Aladdin (Mena Massoud) passa os dias tentando dar um jeito de sobreviver nas ruas de Agrabah. Sua especialidade é improvisar e isso normalmente significa passar a perna em alguém para roubar um pedaço de pão ou uma fruta para não morrer de fome. Um dia ele encontra uma garota diferente em um dia qualquer, alguém com quem ele consegue se entender e até se divertir como nunca acontece. Ela é a Princesa Jasmine (Naomi Scott), ele é um ladrão e esse é o problema. Ele precisa de mais do que tem para conseguir uma chance sequer com ela. Isso acontece quando ele encontra uma lâmpada mágica com um gênio (Will Smith) que lhe concede três desejos.
Nunca tive nada contra a idéia de refazer as animações clássicas da Disney. Até o momento, todos as tentativas foram bem-sucedidas em resgatar a história original, recriá-la usando novas técnicas e tecnologia avançada e apresentá-la para uma nova geração nascida décadas depois do lançamento original. “Cinderella” saiu em 2015, “The Jungle Book” em 2016, “Beauty and the Beast” em 2017, “Christopher Robin” em 2018 e agora em 2019, um pouco mais do que isso: “Dumbo“, “Aladdin”, “The Lion King” e “Lady and the Tramp”. Apenas um ano bastou para os lançamentos anuais quadruplicarem e causarem uma impressão diferente. Claro, nada disso tem a ver com a qualidade individual de cada filme porque não faz sentido julgar competência de acordo com contexto, mas não deixa de despertar o clássico pensamento de: “Era mesmo necessário?”
Como sempre, a resposta é que quase nunca há uma necessidade de fato além da vontade de fazer mais dinheiro ao revisitar obras queridas da cultura popular. Qualquer coisa além disso se esvai rapidamente quando o original conserva seu valor e envelhece bem, mais rápido ainda quando se repara no fato da Disney ter essa vontade de reviver clássicos quatro vezes em um ano. “Dumbo” ainda estava fresco na memória, mas para cada um seu próprio gosto e isso significa ter uma refilmagem preferida ou mais aguardada. Pensar em necessidade só se torna uma questão considerável e não apenas uma dúvida qualquer quando as mesmas coisas do passado ressurgem no futuro sem a mesma eficiência. Aí sim se pergunta qual a necessidade se o resultado acaba sendo pior do que antes. “Aladdin” é o mais perto que se chega de ter certeza que fizeram pior, certamente o mais fraco da nova leva de remakes.
“Aladdin” não é ruim como pode parecer. Existem problemas e existem várias outras coisas que funcionam tão bem quanto deveriam, como a recriação de tudo. Foi uma surpresa ver que a transposição de todo o design da cidade, do figurino e dos personagens é bem melhor do que parecia inicialmente. Não cheguei a acompanhar todos os trailers para não criar expectativas e impressões antes da hora. Mesmo assim, os brevíssimos trechos que acabei vendo sem querer foram o bastante para criar uma opinião superficial e ela não foi positiva. Os cenários pareciam falsos e feios, como a caricatura de um desenho mal reimaginada com ferramentas reais, porém não foi isso que a versão final eventualmente revelou. Embora não seja uma conquista memorável em termos de design de produção, é mais do que suficiente para sustentar a noção de que é uma cidade real fantasiosa; nem uma cidade árabe como seria na época, nem um desenho mal adaptado, e sim um misto de fantasia e verdade que funciona para os dois propósitos.
Outra surpresa boa vem na forma do elenco, o gênio em especial. Sua primeira aparição foi um tanto divisiva porque, bem, o carismático personagem dublado por Robin Williams foi substituído por um Will Smith azul. É nesses momentos que a magia morre quando é representado pelo real, alguns podem dizer. Não é tão frustrante assim na prática, Smith não é um mau ator e ao menos pode se gabar de uma fonte confiável de carisma mesmo quando seus papéis não são dos mais exigentes. Esse é um exemplo perfeito disso. O gênio não é um personagem complexo ou de participação crítica na história, ele é alguém que deve ser engraçado e que passe uma imagem de amizade fácil, um parceiro que qualquer um gostaria de ter. O ator atende a essas demandas e ainda parece estar se divertindo no processo, brincando com o ator de “Aladdin” assim como o próprio gênio faria.
O ator que interpreta “Aladdin” também é uma ótima escolha, talvez até melhor que o gênio de Will Smith por ter um outro tipo de carisma, um que não é associado tão fortemente à figura do ator e que transcende obras vistas — um pouco como os estilos inconfundíveis de Al Pacino e Jack Nicholson. Mena Massoud tem o elemento essencial chamado carisma de malandro para o papel, algo que o difere de outros larápios quaisquer que fazem a mesma coisa que ele para sobreviver. É o ladrão de coração grande, aquele em que se vê valor para além das aparências. Até mesmo a Jasmine de Naomi Scott entra junto dos personagens bem recriados, talvez um pouco menos por sua atuação e um pouco mais porque a beleza da atriz era por vezes hipnotizante.
Mas nem tudo são flores. Existem outros aspectos de peso significativo alterando o equilíbrio de qualidade para menos. A princípio, tudo parece direito e até mesmo a história não sofre nenhuma alteração muito grave, exceto talvez por um romance relativamente gratuito no grande estilo hollywoodiano de introduzir arcos rasos porque sim. Mas nada, nem a direção ocasionalmente confusa de Guy Ritchie nas cenas mais agitadas, chega tão baixo quanto Jaffar (Marwan Kenzari), que se sai muito pior que o resto do elenco e é claramente o ponto baixo de “Aladdin” . Nada que funciona nos outros se encontra nele. Seu figurino tem aparência ridícula e a atuação faz o desfavor de reduzir um vilão memorável a um ganancioso obcecado padrão.
O saldo ainda é positivo, mas claramente mais baixo que outros esforços do passado na refilmagem de clássicos em animação. Eis o exemplo de que fidelidade ao original não é tudo. Várias músicas parecem fora de lugar e até forçadas em alguns momentos porque a narrativa já havia tocado naquele ponto sem precisar de uma canção explicando o que o personagem quer, do que tem medo e para onde vai, entre outras coisas. Algumas são tão curtas e rápidas que é muito fácil pensar que poderiam simplesmente não existir, já que seu impacto é mínimo. Mudanças são boas às vezes, só vieram nos aspectos errados neste caso.