A primeira vez que assisti “Era Uma Vez no Oeste” foi um tanto diferente da mais recente. Havia achado o filme muito bom, mas não sei se por falta de interesse ou por sono acabei não gostando tanto quanto nesta última vez; não havia entendido muito bem algumas motivações e reviravoltas, havia apenas absorvido o conteúdo cru desta obra. Ainda que entender o que se passa não seja lá muito difícil, prestar atenção nos detalhes e nas sutilezas é o que faz com que esta obra seja um dos melhores Faroestes da história, em vez de apenas um bom filme.
Saindo de Nova Orleans, a pomposa Jill (Claudia Cardinale) muda-se para Utah para morar com seu novo marido. Lá ela encontra ele e sua família aguardando sua chegada em mesas de piquenique, cada um com um projétil de bala dentro do corpo. O acusado é Cheyenne (Jason Robards), um criminoso conhecido da região, embora desta vez ele não realmente não tenha sido responsável. Ao mesmo tempo, o misterioso Harmonica (Charles Bronson) chega na cidade para acertar as próprias contas com Frank (Henry Fonda), o mais provável autor da carnificina.
Mais uma vez Ennio Morricone é a cabeça por trás das melodias, entregando a qualidade que se espera quando se fala em seu nome. As músicas do compositor continuam boas, mas parecem ser usadas de maneira despreocupada. É como se o tema de James Bond fosse usado o tempo todo durante os filmes em vez de apenas ocasionalmente. No primeiro caso o tema logo perde seu senso de novidade, enquanto no segundo ele dá um impacto à cena que acompanha. Não é como se as melodias fossem ruins ou anti-climáticas, pelo contrário, seu número reduzido acaba fazendo com que bons temas sejam usados em cenas menos relevantes, o que aumenta sua frequência e diminui seu impacto.
Conforme os Anos 70 se aproximavam, o Faroeste começou seu declínio. Por muitas décadas ele foi um dos gêneros mais populares do Cinema, mas a quantidade de filmes com temáticas similares acabou saturando o mercado de tais obras. Curiosamente, algumas das melhores entradas do gênero — como “The Wild Bunch”, de Sam Peckinpah — surgiram nessa época. De cara pode-se ver que este não é um Western convencional, Sergio Leone realmente coloca-se no comando de seu trabalho e entrega uma ótima variação dos conhecidos arquétipos. A própria introdução do filme demonstra essa atitude quando a questão do tempo é abordada de maneira incomum. Três pistoleiros aguardam a chegada de um trem e se ocupam com o que o Velho Oeste tem de melhor para oferecer: moscas, uma goteira e um silêncio quase absoluto. Da mesma maneira como vários dos pontos do enredo, vemos que o tempo tem suas limites levados ao máximo, como se as mecânicas básicas de corte e edição fossem ignoradas.
Praticamente tudo que importa aqui neste filme não é entregue de bandeja. Leone conduz seus arcos de história como se estivesse tirando férias no próprio Oeste, aproveitando cada momento sem pressa alguma. O resultado para alguns pode parecer excessivamente lento, mas a demora não estende uma trama pobre de conteúdo. Nesses intervalos aparentemente passáveis vemos o que uma riqueza de detalhes faz para o filme: homenagens a Faroestes antigos por meio de referências; pausas propositais na trilha sonora para efeito dramático; minúcias de atuação que revelam mais que diálogos. Todo detalhe tem sua importância aqui e para mim, pelo menos, uma segunda visualização fez toda a diferença. Não descarto a possibilidade de que tudo possa ser absorvido de primeira, mas para mim foi essencial checar a qualidade da obra para depois estar disposto a encarar sua profundidade. Não preciso dizer que a satisfação foi total, pois este longa foi de muito bom para algo bem próximo de uma obra prima.
Mas não só de minúcias é feita esta abordagem lenta de Leone. Quanto mais o diretor segura seu espectador em um lugar, maiores ficam as apostas. Com isso cresce um sentimento de inquietação e ansiedade, a mente do espectador está antecipando os tiroteios enquanto o diretor se diverte ao mostrar o pavio queimando. Tudo é quase perfeitamente dirigido; os atores, por exemplo, aparentam estar totalmente imersos naquele universo fictício. Pequeno ou grande, cada personagem é grandioso por não parecer estar atuando em um filme, não duvidaria se alguém me dissesse que Frank ou Cheyenne existiram de verdade. Henry Fonda, em especial, teve mais destaque para mim por conta deste longa ter sido meu primeiro contato com o ator. É dito que Fonda interpretar um vilão tão terrível causou um grande choque nas audiências da época, acostumadas a vê-lo em papéis de herói. Comigo foi o contrário, sua interpretação foi tão excelente que tive dificuldade de imaginá-lo de outro modo, tal como o cara bondoso em “Grapes of Wrath“.
É curioso ver como às vezes detalhes passam batidos. Alguns trabalhos perdem um pouco de graça quando os visitamos de novo, especialmente aqueles com um clímax muito marcante, enquanto outros melhoram como um bom vinho. Atuações fantásticas, um enredo bem construído e uma tensão bem dosada permanecem desde sempre como os agentes do sucesso desta obra de Leone. Tal como “American Pie 2” disse em 2001, a segunda vez é realmente ainda melhor.