Um dos grandes motivos por trás da minha empolgação por “All Quiet on the Western Front” é o fato dele ser um filme de Primeira Guerra Mundial. Com tantas outras opções sobre Segunda Guerra, Vietnã e até conflitos mais recentes — como a intervenção americana no oriente médio — algo sobre a Grande Guerra me soou muito atraente. Obviamente, ele não é o único trabalho sobre o conflito, “Paths of Glory” também entra neste grupo. Sendo a obra que lançou Stanley Kubrick como um diretor respeitado, não dá para dizer que sua reputação é pequena ou negligenciável; especialmente porque conta com Kirk Douglas, já uma grande estrela na época, no papel principal. Mesmo assim, não senti a mesma empolgação inicial pela obra porque, no final das contas, ela tem uma abordagem um tanto diferente do conflito. Não pareceu tão atraente na época.
Dois generais do exército francês separam um tempo para conversar sobre a guerra. O General Broulard (Adolphe Menjou) enfatiza para o General Mireau (George MacReady) como a captura de uma posição alemã seria extremamente bem vista entre o alto escalão do exército e até poderia resultar em uma condecoração. Além de, claro, ser uma conquista estratégica para o país. Mireau sente-se empenhado para fazer a empreitada funcionar, mas o Coronel Dax (Kirk Douglas) e todos os seus soldados sabem muito bem que é uma missão suicida. Quando o ataque fracassa desastrosamente e o General vê sua promoção desaparecer, ele acusa seus próprios soldados de covardia frente a um tribunal militar.
Essencialmente, a diferença entre “Paths of Glory” e “All Quiet on the Western Front” é que o primeiro trata menos do conflito em si, sobre as coisas que acontecem no campo de batalha e como isso molda o indivíduo. Busca-se ir além das consequências diretas do conflito para explorar o rescaldo moral e semântico; o que a guerra significa para além da esfera individual do soldado que sai das trincheiras praguejadas por lama, chuva e ratos para enfrentar fogo inimigo na terra de ninguém e cadáveres amigos em cada vala. Com isso, não busco desmerecer nenhum dos lados, já que a guerra como um todo sempre tem vários lados a serem explorados e ambos contam ótimas histórias. Se esta obra de Kubrick prova algo, sem dúvida é de que a ação não necessariamente tem as melhores partes da história. Há muito para ser discutido em meio a burocracia, ideologia, ambições pessoais e hierarquia.
“Paths of Glory” tem um objetivo muito simples: mostrar um retrato do ser humano em condições drásticas. Nas trincheiras, há a inquietude e ansiedade constantes sobre o que vem a seguir. Não, a Primeira Guerra não foi chata ou monótona por conta dos soldados ficarem entrincheirados durante anos até que alguma coisa acontecesse vez ou outra. Ao menos é isso o que esta história diz. O tempo gasto entre corredores de lama não eram exatamente agradáveis, longe disso. Os soldados eram dominados pelo temor de ter que colocar os rostos acima da proteção e olhar a morte nos olhos. Quando a hora finalmente chega, não há como invalidar o medo daqueles indivíduos. A situação é universalmente tensa quando a câmera acompanha o Coronel Dax enquanto este caminha pela extensão da trincheira. Há homens corajosos e homens amedrontados, empolgados e apáticos, intactos e maculados profundamente.
Independentemente de sua situação, estes homens são ordenados a fazer o que claramente não desejam em nome de seu país. Pior ainda, são enviados em uma missão que todos sabem que não terá um final feliz para muitos. Os soldados sabem. Os sargentos sabem. Os capitães sabem. Os generais sabem bem até demais. “Paths of Glory” pode até ter um foco, mas ele nunca negligencia nenhuma etapa. É possível presenciar a ansiedade do antes, a adrenalina do ataque, o desespero da retirada, o alívio de vida curta da volta ao abrigo e a incerteza consequente do fracasso do ataque. O alto escalão está insatisfeito com os resultados e acredita que alguém deva ser responsabilizado, culpado e até punido. Alguém como as mesmas pessoas que deixaram suas famílias em casa para lutar uma luta que não era deles, que sacrificam a própria vida para testar alguma estratégia arriscada sem perspectivas sólidas além da morte.
A mensagem é clara desde o primeiro diálogo entre os generais e continua firme até os últimos momentos. O grande mérito de “Paths of Glory” reside no fato de manter-se sempre preso à sua proposta. Afinal, é um filme relativamente curto com seus 88 minutos. Não há tempo para divagar e, felizmente, não o fazem. Mesmo assim, isso não tira o mérito da construção cuidadosa do roteiro em dar atenção aos aspectos importantes para a evidência de práticas moralmente questionáveis. Vai além do ato de tirar uma vida, pois alcança as pessoas que oficializam tais atos como algo aceitável e, como dito por alguns personagens, imperativo para a constituição de um homem como soldado. Patriotismo toma o lugar da personalidade como a única alternativa aceita e, assim, qualquer pessoa destoante disso é marginalizada.
Roteiro e direção erguem juntos uma história tão visualmente chamativa quanto semanticamente rica. A podridão exposta no clímax de “Paths of Glory” é potente como a cena em que o Coronel Dax avança pela Terra de Ninguém com cada vez menos soldados o acompanhando. Ambos os momentos possuem razões de sobra para serem lembrados: em um caso por conta dos personagens atingirem limites absurdos da imoralidade; em outro, por ver um homem soando e soando seu apito como se fizesse algum tipo de diferença no saldo de fatalidades no campo de batalha.
Finalmente, não poderia ser para menos: a conclusão de “Paths of Glory” mostra pulso firme na concretização de sua mensagem. Não há espaço para convenções que nasceram fora do que diz respeito à história. Se a indústria nutre-se de clichês, isso não tem nada a ver com o que apresentam neste ótimo conto da Grande Guerra. O próprio Kirk Douglas disse ter certeza de que este seria um bom filme no futuro e que não seriam necessários 50 anos para provar isso. Tenho certeza de que o mesmo não seria dito se o clichê tivesse sido escolhido em detrimento de uma decisão coerente com o resto do enredo.