Confesso que estava um pouco receoso de assistir a “Die Hard” de novo. Considero um dos melhores filme de ação de todos os tempos desde a primeira vez que assisti, sempre concordando com os muitos que diziam o mesmo. No entanto, a última vez que vi o filme foi alguns anos atrás, talvez cinco ou mais. Será que nesse meio tempo, um site e mais de 900 análises depois, minha opinião havia mudado? A discussão recente a respeito de ser ou não um filme de Natal despertou a curiosidade para sanar essa dúvida e, embora eu tenha me atrasado para pegar a janela do Natal, ainda havia tempo para o Ano Novo.
John McClane (Bruce Willis) vai de Nova York até Los Angeles para visitar sua esposa na festa de natal de sua nova empresa, a mesma que a trouxe até a costa oeste e deixou a situação mal resolvida entre o casal. A conversa com Holly (Bonnie Bedelia) vai mais ou menos como o esperado e a lugar nenhum exatamente. Mas tudo muda rapidamente quando tiros são ouvidos do salão principal da festa. Terroristas invadem o edifício e tomam todos os convidados como reféns sem dar nenhuma pista a respeito de suas intenções. McClane sabe o bastante para fazer algo a respeito: elas definitivamente não são boas.
A premissa realmente não é das melhores, parece simples demais num tempo em que o gênero é dominado por super-heróis, ou melhor, uma dúzia deles ao mesmo tempo no último grande evento cinematográfico da Marvel, “Avengers: Endgame”. Qual a graça de um prédio tomado por terroristas quando Thanos mata metade da vida na galáxia e os heróis se juntam para o derrotar em uma última grande luta pelo destino do universo? Até mesmo a série “Die Hard” provavelmente reconheceu a demanda quando aumentou sua escala com cada novo lançamento: no primeiro, John McClane salva um prédio; um aeroporto em “Die Hard 2”; Nova York inteira em “Die Hard with a Vengeance”; e o país todo em “Live Free or Die Hard”. “A Good Day to Die Hard” não existe. Enfim, o que parece um problema é, na verdade, o charme da história por começar tão casualmente que sequer parece grande coisa num primeiro momento.
O lado mais interessante de “Die Hard” é como tudo começa como um dia qualquer e se transforma em algo bombástico usando uma referência mais ou menos realista, afinal não é todo dia que seu vizinho ou seu irmão são tomados como reféns quando vão ao trabalho. Claro, num universo fantasioso isso não passa de uma cena entre outras dezenas de outras situações mais graves como um planeta inteiro explodindo, mas aqui funciona surpreendentemente bem porque o começo inteiro é construído de forma que a invasão terrorista aconteça realmente de uma cena para outra. Até mesmo o herói é pego de surpresa e não tem tempo de criar um plano para desarmar a situação de um modo inteligente e só seu. Se fosse um filme pior, talvez a solução seria algo como sair atirando antes e pensar depois contra um número superior de inimigos.
Mas não, John McClane é apenas um homem que estava em sua folga, que acabou de brigar com sua esposa e está meio perdido numa festa onde não conhece ninguém e provavelmente não gostaria muito se conhecesse. Ele é um cara normal, nada como os policiais super-heróis que nunca tomam tiros e continuam de pé se tomam. Foi um dos principais motivos pelos quais a crítica elogiou e continua elogiando “Die Hard”: a noção de risco é diferente porque não há aquela certeza de que o protagonista consegue fazer qualquer coisa bem o tempo todo. Há muito improviso envolvido, elementos pequenos fazendo a diferença porque o protagonista é mais humano do que costuma ser comum no cinema, então praticamente qualquer coisa se torna uma ferramenta útil nas mãos de quem sabe o que faz.
Assim, “Die Hard” se constrói inicialmente de pequenos momentos, respeitando o conceito de progressão até mesmo nas menores cenas de ação a fim de que os grandes momentos sejam impactantes de fato. Isso não só por comparação, pois dessa forma seria apenas uma questão de entregar algo qualquer no começo e só investir nas cenas mais importantes perto do final. O desafio é construído de forma que até os primeiros obstáculos sejam relevantes por si, sempre coerentes com os planos do roteiro de não mostrar as intenções dos terroristas já no começo para não deixar a situação clara demais muito cedo, até porque o plano deles não é tão simples. Tudo se organiza de forma que as revelações dos planos, as principais cenas de ação, as complicações e as demonstrações de vilania se apresentem mais ou menos ao mesmo tempo. É um roteiro comparativamente bem mais inteligente que a maior parte do gênero. E simples também, sem ter que flertar com cenários fantásticos como a distopia de “Mad Max” ou a viagem no tempo de “Terminator 2: Judgement Day”.
A simplicidade faz o sucesso de “Die Hard” se exaltar em um gênero conhecido por seus exageros, que cada vez conhecem menos limites conforme a tecnologia permite que o impossível aconteça. Simplicidade bem dirigida, vale notar. Não é a simples falta de megalomania que define a competência aqui, John McTiernan na direção faz muito com pouco e faz de um policial descalço armado com uma pistola um dos maiores ícones do gênero até hoje. O humor sempre bem colocado e a postura de desespero relaxado de Bruce Willis apenas contribuem para uma obra que acerta nos básicos e mantém o sucesso também em todo o resto. O vilão de Alan Rickman é diferente também, fugindo dos dois extremos do vilão invencível e do excêntrico demais a la James Bond, normal o bastante com espaço para algumas ótimas frases de efeitos aqui e ali. E sem esquecer do coadjuvante aliado, aqui interpretado carismaticamente por Reginald VelJohnson. O sucesso foi enorme. Claramente planos para mais foram feitos e, não surpreendentemente, várias das maiores qualidades aqui marcaram presença nos outros também como um tipo de fórmula. É o que acontece em Hollywood quando algo dá muito certo.