Antes de tudo, digo que “All Quiet on the Western Front” merece ser visto por um simples motivo: é um filme de Primeira Guerra Mundial. Mas e daí? Considerando que pelo menos 80% das obras de guerra mais conhecidas são sobre a Segunda Guerra Mundial, é refrescante ver algo diferente. “Saving Private Ryan”, “Band of Brothers”, “Inglorious Basterds”, “Pearl Harbor” são apenas alguns exemplos. Sem contar os inúmeros outros que envolvem Nazistas como vilões ou exploram o personagem dentro do contexto do conflito. Se não pelo conflito em si, o ponto de vista alemão escolhido é outro quesito interessante, pelo menos por efeito de variação.
Motivos para assistir este longa-metragem não faltam e qualidade é certamente um deles. Contando muito bem a história de jovens recém alistados na Grande Guerra, o enredo acompanha a vida de um grupo de rapazes incitados a se juntar ao exército por seu professor. Como é de praxe do gênero Épico, diversos lados que envolvem os acontecimentos da guerra são retratados, além das óbvias batalhas e da ação. Isso não quer dizer que o filme sofre por não falta de foco, contudo, pois cada uma que é abordada mostra tanta dedicação quanto a anterior.
Como o próprio filme avisa em seus créditos iniciais, ele não trata de um conto de heroísmo e extraordinários atos bravos, mas sim de uma história sobre morte e falta de aventura. Sem levar isso em consideração, uma pessoa pode querer acusar os atores de má atuação quando estes não demonstram drama perante a morte de colegas, porém quem assistir considerando a mensagem inicial poderá identificar o fator que faz de “All Quiet on the Western Front” tão bom. Diferente de outras obras de guerra, que dramatizam a morte e fazem dela quase um espetáculo, aqui o conflito é representadas friamente, sem novidade e sem celebração. Para os soldados não há entretenimento na guerra, muitas pessoas deixam de viver e quem sobrevive não está completamente satisfeito, pois muito de sua personalidade pré-guerra não volta para casa.
Essa mesma sensação de frieza acerca da morte e vida do soldado também pode ser notada em “Apocalypse Now”, no qual a jornada do indivíduo não é uma odisséia gloriosa. O exato contrário da glória é apresentado aqui, mostrando desde o começo da influência patriótica até a desilusão e consequente rebeldia contra tal ideal, o que definitivamente faz desse filme anti-guerra. Todo esse sentimento de mudança progressiva é bem montado e é visto sem esforço nas atitudes do grupo de amigos. É um processo natural no qual os fatos falam por si, sem grandes discursos para representar um ideal. Para mim, um dos melhores filmes dos anos 30, facilmente.
Com mais de oitenta anos desde que foi lançado, “All Quiet on the Western Front” passa com mérito no teste do tempo. Isto é, a versão com som, usada como base para a análise. O filme foi produzido em duas versões, uma muda e uma com voz, mas ironicamente nenhuma faz uso de trilha sonora. Isso certamente tira a estilização comum dada a certas cenas de combate, que pretendem aumentar seu impacto através da música. O tiro não ecoa por vários segundos quando é disparado e não há canção triste quando um homem morre, ele apenas toma o tiro e cai. Nem as atuações pecam pelo comum exagero do cinema mudo e dos primeiros anos seguintes ao seu fim, elas inclusive parecem naturais o bastante para enriquecer a experiência e até fazer alguns estranharem. Estas ocasiões estranhas, por sua vez, apenas simbolizam a burrice e ingenuidade humana, que precede a dura decepção da vida de uma maneira esplêndida. Mesmo sendo muito antigo, a mensagem passada tem forte peso até hoje, não sendo suavizada pelo tempo e sendo até um tanto ousada para os padrões da época.
Ao menos o livro foi ousado a ponto de ser banido em ambas a Polônia e a Alemanha. Publicado em um jornal alemão de alta circulação, a obra foi fortemente vaiada por alemães ainda ressentidos pela derrota na guerra e consequentemente banida pelo partido Nazista por supostamente representar o alemão como covarde; enquanto na Polônia foi tirado das prateleiras por ser pró-Alemanha. Controvérsia? Com certeza. Dois banimentos só reforçam o poder desta história.
O detalhe é tão explorado nesse filme que ambientes comuns, como o hospital de um front e até atividades brandas, possuem valor para o filme e sua mensagem. O diretor inclusive consultou veteranos alemães para ajudar no detalhe de uniformes, no procedimento militar e na representação do combate e, surpreso pelo número alto de voluntários, acabou contratando vários para atuarem como soldados no filme. Por boa parte do tempo o filme não peca em absolutamente nada, mas uma sequência em especial me deixou confuso: nela, o comportamento dos soldados não faz sentido algum, ainda mais levando em conta que acontecia um tiroteio. O fato é irrelevante para a trama, mas pelo menos para mim não fez muito sentido — estrategicamente falando. Não sou entendido de técnicas militares, o que não torna impossível que o diretor tenha falhado em representar o movimento de tropas no campo de batalha. O ponto de vista é limitado, sim, e isso só torna tudo mais esquisito. Era mesmo imperativo mostrar soldados em ataque e retirada de uma cratera? Se a idéia era mostrar conflito garanto que existem mil maneiras para isso.
De maneira geral “All Quiet on the Western Front” é um filme muito completo e certamente uma surpresa, uma vez que não esperava tanto detalhe e dedicação mostradas nas várias faces da guerra. Mesmo a falta de emoção em certos momentos é usada de maneira poderosa, pois ela compõe justamente a mensagem que o filme quer passar. Como os títulos iniciais dizem: “Mesmo os que escaparam dos projéteis das armas foram destruídos pela guerra”.