Quem fala que Quentin Tarantino é o cara quando das referências a clássicos provavelmente não viu o que Edgar Wright faz com “Hot Fuzz”. Ou melhor, se viu continua mantendo a opinião de antes porque a discrepância na aplicação da mesma idéia é diferente. Ambos buscam fazer homenagem e usar elementos já utilizados antes em um novo projeto, às vezes até pegando falas ou cenas inteiras e aplicando de uma outra forma. Sendo a segunda parte da chamada Trilogia Cornetto, este longa busca inspiração nas centenas de filmes de ação das décadas anteriores para satirizar ao máximo certas coisas que se tornaram clichês. Sempre mantendo um quê de carinho pelo conteúdo, nasce o que pode ser chamado de sátira do bem. Só não funciona tão bem assim.
Londres é uma cidade extremamente mais segura por causa de uma pessoa: Nicholas Angel (Simon Pegg). Ele é o melhor policial que já existiu na história da Inglaterra, contando vitórias desde as fases de treinamento até o dia-a-dia patrulhando as ruas e mantendo um recorde de prisões. O protocolo é praticamente a tabuada para ele, que apenas está feliz demais em fazer seu trabalho. Só o resto da força policial não gosta de ficar mal perto dele e faz com que Nicholas seja transferido para um vilarejo no interior com taxa zero de criminalidade, sem nem mesmo uma infração para reportar. Exceto por uma coisa: ninguém acha estranho uma série de mortes violentas acontecerem e depois serem consideradas acidentes. Apenas Nicholas Angel, o grande policial, percebe que pode haver algo errado.
Edgar Wright é um cara engraçado ou, no mínimo, faz filmes engraçados. Este caso não foge à regra e funciona na maior parte do tempo como uma sátira aos filmes de ação e policial antigos, os responsáveis por criar os clichês amplamente conhecidos hoje. Por exemplo, mesmo quem nunca viu “Stallone Cobra” conhece uma ou outra cena, talvez a dublagem clássica e sua tradução magnífica de alguns bordões do personagem. O fato é que existe o estereótipo do policial invencível, alguém forte e inteligente que não pode ser parado nem mesmo por balas e chances mínimas, um papel perfeito para os brutamontes como Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, chamados certa vez de efeitos especiais ambulantes. Então “Hot Fuzz” escolhe Simon Pegg e seus 25% do peso de um astro de ação.
Não faz sentido nenhum e isso é ótimo. Uma comédia nem sempre deve estar de acordo com a realidade, embora “Hot Fuzz” ironicamente esteja por não concordar com o clichê. É infinitamente mais comum encontrar um policial magrinho ou fora de forma num uniforme apertado que dá a impressão de que ele é forte. Definitivamente não é todo dia que se vê um cara de 1.88m e 110kg de puro músculo, cabelo puxado para trás e óculos aviador espelhado. Independentemente disso, trata-se de uma realidade cinematográfica em que Simon Pegg não é a primeira pessoa lembrada quando o assunto é um herói de ação, tornando toda a situação mais engraçada por ele encarnar as qualidades do estereótipo sem ter a aparência. Daria até para dizer que ele é o almofadinha que passou em todas as provas e se destacou, aquele que os professores falavam que seria o chefe dos outros no futuro.
Outros elementos de destaque incluem Nick Frost como outro policial totalmente fora do padrão e da faixa saudável do Indíce de Massa Corporal, um grande bobão que alimenta constantemente o repertório de palhaçadas sobre tudo e qualquer coisa. Timothy Dalton chama a atenção como um canastrão de terno e gravata, só faltando torcer o bigode toda vez que abre a boca para colocar os diálogos espertos do roteiro em prática e levantar as suspeitas do espectador. Chega perto sem passar do ponto, é o limite do aceitável certeiro na veia cômica do personagem, o que faz pensar no porquê Dalton não faz mais filmes sendo tão bom ator. “Hot Fuzz” funciona como comédia no que diz respeito ao micro-roteiro — as falas, pequenas brincadeiras e cenas individuais — e ao elenco. No resto, os deslizes começam a aparecer.
A direção, para começo de conversa. Ao mesmo tempo que as criações inteligentes de Edgar Wright são a alma de sua comédia, assunto amplamente comentado em artigos e vídeos por aí, elas também são responsáveis pelos problemas. “Hot Fuzz” não se limita a um jeito ou outro de criar humor, apenas piadinhas faladas ou apenas comédia física, há um pouco dos dois e às vezes os dois ao mesmo tempo construindo isso. E funciona quando funciona. Isto é, as partes funcionais dão muito certo e fariam deste um excelente filme se fossem constantes, mas não são. Wright se mostra muito adepto à montagens aqui, uma técnica que funciona e pode ser narrativamente muito prática para transmitir muito conteúdo em tomadas rápidas. Ela até se encaixa no estilo dele de associar imagens ao som, cortando em deixas sonoras ou ao som de uma música, sincronizando movimento em duas cenas diferentes para fazer uma transição fluída. No entanto, ele repete muito o mesmo truque. Os melhores exemplos estão no começo, principalmente em uma excelente sequência do protagonista pegando o trem até o vilarejo. Mais tarde fica batido e chato, repetitivo. Não gratuita por haver um propósito identificável por trás da técnica, apenas ineficiente. Bater tantas vezes na mesma tecla passa a impressão de que o filme está tentando demais ser engraçado e isso nunca é bom.
Uma coisa é fazer piadinhas o tempo todo, outra é tentar fazer todas as cenas serem engraçadas. Particularmente, o clímax de “Hot Fuzz” era para ser o ápice da sátira do arsenal humano e até tem as idéias certas para chegar lá. A execução eventual destoa de tal caminho com seu festival de cortes rápidos e exageros violentos pouco impactantes, bem diferentes daqueles vistos no trabalho de Quentin Tarantino, aproveitando o paralelo de antes. Talvez o ritmo insano da Edição seja proposital para criticar um estilo dominante no gênero, imitar para exacerbar um problema e estabelecer uma crítica, de certo modo. Não funciona como planejado. Existem boas idéias aqui, uso evidente e não descarado de referências na construção de uma grande sátira e um elenco apoiando isso. Se não fosse a direção repetitiva e alguns exageros, talvez a experiência fosse mais como seus melhores acertos.