Há muito mais do que as obras famosas em Billy Wilder. É fácil lembrar dos grandes Noir, “Sunset Boulevard” e “Double Indemnity“, e das clássicas comédias como “Some Like it Hot” e “The Apartment” porque seus sucessos marcaram época e presença forte nas premiações, além de serem muito boas de fato. É claro que nos espaços há muito para ser visto, obras até obscuras para o grande público. “Love in the Afternoon” é algo assim por não ser a mais popular parceria de Wilder com Audrey Hepburn ou a mais conhecida comédia romântica deles. Em ambos esses casos, “Sabrina” seria a alternativa mais popular e, curiosamente, não tão boa. Mesmo a escolha discutível de Gary Cooper como par romântico de Hepburn levantando sobrancelhas não chega a estragar os méritos de uma história tão apreciável por sua direção criativa quanto pelo conteúdo de sua história.
Paris é uma cidade repleta de amor em todos os cantos. Há gente amando, fazendo amor e sofrendo dentro dos cafés, fora deles, nas calçadas, nas ruas, no gramado e em todo o resto. Ariane Chavasse (Audrey Hepburn) ainda é jovem e não sabe direito o que é amar alguém de fato. Diferente dela, seu pai Claude (Maurice Chevalier) conhece bem todos os tipos de amor e muitos outros, sua profissão de detetive trouxe tal conhecimento até ele. Ariane se diverte fuçando os arquivos do pai, mas um dia descobre algo que a coloca no caminho do charmoso Frank Flannagan (Gary Cooper), que logo coloca seus olhos na pequena garota.
Gary Cooper tinha 56 anos no lançamento de “Love in the Afternoon”. Ele interpreta um milionário empreendedor que passa seu tempo viajando pelo mundo enquanto o trabalho fica para as horas vagas em que não está dançando à luz baixa com alguma garota deste país ou daquele. Nada de errado até então. Há vários exemplos de homens que gozam de vidas de solteiro na meia idade e até depois dela, por que não um homem boa pinta com dinheiro no bolso? Só há um outro detalhe chamado Audrey Hepburn com 28 anos de idade, metade de seu parceiro de cena. Acontece algo parecido em “Charade“, no qual Cary Grant, com 58 anos, se mostrou preocupado por ser 25 anos mais velho que Hepburn, com 33. Mas como se sabe, quanto mais velho o casal, menos a matemática vale e a diferença fica menor. Com isso em vista, este é um caso à parte.
Quanto isso influencia a história? Depende muito do espectador. É inegável o fato do par romântico ser central para o roteiro, logo não se pode simplesmente ignorar o assunto. Se o espectador decidir enxergar que a garota parece ter menos de 28 e que o homem está na casa dos 60, será difícil engolir o envolvimento como algo diferente de uma relação entre pai e filha muito errada. Vendo fotos de produção, achei evidente a diferença entre os dois; vendo o filme, a impressão foi bem diferente. “Love in the Afternoon” transcende os fatos e mostra como o poder de uma narrativa esperta pode flexibilizar a percepção do espectador a fim de que ele veja o que o filme quer que ele veja.
“Love in the Afternoon” começa com decisões simples de não evidenciar explicitamente a idade de Gary Cooper. Os close ups em seu rosto são pouco comuns e até mesmo as tomadas mais próximas não capturam as feições do rosto com absoluta clareza. São poucos os momentos em que se pode dar uma boa olhada no rosto do ator e perceber que ele poderia ser pai da menina. Ironicamente, o ator demonstra total compromisso com o personagem e a proposta de ele se envolver romanticamente com uma jovem. Ele não deixa a idade se tornar uma barreira para si, não se reprime na interpretação de um personagem escrito de forma conveniente para este obstáculo. Ele não morre de amores por ela, deixa falar mais alto sua experiência com dezenas de outras garotas da vida e transmite a segurança que isso traz, sem medo algum de encontrar algo na garota que já não tenha visto.
É apenas natural que um homem aja sem medo perto de mulheres conforme fica mais velho, assim como é comum meninos temerem meninas e suas reações no começo da vida amorosa. Tão logo que se perde o medo do desconhecido e da rejeição, a tranqüilidade e a despreocupação passam a dominar o comportamento de um homem que se sente livre para agir naturalmente. É usando de um contexto real que Cooper contorna muito da situação complicada em que está, agindo como um ator veterano perto de uma atriz há apenas poucos anos no mercado com até um toque de condescendência apropriado para a relação amorosa discrepante. Já Hepburn tem mais liberdade para agir sem restrição, encarnando sua persona de garota curiosa, ousada e diferente da maioria de uma forma ou de outra. Neste caso, é seu desinteresse por seu presunçoso amigo Michel — a notável alfinetada no clássico estereótipo do francês intelectualóide — já que o garoto supostamente tem todas as qualidades que ela apreciaria. Hepburn não tem muito para fazer de diferente em “Love in the Afternoon” além de evocar seu charme juvenil e tentar escondê-lo ao mesmo tempo para não soar ingênua demais perto do rapaz vivido.
A história é simples e funcional. Descrevê-la palavra por palavra apenas deixaria essa qualidade mais clara porque, bem, trata-se do desenvolvimento de um romance peculiarmente ambientado nas tardes parisienses. E não é só isso. A presença de Maurice Chevalier como o detetive pai da moça faz toda a diferença na dinâmica de criar pequenos detalhes para deixar a conquista e o envolvimento mais interessante, assim como criar pequenos e grandes obstáculos ao longo do caminho. Sua carismática performance, como sempre, é um prazer a mais na experiência. Mas o que faz a diferença mesmo em “Love in the Afternoon” é a direção de Billy Wilder na criação de gracejos visuais recorrentes e verdadeiramente divertidos, artifícios que aproveitam ao máximo o que o cinema pode oferecer: imagens. De um yorkshire latindo a um carrinho de bebida, Wilder mostra que ver uma piada acontecer pode ser tão bom quanto ouvir uma bem contada.
No fim das contas, talvez William Holden fosse uma melhor escolha para interpretar o papel de um playboy bem-apessoado com gosto para conquistar garotas. O único problema seria a similaridade de seu personagem em “Sabrina“, mas não é como se atores não repetissem papéis e parcerias. De qualquer forma, Gary Cooper entrega uma interpretação que, junto de outros elementos, chama a atenção para sua qualidade e como eles fazem “Love in the Afternoon” ser uma experiência tão boa, não para seus detalhes questionáveis.
2 comments
Tem inúmeros filmes de 2019 pipocando por aqui . Vc poderia falar deles é não sobre clássicos que já tem inúmeras resenhas
Oi, Elze, tudo bem? Desculpe por qualquer coisa, é que os clássicos às vezes são uma tentação grande. hehe Pode ficar tranquila que semana que vem já tem análise de “Coringa”. Abraços.