Um de meus problemas principais com o primeiro filme do Homem-Formiga é a evidente falta de foco como um todo. Primeirio fator: um estúdio de regras rígidas e bem definidas, resistente a todo e qualquer tipo de sugestão ou mudança vindas de fora, por mais que fossem tentativas de quebrar a fórmula para o bem do próprio filme. Segundo fator: uma produção que contava com o nome forte de Edgar Wright na direção, alguém que poderia contribuir muito para a abordagem leve da Marvel e especialmente para um filme mais inclinado para a comédia. E o resultado: um produto rasgado em dois pela demissão de Wright na metade do caminho em prol da contratação de Peyton Reed. Além de outros problemas de roteiro, os quais deram as caras e tornaram a experiência ainda mais esquisita, misturando várias coisas sem alcançar uma união agradável. “Ant-Man and the Wasp” tinha tudo para ser mais do mesmo, mas impressiona por seguir outro caminho.
A participação do Homem-Formiga (Paul Rudd) no conflito entre o Capitão América e o Homem de Ferro resultou em uma série de problemas para o herói. Novas leis são definidas para heróis e o grupo do Capitão é considerado ilegal, com o próprio Scott Lang ficando dois anos em cárcere domiciliar enquanto Hank Pym (Michael Douglas) e Hope van Dyne (Evangeline Lilly) vivem escondidos do governo. Mas o retorno de Lang do mundo quântico dá novo sentido à vida deles: agora podem focar em tentar resgatar a Vespa original da prisão em que é mantida há décadas. Com todos se esquivando da lei, cada movimento deve ser feito com cuidado, o que se mostra difícil com a presença de uma vilã querendo roubar a tecnologia de Pym.
Em “Ant-Man“, era possível deduzir quais idéias provinham de qual fonte. Em outras palavras, a falta de alguma confirmação oficial não matava a impressão forte de que algumas cenas e sacadas provinham da mente de Edgar Wright enquanto outras menos competentes só poderiam ter vindo do diretor substituto. De todos os problemas que a obra mostra, a luta nos trilhos do trenzinho de brinquedo e as súbitas mudanças de plano foram um ponto claramente alto, uma subversão dos conflitos climáticos que deram as caras tantas vezes, inclusive de forma negativa em filmes como “Guardians of the Galaxy Vol. 2“. Foi uma forma de dizer que nem tudo precisa seguir as regras e explodir tudo numa batalha bombástica e cheia de feixes de energia voando pelos ares — outro exemplo sendo o próprio “Wonder Woman“.
Com isso em mente, quem diria que um filme dirigido exclusivamente por Peyton Reed, o diretor que entrou no lugar de Wright, poderia ser bom? Muito mais fácil seria pensar que as outras piadinhas sem a mesma criatividade baixariam o nível geral de “Ant-Man and the Wasp”. Acontece que, de alguma forma, o nível não baixou e, melhor ainda, qualquer tipo de inconsistência morreu por conta de apenas um estilo estar envolvido na direção, apenas as idéias de uma pessoa ditando o tom geral das coisas. Realmente, não adiantaria nada ter tudo isso se a predominância fosse de lixo; antes uma parcela de coisas boas do que nada. Felizmente, “Ant-Man and the Wasp” conta com uma melhora de performance de seu diretor e de uma história significativamente mais equilibrada, engraçada, eficiente e melhor amarrada.
A abordagem mais inclinada ao humor é abraçada sem medo. Pode não parecer muito, considerando que praticamente todos os filmes da Marvel têm toques de comédia, especialmente com Thor: Ragnarok tentando uma abordagem parecida e de pouco sucesso. De qualquer forma, uma coisa é certa: nem de longe a quantidade de chacota é a mesma. Sem o mesmo esforço ridiculamente forçado de tentar fazer graça, “Ant-Man and the Wasp” se apóia mais na burrice inerente do protagonista em comparação com seus companheiros claramente mais inteligentes. A personalidade muito desajustada do protagonista não poderia produzir qualquer outro resultado diferente do humor, fazendo as tentativas de humor simplesmente se encaixarem melhor na proposta geral. Melhor do que ajustar um personagem previamente sério a uma entonação que não é naturalmente dele, sem dúvida. Só que a comédia não está totalmente nas costas do personagem principal. Há muito a ser encontrado em outras seqüências que brincam com mais do que as personalidades conflitantes do elenco.
Peyton Reed mostra sua maior evolução na criação de momentos marcantes igual à mencionada seqüência do trenzinho. As melhores cenas de “Ant-Man and the Wasp” envolvem a criatividade do roteiro e do diretor no uso loucamente liberto da escala das pessoas e objetos, isto é, aumentar e diminuir objetos de um jeito que nunca tinha sido feito antes. Faz sentido? Difícil dizer que entendo a pseudo-ciência por trás de como brincam com o tamanho dos objetos. Não fica uma impressão sólida de que há consistência nos tais poderes da ciência, mas tudo acontece tão naturalmente e se encaixa tão bem nas cenas de ação que não cheguei a me preocupar muito. Simplesmente não deu tempo de ficar pensando nos detalhes sendo que o entretenimento era mais do que garantido. O conteúdo não passa tão longe do que se viu antes para haver incômodo real.
Por fim, este aspecto duvidoso não é o único dos problemas em “Ant-Man and the Wasp”. Pela décima oitava vez, a Marvel introduz outro vilão fraco sem muito peso na história além de ser um obstáculo para os objetivos pontuais dos personagens. A tal Fantasma (Hannah John-Kamen), por si, não rende nenhuma cena de luta decente e tem uma presença bastante descartável, mas cumpre sua função maior de complicar a vida dos envolvidos para além de uma troca de murros, pois os arrasta para problemas maiores. É infeliz que novamente seja um vilão sem sal, especialmente quando todo o resto é melhor trabalhado que no predecessor.