Antes de qualquer coisa, Jerry Lewis foi um dos grandes comediantes a pisar na Terra. Seu trabalho com, bem, todas as mídias fez barulho e frequentemente trouxe consigo uma recepção calorosa dos fãs e da crítica. Infelizmente, não posso dizer que minha proximidade com o trabalho do comediante é muita por ter visto apenas algumas apresentações soltas na internet e sua incrível participação em “The King of Comedy“, um trabalho que mostrou sua capacidade de ser tão sério quanto cômico e cômico enquanto sério. Por si, o filme de Martin Scorsese já havia deixado uma impressão memorável, então foi apenas natural buscar mais quando “The Ladies Man” foi anunciado na programação do 7º Olhar de Cinema.
A história acompanha Herbert H. Heebert (Jerry Lewis), um garoto de família estudioso e dedicado, ainda que não exatamente um gênio. Ele finalmente se forma e espera entrar nessa nova fase da vida com sua linda namorada, mas então descobre que ela o abandonou por outro cara. Sua decisão é largar mão de todo e qualquer tipo de contato com garotas; Herbert não quer mais saber delas e prefere se manter o mais longe possível. Mas quando finalmente arranja um emprego, nunca imaginaria que entraria numa enorme pensão só para mulheres.
E bota enorme nisso. A ambição da produção de “The Ladies Man” apresenta-se principalmente na forma do gigantesco set construído para simular a pensão. No estilo casa de boneca, com um corte no meio da estrutura para mostrar o que há dentro dos cômodos e evidenciar a estrutura do local, o cenário coloca-se como um colosso dentro de um filme de comédia bobão. Tanto é que, em seu tempo, foi o set mais caro construído para um filme de comédia de família, algo leve e despretensioso para assistir num domingo à tarde. Seria um exagero? Uma luxúria feita para elevar a popularidade da obra de alguma forma? Uma curiosidade utilizada para tomar espaço numa análise que poderia falar de outras coisas? Não exatamente. Há uma razão boa para isso e um diretor que sabe exatamente o que fazer com uma câmera e muito espaço. Ninguém menos que o próprio Jerry Lewis, dirigindo e estrelando o longa.
Não é só uma pensão, mas uma pensão gigantesca cuja fachada não faz jus ao terreno dos fundos. Claro, não dá para levar isso literalmente e dizer que é de fato o que acontece porque a geografia do imóvel não é exatamente a prioridade de “The Ladies Man”. De qualquer forma, é difícil ter idéia do quão grande a casa é inicialmente. O protagonista começa visitando a porta da frente, um cômodo na sequência e só mais adiante vendo gradualmente o espaço grandioso enquanto sobe lances e lances de escadas. Então entra uma sequência genial como continuação, clímax e conclusão de toda essa apresentação de cenário, tão boa que chega a ser raso definir como uma forma de situar o espectador. Com certeza é mais do que isso. É também uma ironia que mostra que as garotas do lugar passam tranquilamente da meia dúzia e chegam nas cinqüenta. Para quem não queria ficar a menos de 50 metros de uma mulher, a situação ficou bem feia.
Tal momento, por mais que possa parecer exagero elogiá-lo tanto, define bem os sucessos da obra sendo seu ponto alto. Acontece o que se pode chamar de uma harmonia cinemática: enquanto a câmera passa de cômodo em cômodo, personagens seguem rotinas narrativamente coerentes acompanhados de uma trilha sonora que se modifica com alguns movimentos deles. Em outras palavras, o diretor leva a audiência em um safári pela pensão cheia de garotas acordando, cruzando de um lado para outro em fila, fazendo seus rituais matinais enquanto a trilha de fundo associa as batidas de um surdo às passadas da governanta, sopros de flauta ao pentear de cabelos louros e assim por diante. Talvez seja isso que tenha fascinado tanto os franceses no passado, a tal mise-en-scéne como um aspecto evidentemente funcional da obra. Lewis foi frequentemente exaltado pelos críticos franceses como alguém muito proficiente como diretor de si mesmo e de seus filmes. E realmente, se essa cena for colocada no centro de uma análise sem outros poréns, pode parecer que “The Ladies Man” e Jerry Lewis são ambos geniais.
Infelizmente, há uma razão, por assim dizer, para os americanos não enxergarem a genialidade de Lewis. No caso de “The Ladies Man”, o problema é uma falta de união entre todas as peças que compõem o filme como um todo, longe de ser algo como não encontrar o mesmo sucesso da sequência acima no resto da obra. Claro, seria ótimo ter o mesmo nível de competência no longa inteiro, mas não constitui um problema por si porque é um padrão bem alto a ser atingido. As outras cenas até tentam equiparar sem sucesso, porém não quer dizer que alguns resultados falhem em sua função de arrancar risadas. Várias cenas, unidades melhor descritas como piadas, aproveitam a variedade para trazer algo novo à mesa e engrossar o caldo, tornar o pesadelo de Herbert ainda mais cômico. De chamar George Raft para uma participação especial até usar a comédia absurda em conjunto com truques de edição, as ferramentas frequentemente impressionam pela criatividade.
No entanto, quanto mais perto do final da história, mais perceptível é a total ausência de um enredo minimamente sólido. Parece que os fatores são várias piadas e uma idéia vaga de premissa, ao passo que o produto é um roteiro fraco e sem substância narrativa. Existe competência técnica, boas piadas e a interpretação de Lewis dando vida ao que poderia ser uma coleção de tentativas falhas de comédia. Porém enfim chega a hora em que até a criatividade e as boas idéias se esgotam e o filme parece se autoparodiar, entrando numa rotina de improviso que seria mais apropriada como aquecimento para algo melhor. “The Ladies Man” tem alguns pontos muito altos e outros de humor autoconsciente e expositivo que não se safam como comédia competente, resultando em algo que está longe da genialidade. Não foi aqui que entendi por que os franceses amam Jerry Lewis.