“Caddyshack” é o resultado de algumas histórias de adolescência, a presença do editor de uma das maiores revistas de humor da época, os melhores comediantes do país e muita cocaína. Quem assistiu a “A Stupid and Futile Gesture” vai se lembrar quando o protagonista menciona vários detalhes curiosos sobre a produção, inclusive as pausas para filmagem entre sessões de drogas. Poderia ter dado muito errado e talvez desse se a equipe não fosse tão forte. Curiosamente, em nenhum momento parece que isso atrapalha a afinidade humorística da equipe; se ajuda, também é uma incógnita. O que importa é que o resultado é esperado de uma reunião de talentos unida sob a direção de Harold Ramis em sua estréia na posição.
O Bushwood Country Club é um lugar onde pessoas ricas e com tempo livre se reúnem para partidas de golfe, um lanche ocasional, bailes de jantar e um belo bate-papo para colocar o assunto em dia. O Juiz Elihu Smails (Ted Knight), co-fundador do clube, mantém as coisas em ordem no lugar ou, pelo menos, tenta deixar tudo o menos maluco possível enquanto um funcionário trava guerra contra uma marmota e os freqüentadores fazem uma bagunça. Danny (Michael O’Keefe) tenta cair nas graças do Juiz Smails para conseguir uma bolsa de estudos para a faculdade, mas isso fica difícil quando Al Czervik (Rodney Dangerfield) chega com total desprezo pelos bons modos e costumes do clube, entre outras loucuras.
É difícil traçar uma premissa exata porque, bem, não existe uma exatamente. Eu já conhecia o filme por reputação e quando decidi assistir não pude deixar de ler a sinopse no Netflix que dizia algo sobre um ricaço que instaura o caos num clube do golfe quando chega querendo comprar o lugar. No entanto, existe exatamente uma fala em todo o filme sobre tal compra e ela é dita ironicamente, dificilmente o que os dramaturgos e teóricos poderiam chamar de espinha dorsal da obra. Isso retoma Jerry Lewis e “The Ladies Man“, um ótimo humorista estrelando seu próprio filme de comédia. O pecado nesse caso foi fazer dele um grande conjunto de piadas sem muito conectando-as em um grande todo coeso; descrição que poderia se aplicar também a “Caddyshack” com exceção de que ele se sai um tanto melhor.
Douglas Kenney, editor da revista National Lampoon, fez seu nome escrevendo artigos, histórias e anedotas sobre todo e qualquer assunto em pequenos trabalhos; Chevy Chase chegou a trabalhar com Kenney na National Lampoon e mais tarde com Bill Murray no “Saturday Night Live”, além de fazer comédia stand-up como Rodney Dangerfield. Em outras palavras, são todas formas de comédia episódica, seja nos esquetes dos episódios semanais ou nas várias piadinhas curtas que compõem um show inteiro. Um roteiro de cinema já é outra criatura completamente, normalmente regida por princípios como premissa, atos, subtramas e alternância de valor a cada cena. Não é como se as duas fossem completamente incompatíveis, mas há certa discrepância na forma como as duas funcionam e, com isso em mente, às vezes a união dos dois pode acarretar o que se vê em “Caddyshack”: 98 minutos de revezamento de piadas envolvendo personagens diferentes. E funciona!
Como se pode esperar, “Caddyshack” é uma coletânea de piadas unidas por um mesmo ambiente. É um filme de golfe ao mesmo tempo que não é, pois a importância do esporte para a narrativa é tão grande que poderia ser um filme sobre futebol e não se perderia nada, até mesmo a marmota poderia continuar existindo. O elo é simples, sequer pode ser chamado de unificador de algo para além de estabelecer geografia e um pouco de contexto. Não é o ideal, mas é o bastante. A diferença se nota na qualidade das palhaçadas em si. Sem as tiradas e os momentos em que a risada escapa no virar do segundo não seria a mesma coisa. Definitivamente foi peculiar assistir durante um vôo longo com gente dormindo em volta, segurando risos que quebrariam o silêncio mortal da aeronave.
Não há um personagem passível de crítica pesada aqui. Talvez Danny, o relativo protagonista, seja o mais morno de todo o elenco por não ser um cara lá muito engraçado ou interessante, sua única tarefa é ajudar a unir os pedaços soltos da narrativa com sua companhia mais ou menos constante ao resto dos personagens. Ele ajuda Ty Webb (Chevy Chase) carregando seus tacos, quer conseguir a bolsa de estudos por meio do Juiz, conquistar sua bela sobrinha e ainda tem vários colegas dentro do clube. Então uma coisa leva à outra: os grandes jogadores têm a oportunidade de aparecer sem ser de um jeito completamente gratuito e fazer seu melhor para arrancar umas risadas com as idéias mais absurdas.
Não é à toa que Rodney Dangerfield tenha estourado na mídia depois de “Caddyshack”. Depois de uma ponta num filme pequeno e de seu trabalho nos palcos de stand up, o comediante encontrou aqui um papel em que poderia criar uma bela justificativa para se firmar um dos melhores humoristas de todos os tempos. O homem é simplesmente engraçado, não há muito o que dizer. Suas roupas coloridas e espalhafatosas são apenas o detalhe mais tosco de um homem que consegue fazer a menor das falas soar engraçada. “E daí? Então vamos dançar!” é exemplo mais besta de todos e possivelmente o mais sem graça fora de contexto; a fala é tão súbita e gratuita que é difícil não abrir um sorriso quase por impulso e depois voluntariamente quando se vê a reação hilária de Ted Knight. Em outros momentos, o holofote passa para a insanidade com retardo mental de Bill Murray, ele vivendo em seu próprio mundinho, tentando matar a marmota ou simplesmente falando asneiras. E assim por diante, cada turno é ocupado com excelência por gente especialista na arte do riso.
Ao mesmo tempo, cenas como a da piscina retomam o espírito satírico da National Lampoon de escolher alguma obra popular e distorcer em prol da palhaçada. Também faz parte da grande mistura de ingredientes que é “Caddyshack”. No geral, é um filme de piadinha atrás de piadinha, como se fosse um show de comédia com uma em seguida da outra sem muita preocupação com uma história por trás de tudo. Faz falta uma trama mais sólida? Não exatamente. Também não seria algo a se reclamar, certamente acrescentaria mais substância a uma obra de vários méritos, que do jeito que se apresenta já é uma experiência divertida e tanto.