“Frank” está longe de ser bem conhecido. Para uma produção menor, sua popularidade existe em grande parte por ser aquele filme com Michael Fassbender usando uma cabeça de papel-machê gigante. Quantas obras podem gabar-se de ter algo parecido? Pouquíssimas, certamente. Mas esta não é a única qualidade aqui, que explora uma diversidade de temas envolvendo cultura, identidade e tentar achar um lugar no mundo. Se tudo isso é bem explorado, já é uma outra história. Fragmentos e idéias soltas estão ali, muitas vezes sem desenvolvimento ou destaque para levar tudo isso adiante.
Jon Burroughs (Domhnall Gleeson) vive hoje como ontem e o amanhã como hoje. Sua vida se resume a, basicamente, ir trabalhar todos os dias e pensar nas coisas que realmente gostaria de estar fazendo, além de ser praguejado algumas idéias que o relembram de seus sonhos. Um dia ele tromba com uma banda peculiar, resumindo em poucas palavras, e é convidado para substituir o tecladista, que passa por problemas pessoais. Deste ponto em diante, sua vida muda completamente. A banda, sem absolutamente nada de tradicional ou popular, trabalha de forma igualmente esquisita e tem como líder uma figura que resume todas essas qualidades: Frank (Michael Fassbender). Ao seguir uma vida completamente atípica depois de viver uma completamente comum, Jon passa a conhecer mais sobre si mesmo e o mundo.
De todas as coisas que posso chamar “Frank”, vazio não é uma delas. Embora também não possa dizer que ele faz bem tudo a que se propõe, que leva adiante idéias introduzidas e constrói algo em torno do enredo e seus personagens. Ao fim do filme, possuía uma multidão de idéias sobre o que ele tentou dizer sem chegar a uma resposta concreta; ou em outras palavras, tive uma vontade especial de escrever. Isso acontece e é relativamente inexplicável. Não tem muito a ver com qualidade ou a falta dela, pois às vezes o filme em questão é sem sal e, mesmo assim, desperta uma vontade de debater e escrever sobre ele. Neste caso, acredito que o motivo seja pela grande variedade de temas abordados aqui, que são interessantes e poderiam render uma obra com argumento instigante. O potencial perdido é a característica mais evidente aqui.
Para desvendar sobre o que este longa trata, pode-se começar pela sua figura central: Frank. Além da cabeça gigante de papel-machê, que fala por si, ele é um cara cujas características pessoais vão bem além de ser apenas mais um mero esquisitão. Pior do que apenas usar a cabeça apenas como uma persona é usá-la o tempo todo e não tirar nem para tomar banho. Sua fala é calma e serena, mas nunca exatamente clara. Destes dois fatores, surge uma série de interações sociais com o personagem descrevendo suas expressões faciais numa tentativa de evitar confusão. Estranho, no mínimo, mas este é Frank: o homem com genialidade no subtexto e uma deficiência no básico. Na hora de falar sobre música, ele usa todos os termos corretos e demonstra certo raciocínio musical visível para as pessoas de fora, algo que as convence de seu status de visionário. Então chega a hora de tocar e os arranjos são caóticos; as progressões, nulas; e o sentido, inexistente. Seria Frank um gênio mesmo ou alguém convincente em externalizar sua ilusão?
A partir dessa dualidade, analisa-se melhor a jornada do próprio Jon, que envolve uma mudança de vida a partir da entrada em uma nova cultura. Juntar-se a uma banda é um passo gigantesco para quem vivia na fantasia de um dia conseguir abraçar a inspiração totalmente e compor algo concreto; é uma forma de colocar o conhecimento musical mais em prática que criar amostras num Macbook. Sair de casa e entrar para uma banda é um passo para frente em direção a um futuro mais promissor que um escritório. No mínimo, é uma experiência que permite a ele conhecer o mundo ao conviver com outras pessoas do ramo musical, o próprio ramo a fim de checar se é aquilo que ele busca e a si mesmo, a forma como ele se encaixa nessa dinâmica multifatorial.
Sua experiência, por outro lado, não tem nada desta objetividade. Assim como vários dos conteúdos e temas vistos em “Frank”, são idéias que se apresentam de forma sutil e leve, muitas vezes até leviana. Por exemplo, o único conteúdo transmitido concretamente desta divagação sobre o trajeto de Jon é sua relação animosa com os integrantes da banda — exceto Frank, claro, que vive em outra realidade e não briga com ninguém. Estarei indo longe se interpretar isso como ir ao extremo oposto da existência a fim de encontrar uma posição confortável entre dois pólos, explorar a monotonia de um escritório e depois a inexistência de rotina e disciplina de conviver com a banda Soronprfbs — nome que ilustra perfeitamente a falta de lógica do grupo.
O que talvez faria sentido é analisar algumas consequências dessa convivência conturbada. Jon começa numa posição que ele mesmo despreza e parte para uma outra bem diferente por puro entusiasmo. Muito do que ele encontra lá não é de seu apreço ou simplesmente não faz sentido. Ele se considera o errado da história, o corpo estranho, porque acha que não tem capacidade de entender o que a banda faz. Volta o debate trazido inicialmente pelo personagem de Frank: há alguma coisa para entender mesmo ou será que é tudo lixo incompreensível? Talvez sim, talvez não. “Frank” pode muito bem ser interpretado — a partir de uma abordagem mais incisiva — como uma crítica aos artistas que gostam de ser alternativos por ser e de subverter as regras cujas funções eles não compreendem. Sua jornada pode revelar a qualidade duvidosa de uma banda que tem individualidade sem substância e apenas a crença sobre fazer algo diferente, novo e único como consolo. Por outro lado, é possível ver Jon como o inimigo da criatividade e a fonte de mediocridade num ambiente rico com inspiração e sintonia imaginativa, um invejoso que tenta ser como Frank e falha.
Novamente, não dá para afirmar concretamente que a história toma algum partido ou dá as peças para o espectador montar uma imagem que faça sentido. É possível ter idéias a respeito da obra — como em qualquer caso — porém a imagem se constrói em boa parte com peças fabricadas pelo espectador, que preenche lacunas com pensamentos próprios. Então surge uma afirmação mais ou menos sólida sobre diversidade e o respeito pela posição de cada pessoa, ser um músico incomum ou um tradicional. Mesmo que algo não funcione para todos, pode funcionar para alguém. E, curiosamente, isso se aplica completamente a “Frank”: pode fazer sentido para muita gente e ser um filme incrível, mas não para mim. Eu estou para o filme assim como Jon está para Soronprfbs.
As possibilidades impressionam. Poderia ter sido interessante ver a história falando de gente que entende incrivelmente bem seu ofício e usa este talento para a chacota e a brincadeira; como quem consegue manipular as regras e convenções a seu bel prazer, fazendo muitas pessoas pensarem que o talento é desperdiçado em bobagem. Eventualmente, talvez chegaria em algum ponto próximo ao trabalho de Frank Zappa e Captain Beefheart, que usaram sua música para fazer algo subversivo e diferente sem que possa acusá-los de incompetência. Até certo ponto, Frank se encaixa neste modelo também. Só falta uma forma de convencer que realmente existe algum talento por trás de falas e atitudes enigmáticas. O pouco de credibilidade do personagem existe por conta da atuação milagrosa de Michael Fassbender, que tira leite de pedra por pelo menos sugerir alguma genialidade oculta ali. No entanto, como tantos temas debatidos aqui, senti que há uma grande diversidade deles e pouca discussão, quantidade sem desenvolvimento. Quando chega a hora de colocar à prova as idéias tão bem introduzidas, o desempenho é tão sem graça quanto as performances da alternativa banda incrivelmente alternativa.