“Wild Wild West” tem duas reputações: uma por causa da canção de Will Smith, que toca durante os créditos finais e cujo videoclipe teve atenção considerável nos tempos de MTV por ter sido a número um nos Estados Unidos; a outra tem a ver com o longa ser considerado um dos piores de todos os tempos. Baseado em uma série de televisão de sucesso durante os Anos 60, essa adaptação para o cinema ganhou fama por ter sido a produção mais cara até então, por Smith ter recusado o papel de Neo em “Matrix” para estrelar aqui e também por sua recepção crítica terrível, com nove indicações e cinco vitórias no Framboesa de Ouro.
Alguma coisa está terrivelmente errada e o presidente Ulysses S. Grant percebe isso quando os maiores cientistas do país são raptados. Ele recruta dois de seus melhores agentes para investigar as movimentações suspeitas de um ex-General da Confederação para descobrir quais suas intenções e se há alguma conexão com os desaparecimentos recentes. Um dos agentes é James West (Will Smith), o gatilho mais rápido, mais destemido e até imprudente do oeste, a pessoa perfeita para resolver problemas usando murros e revólveres. Seu parceiro é Artemus Gordon (Kevin Kline), seu completo oposto por tentar resolver seus problemas com a cabeça e as invenções mirabolantes que saem dela constantemente.
Que não haja confusão: “Wild Wild West” é ruim. Não vai ser esse texto a tentar argumentar que a recepção foi injustamente dura e que a reputação de um dos piores filmes de todos os tempos é exagerada. De qualquer forma, devo dizer que esperava menos. Este estava separado numa lista com os piores dos piores para variar um pouco a rotina e assistir a algo universalmente considerado ruim em vez de aclamado em várias listas, foi por isso que escolhi este faroeste esquisito em vez de outras opções mais bem faladas na lista do Netflix. É ruim, mas não é uma catástrofe cinematográfica do nível de coisas piores que tive o desprazer de ver, entre elas “Battlefield Earth”, “A Serbian Film” e “Halloween II”. Algumas poucas qualidades evitam que a experiência seja uma longa demonstração de estupidez e suas mais diversas formas. Arrisco dizer que é um exercício de explorar o conceito do mau gosto usando as possibilidades do cinema como arte.
É surpreendente que um veterano da Era de Ouro de Hollywood, presente em mais clássicos do que é possível citar em um pequeno parágrafo, esteja presente em “Wild Wild West” como compositor. E não é à toa que a música seja uma das melhores qualidades da obra, que falha no entretenimento visual e verbal enquanto a música consegue manter certo fluxo entre cenas para as barbaridades serem um pouco mais bem digeridas. Eis o efeito mágico de uma trilha sonora. Enquanto uma ruim pode estragar a ação, atuações precisas e o clima inteiro de uma cena, uma eficiente faz o efeito inverso e alivia a impressão negativa de uma cena feita com ação conveniente, diálogos ridículos e idéias absurdas. Em outras palavras, torna o filme mais assistível, o que talvez seja a qualidade redentora que evita uma avaliação ainda pior.
“Wild Wild West” diverte até. É mais do que se pode dizer de filmes ruins que deprimem o espectador por nem mesmo proporcionar o mais básico entretenimento da diversão, sentir que o tempo gasto está sendo minimamente bem investido. Tirando a parte de sanar a curiosidade sobre sua reputação, a obra por si faz um trabalho razoável. Nada digno de uma recomendação, apenas decente. Se fosse tão divertido assim, talvez a avaliação fosse um pouco melhor a despeito de todos os problemas. E eles são muitos. Explícitos. Duplamente falhos por também ficar claro que o filme acredita que está sendo muito engenhoso. É como quando alguém faz uma coisa tosca e depois se aplaude por isso com confiança total.
Isso é uma impressão subjetiva, claro, mas não deixa de ser um ponto importante e reforçado pela atuação de Will Smith, por exemplo, que interpreta um herói do Velho Oeste praticamente sem defeitos. Seu lado ruim é ser valente demais e às vezes arrogante por isso, másculo demais para bobagens como ser racional como uma pessoa normal. A primeira cena dele consolida essa aparência quando ele é apresentado fazendo amor com uma mulher numa caixa d’água enquanto tenta ficar de olho nos bandidos do lado de fora. Duplamente másculo por ser um garanhão sem esquecer do dever. Então segue uma cena de ação envolvendo zero risco, muita conveniência, James West pelado, piadas sobre pênis e um pistoleiro tão descolado que sua jaqueta é curta na medida para mostrar o abdômen sarado de Will Smith. É um nível de ridículo que a obra faz um esforço para não deixar ser esquecido.
Os diálogos são os piores. É como se tentassem reproduzir o humor de “Blazing Saddles” e suas piadas envolvendo racismo, guerra civil e clichês de faroeste sem o mesmo sucesso e com a adição do fator descolado. Cada fala é uma tentativa de parecer espertinho, seja um personagem diante do outro ou do filme diante da audiência, autoconsciente de sua tentativa encarada como sucesso. Simplesmente não funciona e muitas vezes é vergonhoso. A esperteza está mais para imbecilidade verbalizada e reforçada a cada vez que o protagonista troca farpas com o vilão, indiretas sobre o primeiro ser negro e o último não ter as duas pernas. Eis um exemplo perfeito para não deixar a crítica sem referência: “Bem, talvez a Senhora East previna que você seja um ESCRAVO de seu desapontamento”, “Você conhece mulheres bonitas, elas te encorajam em um minuto e CORTAM SUAS PERNAS no próximo”. E essa são apenas duas falas de uma conversa com seis delas, todas igualmente finas no humor.
Isso sem contar que a tal Senhora East é uma japonesa que tenta seduzir o Senhor West. East, leste, West, oeste, japonesa, negro… Certo. Então ela aproveita a oportunidade para dizer que East encontra West e, bem, é isso. Essa seria a oportunidade para deixar o trocadilho morrer, mas “Wild Wild West” faz questão de trazer à tona novamente para tentar lembrar o espectador de sua suposta astúcia e torna tudo pior. Com tudo isso, parece que nem faz muito sentido criticar a ação de lógica infantil e sempre maleável a favor dos mocinhos, infantil porque talvez se esperasse que o discernimento fosse assim para ignorar o absurdo. Por fim, uma história de bastidores talvez explique perfeitamente o grande fracasso. Jon Peters, o produtor, queria fazer um filme do Superman e colocar uma batalha contra uma aranha gigante no final. A idéia foi recusada e o projeto morreu. Anos depois surge “Wild Wild West” também produzido por Peters. Tudo por uma obsessão com aranhas gigantes. Se isso não é o avatar da visão artística, não sei mais o que é.
Em homenagem à personagem de Salma Hayek, que não tem nenhuma função na história, um parágrafo fora de contexto.