1939. A Alemanha invade a Polônia e recebe declarações de guerra do Reino Unido, França e aliados. 1941. O Japão lança ataques quase simultâneos em várias bases estratégicas dos aliados, inclusive dos Estados Unidos, que não estavam na guerra. As tropas americanas se mobilizam e, com elas, cinco cineastas juntam-se ao esforço de guerra para gravar documentários sobre a realidade no front. Sua tarefa é mostrar para o público algo que o jornal impresso não poderia: imagens em movimento, os jovens filhos da nação lutando contra o inimigo. “Five Came Back” é a história de Frank Capra, George Stevens, John Ford, William Wyler e John Huston, mestres do cinema em guerra.
Aos fãs do cinema clássico, muito do que está no passado é recordado com nostalgia adornada de elegância. Atores são lembrados por seu estilo, pela personalidade e pela imagem que representavam para o público; atrizes, por sua vez, têm seus retratos eternizados e louvados, sua beleza e estilo continuando a servir de referência para futuras gerações e até mesmo para a indústria da moda. Muitas destas estrelas eram também respeitadas por seu talento, pela competência freqüentemente premiada em alguns dos filmes mais memoráveis da época. Um legado tão glamouroso só poderia ser resultado de políticas que visavam justamente criar e conservar a imagem de seus astros para os olhos do povo, a Era de Ouro de Hollywood e seu controle obsessivo queriam isso acima de tudo. E como se não bastasse lembrar de gente como James Stewart pela carreira no cinema, houve algo mais: a Segunda Guerra Mundial. “Five Came Back” explora este lado menos comentado de artistas se alistando para o maior conflito do mundo.
É mais comum tocar no assunto quando se fala em movimentos cinematográficos do pós-guerra, quando surgiu o Noir, ou em mudanças sociopolíticas influenciando gêneros abrangentes, como alguns dramas alemães serem chamados de Trümmerfilm por conta das cidades destruídas usadas como cenário. Ou então falar de quais filmes tal pessoa fez depois do fim da guerra, às vezes usando o evento apenas como referência temporal. A grande sacada de “Five Came Back” é mostrar um lado diferente da relação entre guerra e cinema. Cinco dos maiores diretores de seu tempo abrem mão de suas carreiras em alta para embarcar numa empreitada que poderia facilmente acabar com suas vidas. Bastaria uma bala perdida, um projétil de morteiro ou simplesmente voltar para Hollywood e não encontrar trabalho.
Imagino que conseguir uma carreira bem estabelecida em cinema antigamente era no mínimo tão difícil quanto hoje e provavelmente até mais. Deveriam ser poucos os que conseguiam subir a escada do sucesso partindo de assistente do assistente até segundo editor assistente e eventualmente diretor. Menor ainda é o número dos que alcançaram o renome de John Ford ou William Wyler, vencedores de Oscar e freqüentemente lembrados como gigantes do ramo. Simplesmente largar tudo isso, carreiras feitas sem nenhum sinal de perspectivas ruins, pode soar como loucura completa e foi isso que estes cincos homens fizeram. Assim como os documentários produzidos, pode parecer que “Five Came Back” é um reforço ao coro nacionalista relativamente inerente de uma história sobre deixar o egoísmo de lado e abraçar as necessidades da nação; largar os sonhos individuais para salvar o amanhã, ser parte de algo muito maior do que si mesmo e representar em batalha os valores da pátria. Não é bem por esse caminho que se segue.
“Five Came Back” está mais interessado em mostrar os fatos, sem ênfase alguma no discurso patriótico. Toda a surpresa que surge do fato destes diretores trocarem sucesso e conforto pela guerra vem da parte do espectador, que encontra diversos outros momentos na história causando a mesma reação. Primeiramente, o que diabos estes homens foram fazer lá realmente? Gravar cenas da guerra, obviamente, mas como isso funciona de fato? Não pode ser apenas uma questão de ganhar uma patente de oficial e sair com uma câmera desviando de tiros lá e cá enquanto grava gente morrendo e matando. Todo o processo é explicado. Um dos pontos importantes, por exemplo, é quando se conta que Frank Capra assistiu a “Triunfo da Vontade” e sentiu que não havia como vencer a guerra, sentiu genuinamente o poder de um filme de propaganda. Se até Capra caiu no truque do filme, ele que conhece os mecanismos de manipulação de uma narrativa, então que efeito isso teria no grande público?
E isso é só o começo. “Five Came Back” não vive só de explicações a respeito de um assunto pouco discutido, como a importância de uma produção informativa para o povo que ficou em casa. Sobra conteúdo em todos os pontos da narrativa, dividida em três episódios de cerca de 1 hora cada. Outros pontos são explorados sobre cada uma das três partes da jornada. Primeiramente, de onde surgiu a idéia de arriscar vidas para gravar imagens sobre uma guerra a milhares de quilômetros de distância e por que valeria a pena sequer investir esforço, dinheiro e pessoas nisso. Em seguida, a missão de cada um dos diretores propriamente dita e as experiências de estar absurdamente longe do conforto e de todas as ferramentas fornecidas por Hollywood. Finalmente, as missões e a própria guerra se encaminhavam para um fim ao passo que os envolvidos voltavam com a bagagem de ver aquilo que a maioria dos homens passa a vida inteira sem presenciar.
Com certeza não há nada que iguale a experiência de ser testemunha dos eventos reais, mas presenciar as mesmas imagens que os cinco diretores e vários outros soldados gravaram é uma boa maneira de chegar perto disso. “Five Came Back” não é uma experiência de choque, com imagens fortes — ainda que algumas existam — tentando impactar o espectador com seu conteúdo violento, busca-se ilustrar as odisséias de cada diretor com as produções resultantes de seu trabalho lá. De forma simples, é o princípio básico de edição de associar narração com imagem. Por mais que essa seja uma descrição concisa até demais, ela mostra que bons resultados são possíveis em mãos aptas. Falar disso é lembrar automaticamente de um dos momentos mais marcantes do documentário no terceiro episódio, quando um trabalho específico de George Stevens é comentado. Nem todos os diretores tiveram carreiras igualmente bem-sucedidas ou foco igualado dentro deste documentário, porém uma garantia está presente: todas as trajetórias não são marcantes apenas porque envolvem um famoso na guerra.
Não se pode esquecer também da presença de Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Lawrence Kasdan e Paul Greengrass. São cineastas famosos, sim; todos possuem renome dentro da indústria, sim; todos estão envolvidos com ao menos uma obra grande da história do cinema, idem. Como se pode não comentar sobre eles? Bem, sua participação não está à altura dos grandes feitos de “Five Came Back”, mesmo estando diretamente ligadas a eles. Cada um conta a história de um diretor enquanto Meryl Streep empresta a voz para narrar acontecimentos gerais. E é isso. De forma alguma critica-se a competência e carreira de cada um dos cineastas convidados, porém a presença deles soa mais como uma participação especial na maior parte do tempo, famosos emprestando imagem e transmitindo informações. Suas contribuições só ressoam quando a narrativa toca em pontos pessoais de cada participante, como Spielberg falando sobre o significado de “The Best Years of Our Lives” em sua carreira e como o filme continua a fascinar depois de tantos anos e de assistir tantas vezes. De resto, poderia ser qualquer outra pessoa falando as mesmas informações que pouco se perderia.
Talvez “Five Came Back” seja aproveitado com um pouco mais de carinho pelos interessados no cinema clássico. Quem conhecia os filmes passa a conhecer também as pessoas por trás deles e como a experiência singular da guerra impactou a vida de cada um a ponto de seus trabalhos futuros carregarem pelo menos um pouco deste legado. A Hollywood clássica, lar da fantasia, da criatividade e da liberdade de usar qualquer artifício possível para criar o impossível, enfrenta a realidade de não ter nada para maquiar, melhorar, amenizar ou ocultar a dura verdade dos fatos. Há uma razão, afinal, para tantos dizerem que o melhor trabalho desses diretores veio depois da guerra.