O Grand Hotel é o lugar onde as coisas acontecem. Tudo e nada em particular ao mesmo tempo: as pessoas chegam, passam dias perdendo tempo e noites dançantes embebidas em álcool com nenhuma ou várias preocupações em mente. O momento presente reúne um grupo peculiar de pessoas, cada um com sua própria rotina, história e planos. Otto Kringelein (Lionel Barrymore) vive seus últimos meses de vida por conta de uma doença terminal e decide passar seu tempo no conforto do hotel em vez de trabalhando na empresa do Diretor Preysing (Wallace Beery), que se prepara para uma reunião e realizar uma fusão de empresas. Em seu serviço está a jovem datilógrafa Flaemmchen (Joan Crawford), que, por sua vez, chama a atenção do Barão Felix von Geigern (John Barrymore) com seu charme. Enquanto isso, o lugar inteiro se mobiliza em função de Grusinskaya (Greta Garbo), uma frágil dançarina de fama e renome passando por uma situação difícil.
Um filme inteiro baseado em um lugar. Não há um claro trajeto de protagonista — ou mesmo um protagonista — a ser encontrado no roteiro, alguém que recebe mais destaque da narrativa e coloca o resto em posição de suporte. Até se encontram diversos personagens coadjuvantes, sim, mas todos num segundo plano abaixo de um primeiro ocupado por mais de um ator. Todos os mencionados na sinopse possuem igual exposição no enredo, são todos, afinal, hóspedes no hotel interagindo pelo mais puro acaso de estarem no mesmo lugar ao mesmo tempo. É também curioso, de certa forma, notar como é fora da realidade atual ir a um hotel e passar tempo conversando com os outros e descobrindo quem eles são, de onde vieram e para onde vão. “Grand Hotel” é como um retrato antigo evocando vividamente as memórias e costumes de um tempo que já não existe mais.
Muito pode se encontrar no Grand Hotel. Seja uma refeição sofisticada, uma dúzia de drinks, a companhia de uma bela moça ou uma conversa significativa com alguém completamente aleatório, sempre há algo para passar o tempo. As pessoas o escolhem não só pelo conforto na hora do descanso mas também por tudo que ele oferece fora dos quartos. Os cinco personagens estão meio à toa, ficando no hotel por um período aparentemente indefinido até algum compromisso ou força maior os tirar dali para outro lugar, então acabam arranjando tempo para se ocupar na companhia de gente diversa. Interessante, mas como fazer um filme inteiro em cima disso? Ao contrário de centralizar valores e idéias variadas em um ou dois personagens, o núcleo da trama é o hotel e o que acontece nele.
O problema é que não se sabe o que acontece lá em um primeiro momento. Aliás, não se trata de um problema em si, é só um sentimento estranho que logo mostra ser parte do plano de um roteiro que não revela nenhuma de suas cartas de início. Sua única intenção no começo é apresentar os personagens e contextualizar um pouco a condição de cada um para em seguida dar espaço às cenas de rotina dentro do hotel, que são a base de todo o resto de “Grand Hotel”. Novamente, pode parecer raso ou simples apenas mostrar coisas acontecendo dentro de um ambiente e seria isso mesmo se a mesma dinâmica do começo fosse repetida irresponsavelmente. As coisas vão fazendo mais sentido com o tempo e não um, mas vários arcos narrativos tomam forma e eventualmente se unificam organicamente em um clímax para amarrar o destino dos personagens. O roteiro não os distorce quando conveniente nem os desenvolve de forma artificial e mecanicamente direcionada para cumprir suas exigências.
Os personagens têm cor e profundidade ou, ao menos, adquirem isso conforme a trama progride e crescem em cima da simples apresentação do começo. Cada um vive seu próprio drama e está no Grand Hotel por uma razão, buscando ou fugindo de algo, por lazer ou por não ter mais o que fazer, a trabalho ou buscando uma folga dele. Logo fica claro que o hotel não é o único pilar narrativo, estando mais para uma base estável de onde cada arco narrativo surge e eventualmente se desenvolve. Ao mesmo tempo que o hotel é um elemento importantíssimo na composição geral da história, ela não se resume a ele. As cenas impactantes começam a se tornar freqüentes e logo se esquece de qualquer detalhe que não tenha a ver com a rede de relações estabelecida entre aqueles personagens tão diferentes.
No campo das atuações, há pouquíssimo para criticar. Apenas um momento específico extrai um sentimentalismo forçado de Joan Crawford e Lionel Barrymore, embora não seja um momento estragado por má atuação deles, é a própria escrita da cena ou até uma direção desmedida de Edmund Goulding. Os personagens parecem chorar pelo propósito de chorar e apenas isso, um ponto fraco em comparação com vários outros momentos de ânimos altos — que não são poucos — executados sem extrapolar o limite do aceitável. Chiliques, por exemplo, podem facilmente sair dos trilhos e não o fazem justamente por acontecerem em momentos coerentes com margem para um pico emocional súbito e sem acusação de exagero. É até impressionante não ver nenhuma outra vitória ou indicação sequer para “Grand Hotel” no Oscar. Para um filme de personagens tão cativantes, era de se esperar ao menos o nome de um dos excelentes atores entre os indicados.
“Grand Hotel” começa parecendo que é apenas mais um vencedor sem sal do prêmio de Melhor Filme, possivelmente em detrimento de outras obras melhores. Eventualmente a impressão inicial muda e a narrativa solta do começo passa a demonstrar direcionamento e relevância, uma história de conteúdo que tem algo a dizer e busca chegar em algum lugar. Talvez soe bobo e uma péssima idéia esculpir uma história a partir de uma localidade específica, mas este longa mostra que pode-se obter bons frutos e dar maior significância do que de costume ao cenário de toda a ação.