nacionalidade e depois, mesmo quando o elenco todo fala inglês, os personagens alemães colocam os fones no ouvido para pegar a tradução simultânea do que está sendo dito, como se eles ainda estivessem falando alemão. Nos vários embates entre defesa e acusação, é impressionante ver como não deixam as circunstâncias atrapalharem este detalhe.
Este é um dos traços que constroem a identidade realista, mas não o mais importante. Este, sem dúvida, fica a cargo do elenco poderosíssimo. Em “Witness for the Prosecution“, meu drama de tribunal preferido, a magia provém da competência surpreendente do protagonista de Charles Laughton como jurista. Com argumentação sucinta e ousadia nas palavras, ele não deixa dúvidas a respeito do porquê consideram ele um dos melhores no ramo. Eficiente? Absolutamente. Realista? Não muito. “Judgement at Nuremberg” busca um caminho diferente. As posturas dos envolvidos no julgamento, independentemente de lado ou presença de tela, são essencialmente mais humanas. Não fossem os dinâmicos movimentos de câmeras dentro da corte, o idioma falado e as cenas fora do tribunal, poderia até dizer que trata-se de um documentário sobre o assunto, que captura os eventos em toda a sua força e magnitude sem tornar-se chato.
Esta energia vem do soberbo elenco cheio de estrelas. Algumas brilhantes, outras decadentes, mas todas competentes em sua representação de seres humanos sob pressão. Pouco importa o tamanho do papel, todos recebem a devida atenção do roteiro e um bom ator em sua vanguarda. Judy Garland é uma delas. Estranha ao sucesso de décadas anteriores neste ponto de sua carreira, ela entra em cena para uma relativamente breve aparição no posto de testemunha, encarnando a emoção na qual os juristas tanto se apoiam para tornar seus discursos mais potentes. É apenas natural, pois eles precisam disso. O grande diferencial da abordagem realista de “Judgement at Nuremberg” vem do fato de ninguém possuir o luxo do talento inestimável para tranquilizá-los. Eles devem tirar suor da testa e se esforçar para chegar em algum lugar. Ver Maximilian Schell atuando, que merecidamente recebeu o Oscar de Melhor Ator, é ver um advogado sofrendo a pressão de defender a reputação de homens maiores que ele. Sob uma expressão austera, ele esconde seu nervosismo antes de começar seu monólogo introdutório e entregar-se à emoção de seu discurso. Uma notável pausa para pensar no que dizer quando a situação complica é o que diferencia ele da confiança inabalável de Wilfrid Roberts em “Witness for the Prosecution“. De novo, diferente não quer dizer superior. Ambas as obras saem-se muito bem em suas propostas divergentes.
Do outro lado, Richard Widmark encarna o papel do promotor resoluto a vencer. A princípio, parece o mesmo de sempre: uma variação do promotor linha dura de George C. Scott em “Anatomy of a Murder“, por exemplo. No entanto, há uma função maior para tanta determinação em sair vitorioso do julgamento, muito maior que ditar um vencedor na suposta competição de acusação e defesa. Por trás da obsessão em colocar os juízes na cadeia, há uma profunda motivação política e pessoal, como um tipo de retribuição aos horrores praticados pelos alemães. Entretanto, ninguém apertou o gatilho que matou centenas de milhares de judeus nem foi coagido por forças maiores. Existe uma influência discutível a respeito da figura de poder dos juízes, entre eles um homem respeitado mundialmente por seu conhecimento jurídico. O embate começa direto ao ponto o bastante: um lado apresenta-se como obstinado e munido de atos questionáveis; o outro luta pela honra de homens respeitados em seus países. Depois evolui para iluminar certas facetas inicialmente ocultas e elaborar nas reais motivações de cada um, revelando considerações sobre a cultura da Alemanha antes e durante o Terceiro Reich, e até sobre o papel ambivalente dos Estados Unidos nesta série de julgamentos. No meio de tudo isso, ainda recai ao juiz-chefe de Spencer Tracy a palavra final desse grande debate. Qualquer decisão tomada seria acompanhada de críticas pesadas.
Meu único problema com “Judgement at Nuremberg” é o fato de não ser um filme muito dinâmico, apesar dos esforços de Stanley Kramer em manter a câmera quase sempre em movimento. Os resultados desta abordagem são mistos: em vários momentos, não acrescenta muito; em outros, atinge o efeito que um corte direto dificilmente teria ao circular o jurista a fim de capturar a testemunha pressionada do outro lado da corte. De qualquer forma, nem esses sucessos ocasionais fazem com que o longa seja menos vagaroso em seu ritmo. Comparado aos sucessos, todavia, não é um empecilho crítico. É fácil engolir um pouco de lentidão quando há uma riquíssima discussão política, moral e social sendo vivida por um elenco impecável.