A situação do Universo Estendido da DC está complicada. Por mais que se goste dos resultados até então, não há como dizer que o universo nada em estabilidade. Sobre as críticas polarizadíssimas de “Batman v Superman” e a decepção de “Suicide Squad” todos já sabem. Mais recentemente, porém, uma série de notícias deixou o público um tanto perdido. O filme do Flash foi completamente reiniciado, o do Batman perde e ganha gente nova a cada mês, Gal Gadot ameaçou não participar da continuação de “Mulher Maravilha” e até houve um rumor de que algumas produções não fariam parte do universo compartilhado. Entre esse tiroteio de informações, “Justice League” não saiu imaculado. Zack Snyder, o diretor, ausentou-se da produção por problemas pessoais e chamou Joss Whedon para substituí-lo. Refilmagens, reescritas e inúmeras mudanças de última hora marcaram o longa, que, por incrível que pareça, ainda rende um resultado decente.
A morte de Superman (Henry Cavill) muda o mundo. Antes uma figura de controvérsia e revolta para alguns cidadão, agora um mártir abatido pelos crimes da humanidade. Mas ninguém repensa seus atos mais que o próprio Batman (Ben Affleck), o mesmo que pouco tempo antes tentou matá-lo numa tentativa obsessiva de salvar o mundo. Sabendo de uma ameaça iminente, o Cavaleiro das Trevas junta-se à Mulher Maravilha (Gal Gadot) para recrutar uma equipe de super-humanos e impedir que o Planeta Terra torne-se uma brasa flamejante nas mãos do Lobo da Estepe.
Não vou dizer que o universo compartilhado da Marvel é grande coisa porque faz tempo que não lançam algo que prepare o terreno para “Avengers: Infinity War”. “Doctor Strange“, “Guardians of the Galaxy Vol. 2“, “Spider-Man: Homecoming” e “Thor: Ragnarok” não fizeram muito esforço para antecipar o que tem sido considerado o maior evento no futuro do Universo Marvel. Mas tudo bem, ainda é cedo para profetizar fracasso alheio. Ao ver “Justice League”, não pude deixar de pensar no assunto e em como a Warner Bros. tentou algo parecido ao conectar as tramas de “Man of Steel”, “Batman v Superman” e, agora, deste novo longa. Em outras palavras, pensei em como o estúdio perdeu a oportunidade de amarrar três filmes juntos para criar uma história de grande escala, na qual os eventos anteriores são determinantes e essenciais para tudo o que vem depois. “Man of Steel” foi criticado pelo descontrole da destruição nas cenas de ação, que mostravam Superman atravessando e derrubando prédios inteiros em Metrópolis enquanto brigava com o General Zod. Então “Batman v Superman” inteligentemente aproveitou tal polêmica para alimentar o conflito principal do enredo e executar o desenvolvimento dessa idéia de forma confusa. Foi o começo do fim para a proposta de unificar três obras diferentes. Superman eventualmente morre na luta contra Apocalypse e um grande funeral segue, embora reste um sinal de que aquele não era o fim definitivamente.
“Justice League” aproveita outro ponto divisivo entre os fãs para dar início a sua história; já que nem todos gostaram de ver a morte do homem de aço — uma de suas grandes histórias — usada levianamente. A história começa com o ser mais poderoso a pisar na Terra em estado dormente; Batman, embora quase tenha conseguido matá-lo, ainda é um homem diante da ameaça colossal à caminho. Sua capacidade é testada novamente: será que ele consegue fazer algo construtivo tão bem quanto consegue destruir? A tentativa de encontrar membros e unir-los para um esforço cooperativo é seu grande teste. No entanto, a terceira parte da história mostra-se pouco ambiciosa e desinteressada em trabalhar o dilema envolvendo a morte de Superman e as atitudes do Batman. No lugar disso, há um filme completamente investido em criar uma desculpa para reunir vários heróis numa equipe e colocá-los em ação. Consquentemente, criam um vilão que ameaça a existência da Terra para possibilitar isso. Admito que é um tanto decepcionante quando considera-se o potencial não atingido do Universo DC, mas considerando as coisas como elas são, não é uma característica determinante de qualidade. Ser mais simples não impede que a execução seja satisfatória.
De certa forma, a mesma coisa aconteceu com a série X-Men. Depois do sucesso inesperado de “First Class” vir na sequência de dois desastres, Bryan Singer impressionou ainda mais com “Days of Future Past” para então concluir a nova trilogia com “X-Men: Apocalypse“. Este último deixou de lado a complexa história de seu predecessor para abraçar a fórmula de centrar a história na luta contra um grande vilão. Não funcionou muito bem, mas, novamente, não foi por conta da fórmula, e sim de sua execução. Não posso falar a mesma coisa de “Justice League”. Até prefiro que simplicidade seja o preço a se pagar se o resultado final consiga cumprir as propostas às quais se propõe; nada como uma história incrivelmente complicada e ambiciosa que depende de vários detalhes ao longo de 3 horas. O fato da história fazer sentido quando peças largadas são reunidas não muda o fato da experiência cinematográfica — o ato de assistir ao filme — falhar em fazer isso com naturalidade. Ao menos uma proposta simples evita que o pecado aconteça por excesso de ambição e falta de eficiência.
Considerando as circunstâncias, “Justice League” faz um bom trabalho como filme de ação. A maioria dos personagens são bem utilizados nas cenas de ação em que estão presentes e conseguem passar a impressão de que realmente possuem alguma utilidade além de portar um nome famoso. Alguns deles já haviam provado seu valor antes e não deixaram preocupação no ar, eventualmente mostrando que o espectador não estava errado em depositar sua confiança neles. Até mesmo o Batman, que ficou sem muito o que fazer durante a última batalha de “Batman v Superman“, recebe um pouco mais de atenção do roteiro. No mínimo, é engraçado ver como ele, mesmo favorecido com mais espaço, fica para trás comparando-o com os outros membros da Liga. Ele ainda é o Cavaleiro das Trevas, mas toda sua perícia e inteligência servem de pouco quando chega a hora de enfrentar uma dezena de demônios insectóides. Nessas horas, ser a Princesa de Themyscira faz a diferença.
Quanto às novas adições, só gostei do Ciborgue (Ray Fisher), justamente aquele que menos me interessava. Sua escolha como membro primário da Liga ainda não faz muito sentido quando poderiam ter escolhido o Lanterna Verde ou o Ajax, heróis maiores, porém fiquei bastante satisfeito com o personagem. É nele que está concentrada a pequena parte da profundidade de “Justice League”, feita de um mínimo de desenvolvimento e plano de fundo. Somando isso a uma atuação que leva a sério esta qualidades limitadas, já é o bastante para diferenciar o Ciborgue de um indivíduo sem graça como o Aquaman (Jason Momoa). E nem digo isso pela piada pronta dele ser um herói inútil, que só sabe nadar e falar com peixes. Aqui ele realmente é insosso, com uma atitude de galã descolado totalmente desprovida de carisma e uma presença de pouco destaque na ação.
Quanto ao Flash (Ezra Miller), ele representa o maior problema de “Justice League”: o humor forçado. É bem sabido que refilmagens e re-edições estragaram “Suicide Squad“. Aqui acontece algo parecido e, felizmente, não há resultados tão catastróficos. É difícil culpar Joss Whedon por qualquer coisa, mas imagino que a maior presença do humor tenha um pouco de sua influência, considerando seu trabalho nos filmes da Marvel. Flash parece ter sido concebido — ou reconcebido — com o único propósito de fazer piadas em todas as cenas em que não está em ação, às vezes usando até esses momentos para fazer graça. Se fossem tiradas engraçadas, não teria problema; quando nenhum outro personagem reage às tentativas de ser engraçado e o ator parece estar atuando sozinho, aí há um problema bem grande.
Talvez “Justice League” não seja do agrado de vários fãs dos primeiros trabalhos do Universo Estendido da DC. Ele é claramente o estágio final da transição de uma entonação séria, vista claramente em “Man of Steel”, para uma atmosfera leve mais voltada para a Comédia. A escolha de fazer as histórias se levarem a sério nunca foi um problema em si, ao contrário do que costumam apontar. Essa escolha de tom, inclusive, era um dos diferenciais das produções da DC. “Justice League” não é melhor porque tem mais traços de comédia, mas porque cumpre sua missão de proporcionar entretenimento explosivo. Poderiam ter deixado de lado as piadinhas sem medo.