Os primeiros momentos de “Jezebel” introduzem um grupo da elite de Nova Orleans se reunindo em uma grande mansão. Todos comentam sobre a mesma coisa: Julie Marsden (Bette Davis), que está atrasada para sua própria festa. A jovem garota está para se casar com Preston Dillard (Henry Fonda), admirado e conhecido rapaz envolvido em grandes negócios da cidade, e a festa celebra a união dos dois. No entanto, a mesma personalidade forte que atraiu Pres um dia é volátil e pode muito bem afastá-lo se não houver cautela. Sua arrogância iguala seu charme, o que pode ser a receita perfeita para uma situação tão desagradável para ela quanto para os outros.
Nenhuma parte de toda essa grande apresentação da personagem de Davis foi pretendida como algo mais do que isso, é um evento puramente pertencente à narrativa. Não há como dizer que foi a ocasião em que ela deslanchou como grande estrela de Hollywood, embora “Jezebel” tenha vários traços de um estouro de carreira. A atriz já vinha de uma vitória no Oscar três anos antes, além de uma presença nos holofotes da mídia por ter processado a Warner Bros. a respeito dos papéis que vinha recebendo até então. De qualquer forma, não há como ignorar o fato de que este filme de William Wyler eventualmente serviria como um tipo de introdução da atriz a uma das melhores fases de sua carreira, entregando a ela seu segundo e último Oscar. Um dia, Bette Davis foi bastante diferente da persona que ficou eternizada nos anos seguintes através de papéis até mais marcantes que aqueles que deram a ela seus grandes prêmios.
Mas “Jezebel” não se trata só de uma alegoria ou uma formalidade por sinalizar algo externo na carreira da atriz principal. Tratando dela, não há absolutamente nada de negativo a ser dito na obra. Chega a ser impressionante retornar a este relativo começo de carreira depois de ver um filme posterior de sua carreira, como “All About Eve“. Davis interpreta uma mocinha cheia de jovialidade e energia, com alguns toques de malícia e acidez longe de serem predominantes numa personalidade majoritariamente imatura. Ela não é ingênua como vários papéis de Marilyn Monroe foram em graus diferente, porém é possível enxergar algo similar na forma como ela se porta, toda a astúcia de seu caráter ainda tendo influência forte da ignorância característica de uma pessoa jovem. Ela ainda acredita firmemente demais em suas verdades supostamente absolutas para considerar que vez ou outra pode estar equivocada.
Mas não é apenas ver algo diferente que impressiona, a performance como um todo chama a atenção por ser executada com a mesma habilidade de papéis posteriores, de quando Bette Davis já era mais experiente. “Jezebel” é como um grande veículo para sua personagem e, consequentemente, atuação brilharem. Neste caso, sim, todo o suspense sobre sua apresentação no começo tem como objetivo intencional deixar a audiência esperando algo grande, uma pessoa que justifica todo o suspense com uma personalidade interessante. É isso que se encontra, colocando em palavras simples; em complexas, é como ser apresentado àquela pessoa que chega na festa e simplesmente domina o ambiente com sua personalidade. Nem todos gostam dela verdadeiramente, mas de alguma forma todos se importam. Nem que seja apenas para falar mal ou fazer fofoca superficial, todos estão tão magnetizados quanto o espectador por sua presença.
Quanto ao resto, não se faz tanto quanto sua atriz principal para tornar “Jezebel” uma obra prima. A história é limitada e não traz muitas ramificações do arco principal envolvendo a volatilidade da personalidade de Julie. Objetividade e foco poderiam ser trazidos como pontos positivos por conta da obra não perder sua protagonista de vista. Seria o caso se ela fornecesse material o bastante para satisfazer narrativamente o espectador, se sua presença e os eventos acerca dela trouxessem consigo uma sensação de riqueza de conteúdo. Não se peca em termos de personalidade e execução, enquanto se vacila no uso de tal personagem dentro de uma história que poderia ser maior que ela sem fugir do tema principal.
É inevitável não lembrar de “Gone with the Wind“, lançado no ano seguinte, por conta de várias similaridades. Não só pelas tramas terem pontos comparáveis mas também porque esta última mostra como uma história do gênero pode beirar 4 horas sem parecer que está se super-estendendo para adquirir as proporções de um Épico. Hoje, sabe-se perfeitamente que tal obra é sobre um assunto apenas: Scarlett O’Hara. Fica a sensação de que os 104 minutos de “Jezebel” poderiam ser um pouco mais longos porque Julie Marsden possui potencial para isso. Sozinha e da forma como é usada aqui, ela é apenas uma boa personagem, mas com um bom enredo ela poderia tranquilamente manter o interesse da audiência.
Nada disso quer dizer que o resultado é ruim. “Jezebel” se sai tão bem quanto possível dentro de suas limitações. Estender um pouco mais os papéis de George Brent e Henry Fonda, ambas atuações sólidas, poderia trazer um desenvolvimento bem-vindo para o tema da rivalidade entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos, por exemplo. Assim, teria-se outro ponto forte além da protagonista. Há muito para ser visto em Bette Davis e, sem exageros, é possível para considerar a obra um veículo feito para exaltar seu papel. Ela certamente não pode reclamar deste papel como reclamou daqueles que estava recebendo quando processou Jack Warner, pois ele dá oportunidade para ela mostrar sua versatilidade na performance junto de características mais populares, como a perspicácia afiadíssima. Só não dá para dizer que, por si, ela compensa o relativo vazio que se sente da trama.