Depois de uma surpresa extremamente agradável com “The People v. O.J. Simpson“, não houve como suprimir as expectativas por uma segunda temporada. Na superfície, o primeiro sinal impressionante foi o detalhismo de uma equipe que examinou roupas, cortes de cabelo, ambientes, cenários, trejeitos, tiques e, claro, fisionomia dos envolvidos no julgamento do ex-jogador de futebol americano. Assim como quando se assiste a um filme biográfico ou histórico, é comum procurar vídeos reais sobre o sujeito da obra para ver se a produção e as atuações foram fidedignas — como em “Jackie“, no qual as comparações com a Jackie Kennedy real mostram como Natalie Portman se sai perfeitamente bem. A história de O.J. Simpson é ridiculamente precisa nesse quesito, mas isso nem de longe é sua melhor parte. Similarmente, “The Assassination of Gianni Versace” acerta na apresentação, embora a história em si não permita tanta similaridade.
Por que? Bem, muito do que acontece em “The Assassination of Gianni Versace” parte de especulação, eventos parcialmente confirmados e fatos em menor número. Já julgamento de O.J. Simpson foi um dos eventos mais cobertos pela mídia americana, com as sessões de tribunal transmitidas ao vivo na televisão, perseguições policiais inesperadas fazendo notícia, repórteres aproveitando toda e qualquer oportunidade para escrever uma matéria e até revistas de fofoca fazendo a festa. Não é a toa que sobrou material para dar atenção aos detalhes e escrever uma história mais aproximável do real — não surpreendentemente, um documentário de 7h47 foi feito no mesmo ano. A história de Gianni Versace, por sua vez, não pode se gabar do mesmo acesso à informação, o que não significa que a história seja menos intrigante por isso. Detalhes são apenas detalhes em um todo que depende de outros fatores, portanto se a história tem menos impacto, é por outros motivos.
“The Assassination of Gianni Versace”, como o nome sugere, trata do escândalo envolvendo um dos maiores estilistas da história e seu trágico assassinato. Em 1997, saindo de casa para comprar revistas numa banca, Gianni Versace (Édgar Ramirez) é assassinado com dois tiros na cabeça nos degraus de sua mansão na praia de Miami. O responsável é Andrew Cunanan (Darren Criss), assassino em série que já havia feito outras quatro vítimas nos meses anteriores. A história dos eventos em torno deste fatídico assassinato é contada em detalhe conforme a identidade e os motivos de Cunanan são expostos.
Pode parecer estranho, mas é este o foco. Uma série que tem Versace no título e usa a medusa como publicidade foca predominantemente no assassino e, francamente, não poderia ser diferente. É difícil imaginar algo a ser explorado com relação direta ao assassinato em si, que não foi nada mais do que uma abordagem súbita com dois tiros e uma fuga a pé. É um evento completamente diferente do que aconteceu com O.J. Simpson, que conseguiu criar um acontecimento midiático gigantesco com sua suspeita de assassinato, falta de provas, polêmica de racismo injetada no processo judicial e até perseguição policial em rodovia. Nessa loucura, um fato específico serve de estopim para uma seqüência de eventos centrados num tribunal, acontecimento que, por si, é bem mais extenso que um homicídio pontual. Uma opção seria considerar o que veio depois, o impacto da morte de Gianni na grife e como isso mudou a dinâmica na empresa, porém continuaria sendo uma exploração de conteúdo adjunto ao que supostamente deveria ser principal. Dentre as opções, prefiro mil vezes um retrato do assassino, suas motivações e personalidade, e o que aconteceu até a fatídica morte.
Neste aspecto, a decisão dos roteiristas de contar a história de trás para frente é completamente pertinente e dramaticamente coerente, levando em conta o mencionado fato do homicídio famoso ser apenas a última parte da história e também a mais importante. O caminho oposto seria usar a maior parte da temporada mostrando a vida de Andrew Cunanan, seu passado e as pessoas que conheceu e matou. Na pior das hipóteses, o espectador desavisado ficaria se perguntando quem diabos é aquele cara e porque ele tem tanto tempo de tela, só descobrindo nos últimos episódios depois de um bom tempo sem entender o propósito de conhecer as informações apresentadas antes. Mas não, “The Assassination of Gianni Versace” começa com uma bomba já no começo para depois mostrar todos os antecedentes. A surpresa vem nos primeiros momentos e deixa as dúvidas a serem sanadas mais adiante por episódios que mostram quem é a o rapaz que de repente pegou uma arma e atirou contra um dos maiores ícones da moda sem motivo aparente.
É neste ponto que o maior problema de “The Assassination of Gianni Versace” aparece, ainda que sem surpreender. Contar a história do assassino e expor como ele chegou até Versace é, de fato, o único ou um dos caminhos aceitáveis para criar um seriado sobre o assunto. No entanto, em vários momentos parece haver pouco conteúdo para vários episódios, especialmente considerando que várias explicações se limitam à dimensão psicológica do assassino. Não há como reclamar da seqüência lógica dos fatos ou de estrutura narrativa, porém meu interesse por vezes esvanecia levemente quando tinha a impressão de já ter visto aquilo antes. No final das contas, por mais que tenham arranjado uma forma de expandir a morte do designer de moda para algo bem maior, a história ainda sofre por não esbanjar conteúdo. Talvez os próprios produtores tenham notado isso por terem reduzido o número de episódios de 10 para 9, o que ainda parece demais para a história contada.
Ao menos Darren Criss faz muito pela série por acompanhar o foco intenso em Andrew Cunanan com uma performance multifacetada de uma pessoa extremamente problemática, flagelada e destacada da realidade da maioria das pessoas. Criss, ainda que empreste alguns trejeitos de seu papel como um rapaz gay em “Glee”, traz uma virada sinistra e quase profana daquilo que pode ser identificado como reconhecidamente humano. Em outras palavras, ele tem o tato sutil de utilizar esta familiaridade com um personagem animado e jovial como uma faceta de uma pessoa incomparavelmente diferente, alguém com malícia e falsidade debaixo desta suposta simpatia. Infelizmente, algumas situações se repetem e tiram um pouco da graça de acompanhar a jornada de Cunanan, mas Criss faz o que pode — e isso é muito — para evocar um novo lado de seu personagem sempre que possível, seja trazendo alguma novidade completa ou mudando a intensidade de algo previamente mostrado — como mais brutalidade ou frieza. Enfim, poderia dedicar vários parágrafos falando sobre Criss e Cunanan, mais especificamente, mas acredito que o fogo de “The Assassination of Gianni Versace” é justamente conhecer pedaços da vida do rapaz ao longo dos anos e, sozinho, juntar as peças. Entender que tipo de pessoa ele é e quem ele finge ser, perceber os padrões em seu comportamento e que tipo de coisa o move, ver pedaços de seu passado e como eles se explicam várias atitudes futuras. Estragar isso é minar a força de uma temporada que já não tem muita.
Quanto ao resto do elenco, nenhum chega a ter o mesmo destaque em qualquer sentido. Nem em proeminência na trama, nem em tempo de tela, nem em competência propriamente dita. Mas também não é motivo para reclamação. Os atores fazem seu melhor conforme o papel os permite e, pensando bem, isso acaba funcionando para Ricky Martin, por exemplo. Longe de ser uma escolha certeira de ator renomado para ser o namorado de Gianni, ao menos seu papel limitado não permite que possíveis maus momentos surjam. Outros atores freqüentemente trazem contribuições impactantes a despeito de sua brevidade, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de Andrew Cunanan. Certos sujeitos são essenciais para desenterrar um pouco mais a sujeira do criminoso e revelar quem ele é de verdade, como Terry Sweeney e Michael Nouri. Em contrapartida, os trechos da vida pessoal de Gianni Versace nem sempre parecem estar bem encaixados com o resto da história. Eles até dizem algo pontualmente, em parte por causa das atuações de Édgar Ramirez e Penélope Cruz, porém parecem formas de amenizar o foco em Cunanan com mais conteúdo sobre Gianni Versace.
Por fim, “The Assassination of Gianni Versace” resgata uma característica notável da primeira temporada e até de “Feud: Bette and Joan“: a fidedignidade visual de todos os envolvidos. Tirando alguns poucos exemplos, como Penélope Cruz ficando feia sem conseguir esconder sua beleza, o elenco todo pode ser comparado com suas contrapartes reais sem que muitas diferenças sejam notadas. Destaque vai para Édgar Ramirez se transformando completamente para encarnar o estilista e Darren Criss dando certa sorte de ser fisicamente parecido com Cunanan. Sobre o resto, atuações fortes compensam e muito uma história que dá suspeitas de pouca margem para uma grande história e logo mais confirma isso quando ocasionalmente bate nas mesmas teclas. A falta da interpretação metamórfica de Criss seria fatal na manutenção do interesse do espectador por esta segunda temporada, que sem dúvida alguma fica bem abaixo da primeira. Nada que resulte em um produto ruim ou reprovável, contudo a diferença entre dois acertos em níveis diferentes se faz evidente. Aos interessados neste assassinato polêmico, “The Assassination of Gianni Versace” dificilmente deixará corações partidos.