Às vezes fico imaginando se um dia faltarão personalidades para Hollywood fazer biografias sobre. Tudo bem que Winston Churchill está bem longe de ser uma celebridade de segunda categoria para me fazer achar que tudo está perdido, porém especialmente neste final de 2017 parece que os filmes indicados foram Biografias em sua maioria. “Darkest Hour” inclusive chega a colocar-se próximo ao período histórico de “Dunkirk“, deste mesmo ano. Se por um lado é legal ver produções completamente distintas se complementando, penso na possibilidade da criatividade estar em falta. Sendo o caso ou não, é possível encontrar aqui um candidato muito provável ao Oscar de Melhor Ator, mesmo que o filme em si não seja visto concorrendo a Melhor Filme.
A administração do Primeiro Ministro Neville Chamberlain (Ronald Pickup) tem sido desastrosa. A Alemanha segue em frente dominando os países em seu caminho pela Europa e se aproxima da França enquanto o exército inglês passa por suas próprias dificuldades decorrentes de decisões ruins. Com o parlamento em caos, um novo líder é escolhido para reverter a situação, alguém que tenha competência para liderar em tempos de guerra: Winston Churchill (Gary Oldman) é o eleito. Polêmico e controverso por seu passado na política, Churchill entra confiante, mas logo enxerga o peso da situação em que se meteu. O destino da nação está em suas mãos.
Falar das qualidades de “Darkest Hour” sem falar de Gary Oldman faz tanto sentido quanto ir ao cinema e dizer que a melhor parte foi a pipoca. Mesmo que o filme seja terrível neste caso, comenta-se sobre o filme em si antes de qualquer outra coisa; diria-se “Foi muito ruim, mas pelo menos a pipoca foi boa” ou algo por aí. Dessa forma, ao sair da sessão só consegui pensar num primeiro comentário a respeito da performance de Oldman. Seus outros trabalhos surpreenderam várias vezes no passado, como “Léon” e “Tinker Tailor Soldier Spy“, já este foi muito além em vários sentidos. A caracterização transformou um homem de porte médio em um velho na casa dos 100kg, uma diferença gritante para um ator considerado galã e que interpretou uma versão de Drácula investida na sedução e no apelo sexual. Certamente, são características que dificilmente alguém aplicaria para Winston Churchill, um homem cheio de conquistas e méritos que não têm nada a ver com beleza.
Mas o grande choque não surge pelo fato de Oldman estar cheio de rugas e com gordura debaixo do queixo. Embora incrível, ainda é uma conquista menos impactante do que um ator ficando irreconhecível em seu papel porque ele se desprende de trejeitos comuns ou associados a sua pessoa para encarnar a personalidade de Winston Churchill. A única forma que achei de encontrar o ator em algum lugar ali foi olhando através da maquiagem para encontrar seu par de olhos levemente reconhecíveis em meio a tantas próteses. De resto, a excentricidade de Churchill toma conta, algo em que eu sinceramente não pensava quando lia suas ótimas citações. Era muito mais fácil pensar num intelectual recluso ou moderado do que num homem que tinha rompantes de humor, balbuciava com frequência e tinha uma cabeça dura como granito. “Darkest Hour” sempre foi uma obra biográfica, mas nunca pensei que seu protagonista fosse roubar tanto a cena assim. Gary Oldman definitivamente merece ser aplaudido por conseguir traduzir a complexidade de uma personalidade icônica usando o comportamento humano; trejeitos, tom de voz, modo de andar e falar, entre vários outros detalhes mais difíceis de captar do que o popular costume de sempre andar com um charuto na mão ou na boca.
Como figura central, Winston Churchill ostenta sua personalidade forte e, de certa forma, rígida. Ele tem opiniões bem formadas sobre uma grande variedade de assuntos e, assim, dificilmente fica sem ter o que dizer numa discussão. De forma inteligente, “Darkest Hour” introduz o conflito logo cedo para competir com seu protagonista. Fica óbvio desde o começo que trata-se da Segunda Guerra, mas me refiro a conflito numa esfera mais pessoal, a situação particular da Inglaterra na guerra e que responsabilidade isso cria para alguém como um Primeiro Ministro. Por meio de um grande discurso tipicamente seu, Churchill é introduzido praticamente como um herói, o salvador da nação, uma figura histórica em carne e osso diante dos olhos do espectador. Mas isso não dura para sempre, ao contrário de como o senso comum trata ele.
“Darkest Hour” busca colocar o gigante contra o colosso. O homem que salvou um país contra o maior conflito da história da humanidade. Hoje, ambos são figuras praticamente mitológicas com todas suas histórias e contos sobre feitos impressionantes, os quais desafiaram o bom senso para resultar em algo totalmente inesperado. Mas na época, quando as coisas aconteceram de fato — ou como esta recriação mostra — tudo foi bem diferente. Começa com muita confiança e petulância; continua com a apresentação do desafio e todas suas complicações ao mesmo tempo; e resulta numa desconstrução do mito até chegar na parte humana e banal daquela grande personalidade.
Com uma proposta louvável como essa, “Darkest Hour” deixa de ser um filme impessoal totalmente baseado em fatos, como pode-se esperar, para abraçar seu personagem central em sua totalidade. De certa forma, dá para dizer que a intenção principal foi de levar o protagonista de um oposto ao outro, mostrar que até nos maiores seres humanos existe um oposto para a coragem. Considerando esta abordagem e o tempo que dedicam a ela, acaba sendo um tanto incômodo como tudo conserta-se rapidamente. Depois de uma preparação calma, bem cadenciada e adequada à proposta de humanizar uma lenda, ainda que praguejada por várias metáforas visuais pouco sutis da direção de Joe Wright, as soluções trazidas pelo roteiro são súbitas e surrealmente efetivas em reverter a situação. O resultado final era esperado? Sim, afinal não é novidade quem ganhou a guerra. Mas o caminho até ele poderia ter sido mais próximo ao que se vê na preparação para o clímax, que é construída com calma desde o começo do filme.
Considerando o número maior de obras biográficas presentes nesta temporada de premiações, acreditava que a centrada em Winston Churchill fosse estar entre as melhores. Aliás, ela pode ainda estar, mas a temporada tem que ser especialmente abaixo do nível dos últimos anos para isso. No mínimo, “Darkest Hour” pode se gabar de algo que muito dificilmente a concorrência vai conseguir encarar de igual: Gary Oldman. Se, por um lado, o filme faz um esforço para tirar Churchill do Olimpo, o ator o eleva novamente com uma interpretação exímia.