“All the King’s Men” conta uma história familiar para os descrentes na política, os que não são poucos. Uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos tem problemas com um político, mas este afirma que o problema mesmo é com todos os outros políticos atualmente no poder. Seu nome é Willie Stark (Broderick Crawford) e sua promessa é renovar a face de uma política suja e ineficiente com soluções práticas e benéficas para a população. Ele afirma que sua vontade é a vontade do povo, que governar é satisfazer as necessidades daqueles que necessitam. Aquilo que soa como um clássico caso de parecer bom demais para ser verdade é investigado mais a fundo por Jack Burden (John Ireland), um jornalista apontado para acompanhar a campanha de Stark.
A parte curiosa de “All the King’s Men” é sua denominação como Noir. Até então, achava que “Double Indemnity” havia sido o mais perto que algo do gênero havia chegado de vencer o Oscar de Melhor Filme, mas só porque nunca pensei que este longa de Robert Rossen fosse, de fato, um Noir. A dúvida ainda permaneceu depois do final, pois o conteúdo não opera sob os mesmos termos que a maioria dos exemplos do gênero, certamente não os mesmos de que tal obra de Billy Wilder. Parece raso pensar em femme fatales, detetives particulares e voice over sobre visuais sombrios de alto contraste, porém são estes os elementos imediatos de que se lembra. Entretanto, vale lembrar de “Mildred Pierce” e “Rebecca“, que também não se encaixam imediatamente no padrão e são reconhecidos como Noir. No entanto, com um esforço é possível relacioná-lo a temática geral desta obra, além da fotografia que fala por si.
Políticos estão entre as pessoas com maior poder no planeta. Existem pessoas imensuravelmente mais ricas e influentes que eles, barões de petróleo e celebridades, com poder financeiro e de formação de opinião. A diferença é que são os políticos que detêm poder sobre o coletivo, são suas decisões e deliberações que fazem a diferença no desenvolvimento de uma cidade, estado e país. Uma maçã podre no topo apenas espalha sua decomposição em cima das outras, suas escolhas infelizes atrapalhando a vida de tantos. Com alguém desse naipe como líder, o que esperar de todo o resto?
O Noir também é um gênero conhecido por sua incrível capacidade de exterminar a fé alheia na humanidade. De história em história, alguma esfera da sociedade é exposta em sua pior e mais imperdoável face, seu momento mais negro. É isso que “All the King’s Men” mostra em Willie Stark. Proclamador das supostas vontades coletivas, ele mostra um lado que talvez nem mesmo ele sabia que existia através da interpretação vigorosa de Broderick Crawford, que levou o Oscar pelo papel. As regras para ele são resumidas a fazer o que estiver ao seu alcance para conseguir o que se quer, o método maquiavélico de justificar meios com os fins e deixar por isso mesmo. Ninguém impede sua esmagadora marcha disfarçada de progresso: marcha junto, abre espaço ou é destroçado. Os derrotados se tornam a fundação para o futuro.
É essa postura viripotente que Crawford entrega em “All the King’s Men”. Assim como um político real, seus discursos são inflamados com o mesmo volume e poder que invariavelmente deixam o transeunte com algum tipo de impressão. É impossível não notar ou escutar, nem que por alguns momentos, uma pessoa falar com tanto ardor sobre as coisas em que acredita, mesmo que não se concorde. Um tipo de energia vem também de Mercedes McCambridge no papel que lhe deu seu único Oscar, uma personagem incisiva e um tanto detestável, não surpreendentemente. Ela é diferente de Willie, mas não muito. É tudo que uma coadjuvante deveria ser em sua função de complementar a personalidade do protagonista com suas próprias qualidades.
Contudo, não é diretamente que os feitos de Willie Stark são acompanhados. O posto de observador recai sobre Jack Burden, o jornalista que anda com ele e os presencia em primeira mão. E é só isso. Seu arco de personagem sofre mudanças sutis, com as relevantes surgindo apenas esporadicamente durante a trama e sem um desenvolvimento trabalhando os estágios entre uma e outra. Pode-se culpar John Ireland por um retrato mecânico e travado, mas ele não está sozinho nesta decepção. “All the King’s Men”, no geral, deixa a desejar em sua escrita. Há menos frustração no conteúdo diretamente ligado à Stark, enquanto todo o resto simplesmente acontece. Sabe-se que o evento e seu conteúdo são relevantes apenas por lógica, pois a encenação de Robert Rossen os trata com uma casualidade cotidiana totalmente inadequada. Não se encontra drama ou um sentimento de importância injetado na forma como certas cenas são dirigidas, seja na disposição de atores no ambiente ou na atuação de alguns. Ao menos uma execução dramática poderia amenizar a falta de progressão entre tais pontos de virada.
Considerando o processo caótico da produção de “All the King’s Men”, há de se pensar duas coisas: não é surpresa que tais detalhes negativos estejam presentes; e é impressionante que seja só isso e ainda haja uma narrativa coerente. De 250 minutos para 109, Robert Rossen mandou cortar seu filme para o lançamento aparentemente sem muito critério, viu que deu mais ou menos certo e preferiu não mexer mais para evitar novos problemas. Deu certo o bastante, considerando as circunstâncias e os três Oscars em 1950. Dois merecidos, enquanto o de Melhor Filme parece um pouco demais.
Em tempos tumultuosos na política, um filme como “All the King’s Men” soa como uma boa idéia. Nada como a história de um político corrupto para refrescar a memória e mostrar que é difícil confiar em qualquer pessoa neste quesito, que até mesmo os mais convincentes podem se mostrar péssimas escolhas e, talvez, que justamente os línguas de prata sejam os mais perigosos. Embora a cota de problemas seja facilmente notável, principalmente na apresentação mecânica de vários eventos críticos por parte da Direção, há algo a se extrair. A questão da confiança nos supostos representantes do povo fica perfeitamente clara.