Certa vez ouvi falar que os filmes de James Bond eram feitos a partir de cenas de ação, que pensavam nelas primeiro e depois construíam história, personagens e o resto. Pensando por alto, diria que é uma forma um tanto estranha de escrever um roteiro, mas quem sou eu para questionar uma franquia de mais de 50 anos? Não obstante, nem todos foram bons. Alguns deram muito certo e outros muito errado. Se eu fosse descrever “The Square” pensando nestes termos, diria que ele é um filme ruim de James Bond. A composição do todo a partir de uma coleção de várias partes boas deixa muito a desejar.
O museu de arte moderna onde Christian (Claes Bang) trabalha está passando por dificuldades. Todos pensam em alguma nova atração que capture genuinamente o interesse do público, algo chocante e impressionante que renove a imagem do museu. Christian quer inaugurar uma exposição minimalista envolvendo sentimentos de fraternidade e altruísmo dos visitantes, mas não sabe como tornar a proposta atraente e chamativa. Entre reuniões e mais reuniões sem nada concreto, começa a bater o desespero acompanhado de decisões radicais e extremas. Para ajudar, Christian tem seu celular e carteira roubados, tornando sua vida pessoal uma bagunça igual a profissional.
Todo filme começa com uma idéia. Sua eficiência depende de dois grandes fatores: fidelidade a ela e, claro, se a idéia presta. “The Square” acerta mais no segundo fator que no primeiro, pois não posso dizer que seu argumento geral é ruim ou inválido; ele tem algo a dizer e é algo em que eu mesmo já pensei e conversei com amigos meus. Não é um assunto de nicho ou pouco discutido, todavia, pois já vi mais de uma vez discussões acaloradas em redes sociais sobre arte moderna. Quão válida ela é? É arte mesmo ou uma forma de relativizar a banalidade? É um mercado dominado por supostos especialistas e alimentado por gente que sustenta uma mentira? É uma ilusão coletiva e não questionada pelo público? Dá para ficar o resto da vida discutindo o assunto sem chegar muito longe, já que não há como instituir uma verdade para acabar com todas as suposições. É isso que Ruben Östlund tenta fazer aqui: propor uma discussão através da cômica jornada de um curador de arte que enfrenta situações anormais quase diariamente.
Destrinchando a idéia central, é possível chegar em duas outras ramificações: a busca por idéias novas para o museu, além das consequências delas; e a vida pessoal do protagonista. Acompanhando Christian, o espectador presencia os eventos absurdos de seu cotidiano e como cada um transmite o ponto de vista do diretor sobre arte, sexo, moralidade, extremismo, intimidade, ideologia e outros. “The Square” sempre deixa relativamente claro qual assunto está discutindo. Há uma variedade deles sendo perceptivelmente explorados em cenas construídas para que não se perca o sentido, assim cada uma acaba sendo mais que uma reunião chata da administração do museu ou outra cena de Christian com suas filhas. Östlund demonstra ter uma opinião bem definida e evidencia isso em cenas que não escondem seu objeto de discussão.
Tecnicamente, não posso reclamar de qualquer coisa. Interpretações afinadas com os objetivos de cena nunca perdem a oportunidade de causar uma boa impressão no espectador, ou melhor dizendo, a impressão certa. Elisabeth Moss, por exemplo, faz participações pontuais e sempre bem sucedidas. Entrevistando Christian, ela demonstra com sorrisos envergonhados e uma incisividade quase juvenil um sentimento que críticos da arte moderna frequentemente sentem: a dúvida sobre o que diabos aquela escultura, texto ou ideal quer dizer. Em outro momento, ela suavemente se adapta a uma troca brusca de tom, indo de algo de natureza selvagem para um humor espertinho e sagaz. Moss, assim como a maioria esmagadora do elenco, reforçam a competência técnica de cenas bem concebidas, fotografadas e, melhor de tudo, muito bem dirigidas.
Até então, parece que “The Square” é extraordinariamente competente em tudo o que se propõe. Atuações fortes, personagens orientados para os objetivos de cena, composição enfatizando as sensações relevantes de cada situação, fotografia eficiente… Parece que acertaram em todas as coisas que importam e que o filme é um grande sucesso. Todos esses acertos são verdade com um porém: eles são acertos cujos sucessos funcionam de forma unitária, ou seja, cada cena funciona sozinha. Várias delas são executadas com excelência, com todas as qualidades citadas previamente as tornando memoráveis, engajantes, engraçadas, inteligentes… Só que várias delas chegam, causam uma boa impressão e somem. Com um impacto nulo, parece que elas existem apenas como um entretenimento passageiro que vem para divertir o espectador por alguns momentos e preencher o espaço até que algo relevante venha na sequência.
A cena em que Christian é assaltado, por exemplo, é ótima. A composição leva em consideração o número de pessoas em cena simultaneamente enquanto a direção, visando o humor, coordena o movimento quase sincronizado de atores antes da adrenalina tomar conta dos poucos envolvidos que restaram da multidão inicial. Outra cena envolve um homem-macaco entrando num jantar de gala e causando uma perturbação maior que o esperado pelos tais especialistas em arte moderna, dando a oportunidade breve para Terry Notary deixar sua marca em “The Square”. E depois? Enquanto o primeiro exemplo causa uma série de repercussões no enredo, o segundo chega sem encaixar-se no que foi apresentado antes e parte sem mudar os eventos posteriores. Tudo bem, compreende-se o que o filme tenta afirmar com a cena, mas ela é uma afirmação sem muita conexão com todas as outras. Em termos de impacto, ela é incrivelmente efêmera porque está sozinha entre tantos outros momentos bons que não se comunicam.
Para ajudar, é uma experiência exageradamente longa. Com 142 minutos, a falta de um elo mais forte dá a impressão de que a obra é muito mais extensa do que realmente é, dando um certo desânimo de saber que ainda falta mais de uma hora para o filme acabar quando não se aguenta mais tanta falta de direcionamento.. No geral, “The Square” tem diversos momentos louváveis — indiscutivelmente bons talvez — mas uma coleção de cenas competentes postas juntas não são o mesmo que um filme competente. Estra obra prova que, definitivamente, o todo não é resumido à soma das partes. Existem vários momentos bons que permaneceram comigo depois do fim da sessão e cujas características são bem evidentes. Criticar a arte moderna e usar a vida do protagonista para evidenciar alguns pontos relacionados faz todo o sentido, mas isso não constitui um elo forte entre momentos fortes por si. Na falta de uma conexão mais abrangente entre várias unidades, fica especialmente notável que falta um significado ao agregado delas para fortalecer um argumento maior. Analisando trechos individuais, “The Square” pode parecer genial, ao passo que o conjunto da obra deixa muito a desejar sobre o que se quer dizer realmente.