Não precisa pesquisar muito para descobrir que “Battlefield Earth” é universalmente considerado um dos piores filmes de todos os tempos. Longe de ser a continuação falha de uma franquia obscura que apenas meia dúzia conhecem, esta justaposição de fracassos é bem popular. Não é de graça também, afinal de contas John Travolta fez deste seu projeto pessoal, colocando milhões de dólares de sua fortuna para levar a coisa para frente. Além disso, o autor do livro que serviu de base, L. Ron Hubbard, é também o criador da religião Cientologia, que tem Travolta como seguidor. Não sei se a idéia era homenagear um ídolo, criar uma nova sensação da Ficção Científica, apenas ganhar dinheiro ou todas as anteriores. A única certeza é que o fracasso está em todas.
A história se passa no Ano 3000 e a humanidade encara seu milésimo ano de escravidão pelos Psychlos, uma raça alienígena que dizimou a sociedade moderna. As pessoas que restam são escravas ou exiladas, muitos vivendo quase como selvagens nas montanhas e nas florestas. Johnnie Goodboy Tyler (Barry Pepper) é um destes exilados e vive numa tribo que preza muito pela segurança. Eles e outras tribos, no geral, acreditam que os Psychlos são demônios e que os deuses eventualmente os salvarão se eles tiverem fé. Johnnie não acredita nessa história e decide ver o mundo além de sua tribo, eventualmente se envolvendo numa situação que pode salvar a Terra.
Muitos dizem que este é um daqueles filmes tão ruins que chegam a ser bons, mas a verdade é que “Battlefield Earth” foi tão ruim que minha vontade foi de morrer. Sabia que era mais fácil ganhar na loteria do que achar a experiência boa, só que no mínimo esperava me divertir mais com a ruindade alheia. Bem, sendo muito generoso, talvez alguns momentos perdidos aqui e ali possam ser vistos como a única parte boa aqui. A história estar muito longe de uma comédia não a impede de capturar perfeitamente uma característica do gênero: quebrar a expectativa de forma cômica. A diferença é que a risada não vem de uma piada, e sim de coisas como a atuação de Travolta, que no fim são a mesma coisa.
Inicialmente o choque — e talvez um pouco de humor — vem da incrível capacidade de superar os fiascos com outros ainda maiores. Em termos de roteiro, “Battlefield Earth” até segue a idéia teoricamente: o incidente incitante está logo nas primeiras cenas, dando uma boa idéia do que vem pela frente. Claro, o grande problema com isso é que o espectador prepara seu estoque de paciência em vez de se interessar pelo resto da trama. O primeiro contato, se posso dizer, é uma demonstração de como destruir o potencial dramático de uma cena, depois as coisas só complicam. Entra em cena Terl (John Travolta), um personagem que existe apenas para se afirmar repetidamente — e, claro, ser uma injeção de ego para o ator. Ele repetidamente levanta humanos pelo pescoço e os chama de cérebro de rato estampando um meio sorriso na cara, provavelmente se achando muito superior com estes grandes feitos. Ao menos isso funciona para ele, pois nos olhos do espectador a história é outra. O mais lamentável é que realmente haviam pessoas que acreditavam na qualidade deste filme. Pior, há quem acredite até hoje. O próprio Travolta disse há pouco tempo que é um filme lindo, bom e livre de arrependimentos, atribuindo o fracasso a uma confusão da crítica com suas crenças religiosas. Se este fosse o caso, acredito que não seriam poupados comentários sobre o assunto, como aconteceu com “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. A única coisa realmente positiva de “Battlefield Earth” é que sua fama não esconde seu tremendo mau gosto.
Indo além em sua empreitada de criar um épico, o diretor Roger Christian tenta empregar certas técnicas clássicas em sua direção para supostamente aprofundar os eventos. Não preciso dizer que ele também falha. A mais sutil dessas técnicas é o chamado jump cut — popularizado por Jean-Luc Godard — uma técnica que mostra tomadas de um mesmo objeto gravadas de posições que variam pouco. Numa cena logo no começo, o ancião da tribo conta uma lenda sobre deuses e demônios, eventualmente cortando para o desenho de um dragão na parede. Dessa situação apenas uma coisa se extrai: alguns erros são duros de absorver quando notados, outros são ainda piores quando sua intenção inicial é tão óbvia. Christian queria mostrar como o ancião e seu mito tinham poder, como o dragão era algo a se temer. Seu sucesso, por outro lado, é comparável ao de uma pintura rupestre diante de um quadro renascentista: é simplesmente estúpido. Mas a pior de todas essas tentativas não é o jump cut ou a câmera lenta, que também é péssima; o grande prêmio vai para a câmera inclinada, também chamada de ângulo holandês. Normalmente usada para indicar desequilíbrio ou instabilidade, a técnica tornou-se um ícone em “The Third Man” e até hoje tem tal obra como referência. De um lado o efeito intensifica o mistério de um cara perdido em Viena, em contrapartida este Sci-Fi grava passeios de cavalo e conversas casuais. Usado pontualmente o ângulo holandês pode amplificar o sentimento de tensão; do modo como ele é usado aqui quem fica desorientado é o espectador.
Vendo hoje é lamentavelmente cômico como John Travolta realmente acreditava em “Battlefield Earth”. “É como ‘Star Wars’, só que melhor”, ele anunciou na época. Não sei se essa afirmação pretensiosa chegou a enganar alguém, afinal qualquer coisa que necessite de uma publicidade agressiva assim tem algo a esconder. A propaganda dizia que os alienígenas seriam uma força a se temer, a realidade mostrou Travolta com dreadlocks, saltos plataforma e um enchimento suspeito no meio das pernas.