Não dá para dizer que o sucesso de “Mission: Impossible – Fallout” é uma surpresa completa por certos motivos. Em primeiro lugar, a série nunca foi conhecida por seu mau gosto. Além do mais, o último lançamento, “Rogue Nation” está entre os melhores filmes do ano em que foi lançado, sendo um notável passo à frente de “Ghost Protocol“. Mesmo assim, nenhum lançamento da série rendeu tanto alarde quanto este último, que aparentemente conquistou toda a crítica por ser um incrível filme de ação ou porque o estúdio gastou uma quantia recorde subornando todos os críticos do mundo para que falassem tão bem quanto possível. Nem é preciso dizer qual dois é o caso — é o segundo.
Com o terrorista Solomon Lane (Sean Harris) capturado pela IMF, seu ex-bando, chamados de apóstolos, continuam seu reinado de terror como uma organização que realiza ataques por encomenda. Depois de algumas tentativas frustradas pelas autoridades, descobre-se que o grupo está em busca de três núcleos de plutônio para construir bombas atômicas e detoná-las em lugares estratégicos a fim de causar o maior caos possível. Novamente, Ethan Hunt (Tom Cruise) e sua equipe juntam-se para pôr um fim definitivo nas atividades terroristas do grupo de Solomon Lane, mas um deslize na missão de Hunt resulta num prazo extremamente curto para consertar as coisas.
Precedentes positivos não impedem que “Mission: Impossible – Fallout” seja uma surpresa. Por mais que todos os outros cinco filmes tenham mantido certo nível de competência, uns mais e outros menos, nenhum deles chegou tão longe. Christopher McQuarrie assume a direção da série pela segunda vez e continua sua parceria com Tom Cruise pela terceira — sem contar roteiros escritos para filmes do ator — mostrando evolução de seu talento como roteirista, mas principalmente como diretor. Digo isso porque desde o quarto filme parece ser prática comum reciclar pontos específicos da história como se nunca tivessem sido abordados antes. Sempre com o cuidado de não ser óbvio a ponto de refazer o filme anterior substituindo as cenas de ação por outras novas, o que seria muito idiota, só que sem a sutileza de esconder as similaridades do público. Mas nada disso é notável como em “Rogue Nation“. São apenas em algumas ocasiões pontuais, que nunca chegam a tirar atenção daquilo que acompanha o espectador quando este sai da sala de cinema.
Depois que os créditos começam a rolar, são as impressionantes seqüências de ação que deixam o público embasbacado com o fato de todas elas serem muito boas, sem exceção. Não tem nenhum momento que possa simplesmente ser classificado como boa tentativa, decente ou apenas legal. Todos são agraciados com bem-vindos toques de originalidade para quebrar clichês ou simplesmente trazer algo inesperado à mesa. Antes, a ação já contava com a competência de McQuarrie na direção garantindo que a mais simples perseguição ou tiroteio fossem bem ilustrados visualmente ou, em outras palavras, bem dirigidos. O movimento era claro e a tensão, presente e amplificada pela pouquíssima dependência em efeitos especiais, seguindo os mesmos passos do grandioso “Mad Max: Fury Road“. A diferença é que se dá um passo a mais. Cada cena não é só bem planejada, como também é incrementada com algo a mais, seja um suspense adicioonal por conta da ação estar diretamente envolvida com algum mistério da trama ou por extrapolar expectativas com inteligência.
Um salto de pára-quedas durante o filme não tem um, mas dois destes momentos de complicar as coisas inesperadamente e dar algo para o protagonista se preocupar enquanto o diretor apenas mantém seu trabalho de capturar tudo eficientemente. E esta nem está entre as melhores cenas do filme, pois existem ao menos uma dezena de outras especialistas em extrair todo resquício de fôlego do espectador. A perseguição de moto de “Fallout” é facilmente comparável à clássica perseguição de “The French Connection“, reconhecida como uma das melhores da história do cinema por sua ousadia de gravar ilegalmente em alta velocidade pelas ruas, destruindo algumas coisas e causando acidentes. Sem exageros. Ver Tom Cruise rasgando o trânsito de Paris em uma moto veloz é como criar expectativa por algo tão bom quanto o que veio antes e ser surpreendido por um trabalho de câmera denotando o perigo em todo movimento, que, caso em falso, faria a moto em sete mil pedaços e Ethan Hunt em uma pilha de fraturas. O mesmo ar do improviso que pode dar errado a qualquer momento está ali como esteve na obra de William Friedkin mais de 40 anos antes.
Como todo bom filme de ação, há mais do que uma sucessão de seqüências enérgicas estrelando o protagonista. Nem precisa ser algo extremamente complexo ou inteligente para que a obra tenha um mínimo de profundidade, apenas algo que una todas os grandes momentos de adrenalina e os encaixe numa lógica. “Fallout” é um dos exemplos do gênero que extrapola para melhor o quesito história e traz algo além de uma nova ameaça pontual a ser derrubada pelo personagem principal e seus amigos. Nada genial, vale dizer, mas uma que consegue dar continuidade direta aos eventos de “Rogue Nation” e criar situações peculiares de resolver, não apenas difíceis que deixam óbvio que serão superadas com algum milagre do protagonista. É notável também como investem no erro humano de Ethan, a possibilidade das coisas darem errado simplesmente porque elas podem. Isso elimina um pouco daquele sentimento de que tudo é possível num filme de ação, como ser baleado e escalar um prédio enquanto ele está pegando fogo. Mostrar que simplesmente ser um herói de ação não é o bastante para resolver um problema complexo eleva as apostas e torna tudo mais interessante.
Mas nem tudo é flores. O roteiro ainda tem um pouco do mal de trazer de volta elementos de outros filmes e usar de forma muito similar, com uma adaptação muito sutil que não chega a mascarar muito bem. Certos elementos, como a ameaça da IMF ser desativada justamente quando o mundo mais precisa dela, aparecem com a mesma surpresa de encontrar no elevador um vizinho que se vê todo dia. A personagem de Rebecca Ferguson, tão enigmática e misteriosa em “Rogue Nation” , tem uma participação sem a mesma força na maior parte do tempo. Antes era curioso vê-la agindo independentemente de Ethan, com objetivos próprios e conflitos de interesse, mas aqui a história apenas se repete. O mistério é apresentado e revelado no filme anterior e reapresentado aqui como se fosse novo. Felizmente, “Fallout” usa de propósito algumas destas semelhanças e outras supostas obviedades do enredo para vez ou outra surpreender o espectador que achou que já sacou tudo.
Algumas coisas são difíceis de manter em segredo ou livre de suspeitas porque, afinal de contas, esse é o sexto filme da série e porque muitos outros do gênero Ação já fizeram igual ou muito parecido. Certos momentos de “Fallout” são acompanhados de um sentimento esquisito de familiaridade, que acende o alerta para a reciclagem de material e logo é desarmado por uma virada que joga tudo para cima e, antes de que dê tempo da poeira assentar, joga de novo para deixar o espectador completamente impressionado. São momentos como esse entre cenas de ação exageradamente divertidas e ambiciosas que tornam “Mission: Impossible – Fallout” um ponto altíssimo na série — talvez o mais. Mesmo sendo o mais longo de todos com 2h27, a passagem de tempo é ridiculamente imperceptível conforme uma cena organicamente se encaixa na próxima e não deixa a emoção baixar. O que vem pela frente nunca decepciona, seja saltando de aviões, em lutas corpo-a-corpo, perseguições, tiroteios ou em perigosos passeios de helicóptero.