Os dois primeiros filmes da série Thor não deram certo. Eles podem até não ser abomináveis e inassistíveis, mas isso não impediu que fossem popularmente considerados os mais fracos do Universo Cinematográfico Marvel. É curioso como conseguiram fazer um filme bom com o Homem-Formiga, cujo poder é mudar de tamanho e falar com formigas, e falharam em fazer o mesmo com Thor, o deus do trovão. Isso mostra como sucesso não é uma questão apenas dependente do material abordado ou de seguir uma fórmula padrão. Afinal, Thor está entre os heróis mais fortes do Universo Marvel e possui toda uma mitologia em volta de si, material o bastante para render várias boas histórias. Fazer o de sempre não funcionou. Qual a solução encontrada em “Thor: Ragnarok”? Abraçar o maior número de novidades ao mesmo tempo.
Loki (Tom Hiddleston) assumiu a identidade de Odin no trono de Asgard e exilou o verdadeiro na Terra. Sem saber da fraude, Thor (Chris Hemsworth) sai pelo universo tentando impedir a chegada do Ragnarok, evento profetizado que dita a destruição de Asgard. Outra brincadeira de Loki tem resultados catastróficos: Hela (Cate Blanchett) é libertada de sua prisão e pretende usurpar o trono. O destino de Asgard depende da capacidade do deus do trovão de vencer um desafio de gladiadores e sair do planeta onde está preso.
Particularmente, não gosto dos outros filmes do Thor e não esperava muita coisa de “Thor: Ragnarok”. Uma de minhas esperanças era de que finalmente fariam algo bom por abordagem um dos maiores acontecimentos do universo do personagem. Essa expectativa durou até as primeiras informações concretas sobre o longa. Quando os primeiros pôsteres saíram, havia algo de curioso neles: todos eram exageradamente coloridos e mostravam Hulk (Mark Ruffalo) em sua roupa de gladiador. Não entendi o que havia de tão colorido e feliz no fim do mundo ou o que este evento tinha a ver com “Planeta Hulk”. Foram os primeiros sinais do que viria. Seguir o procedimento de sempre não deu certo nas duas primeiras vezes, então a Marvel decidiu ir contra tudo que era considerado padrão e criou sua obra mais bizarra até o momento.
Isso não significa originalidade completa. Alguns ingredientes desta mistura insana são muito bem conhecidos e já podem ser vistos nas primeiras cenas de “Thor: Ragnarok”. Dentre eles, não poderia faltar o mais típico humor Marvel, nunca tão intenso e presente antes. Quem não gostar de muito humor certamente se incomodará com esta abordagem. Thor, previamente um dos poucos heróis que não precisavam fazer piadas, torna-se um veículo incansável de comentários engraçadinhos, sarcasmos e palhaçadas, um reflexo da atmosfera exageradamente cômica da obra. Nunca fui a pessoa que odeia o humor auto-consciente que ri de si mesmo. Até acho que foi uma das idéia renovadoras do Terror Slasher quando este começou a mostrar sinais de saturação. Mas há um limite. Dependendo da forma como este tipo de comédia é aplicada, a obra pode ganhar um toque de inovação ou descaracterizar-se. Infelizmente, “Thor: Ragnarok” está mais para o segundo caso.
Pensar em Thor traz algumas coisas à mente: vocabulário arcaico, mitologia nórdica, um indivíduo menos confortável que a maioria em seu papel de super-herói, e talvez até traços shakesperianos envolvendo intrigas familiares num contexto de realeza e tradicionalismo. Quando “Avengers: Age of Ultron” pendeu para a comédia a ponto de colocar um asgardiano troglodita fazendo graça, me incomodei. Mal sabia que isso nem se compararia ao que se vê aqui. Nada se leva a sério. O tal Ragnarok é tratado levianamente como um detalhe de enredo e Hela, assim como a maioria dos vilões, também uma função secundária. Tudo é plano de fundo para alguma gracinha. Até as cenas de ação, os momentos decentes da obra, param frequentemente para, sim, mais tentativas de deixar o filme engraçado. Mesmo se fossem bem sucedidos – o que piadas sobre ânus e metralhadoras M16 não são – permaneceria o problema de negligenciar o resto em prol das risadas de uma audiência em busca de entretenimento de outras formas, como ação explosiva e super-heróis destruindo tudo. Talvez esperassem que o espectador fosse engolir absurdos como fariam em um filme de comédia, mas isso não justifica incoerência de poderes, por exemplo, aumentados e ignorados puramente por conveniência do roteiro.
São detalhes como esses que estragam a experiência como um todo; mudança de foco resultando em negligência, coisa que uma boa comédia não faz. Quanto aos atores, eles devem ser especialmente competentes num trabalho do gênero para que o humor funcione. Não é o que posso dizer de um elenco – com exceção de Jeff Goldblum – que mais parece estar atuando numa versão MCU de “Todo Mundo em Pânico”. Parece que nem mesmo a Marvel tratou “Thor: Ragnarok” com seriedade e simplesmente lavou as mãos, deixando que fizessem o que bem quisessem com a única série que não deu muito certo. Com a bilheteria mais ou menos garantida e uma empolgação mediana para um terceiro filme de Thor, aproveitou-se a oportunidade para tentar algumas coisas novas. E extravagantes, no mínimo.
Nada de atestados deveras rebuscados e instrumentos causadores de dor. Thor empunha metralhadoras laser no planeta mais colorido do universo, cada parede em uma cor viva e o figurino não muito longe do glíter e da purpurina. “Thor: Ragnarok” é feito das idéias mais variadas e sem sentido. Lutas de gladiador, batalhas de naves espaciais, um pseudo-vilão direto de “Zoolander”, Hulk com QI nulo, Thor tirando selfie, personagens de “Planeta Hulk”, exército de mortos-vivos… Tudo isso ao som de uma trilha sonora no, agora popular, estilo synthwave — também visto em “Drive“, “Atomic Blonde” e, recentemente, “Good Time“. Estranho, mas é uma das melhoras trilhas sonoras dos filmes da Marvel porque ao menos pode ser notada entre todos os outros sons em cena. Olhando para estes elementos separadamente, parece que nenhum dos envolvidos na produção sabia que tipo de monstro estava construindo.
Se fosse alguém me dizendo que a obra é quase totalmente uma comédia que ridiculariza tudo e até si mesma, com visuais coloridíssimos, uma trilha sonora synthwave e atuações terríveis, daria um jeito de arranjar mais pés para não ficar com apenas dois atrás. Surpreendentemente, não posso dizer que “Thor: Ragnarok” é um filme chato. Ele é cheio de defeitos e inconsistências que me dão vontade de dar uma nota zero, porém foi uma experiência que me manteve atento à despeito das várias cenas ofensivamente sem graça. Todos esses elementos juntam-se para formar uma das combinações mais incomuns do Universo Cinematográfico Marvel. Se isso significar uma maior flexibilidade de abordagem, possibilitando sair da fórmula já conhecida, ótimo. Se não, fico na esperança de que não repitam essa amálgama esquizofrênica novamente.